quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Saudades imperiais

Jornal do Brasil

12/08/2009

Mauro Santayana

Coube ao conservador Filipe Calderón, presidente do México, a frase mais importante sobre os problemas atuais da América Latina. No encontro com Obama e o primeiro-ministro do Canadá, segunda-feira, ele disse ser necessário o fortalecimento das instituições, a fim de que nenhum país se erija em árbitro das disputas internacionais, “mesmo que o presidente desse país seja Barack Obama”.

Muitos pedem uma autoridade mundial, a fim de impor a paz entre as nações. Se essa autoridade se fizesse da reunião de todos os estados nacionais, em que cada país tivesse o mesmo poder de decisão, e as resoluções majoritárias fossem acatadas, talvez se evitassem alguns conflitos. A paz só seria duradoura, no entanto, se essa autoridade dispusesse de força militar capaz de assegurar o cumprimento de suas sanções contra qualquer estado infrator. Infelizmente a história não registra nada de semelhante. A Liga das Nações, proposta por iniciativa de Woodrow Wilson, logo depois da Primeira Guerra Mundial, se frustrou, quando o Congresso dos Estados Unidos se negou a ratificar o artigo 10 do Tratado de Versalhes, que punia qualquer país que agredisse o território de outro. Sem a presença de Washington, como garantidor das decisões da Liga, Hitler ficou à vontade para preparar a desforra, o Japão se viu autorizado a invadir a Manchúria, e Mussolini massacrou o povo etíope. A ONU, que substituiu a Liga depois do fim da Segunda Guerra, não tem sido capaz, sequer, de obrigar Israel, desde a fundação do Estado, a cumprir as suas resoluções no caso da Palestina.

A história se desenvolve na tensão entre os que mandam e os que buscam libertar-se da opressão. Reproduz-se, no convívio inevitável entre as nações, o mesmo confronto entre as pessoas que dominam e as que tentam livrar-se do jugo. A América Latina, não obstante as lutas do século 18 e 19, e as declarações formais da independência, favorecidas pela fragmentação do poder europeu, continua sob o mando, disfarçado ou ostensivo, mas sempre petulante, dos antigos e novos colonialistas. Ainda anteontem, em visita a Bogotá, a senhora Maria Tereza Fernández de la Vega, vice-presidente do governo espanhol (ou seja, vice-premier) manifestou seu pleno apoio a Uribe, na decisão de acolher tropas norte-americanas em território colombiano. Nada a estranhar. Ainda que os socialistas estejam no poder em Madri, a síndrome da Conquista e do Império de Carlos V permanece. Vale lembrar a arrogância de Juan Carlos no encontro de Santiago do Chile. A posição da senhora de la Vega destoa do chanceler Moratinos que, em visita ao Brasil, somara-se às preocupações de nosso governo com relação às bases.

A enviada espanhola se diz empenhada em “reconverter guerrilheiros em cidadãos”. Mesmo que houvesse lógica em sua frase, essa não seria tarefa dos espanhóis mas, sim, dos colombianos. Por acaso não eram cidadãos os guerrilheiros de 1808, que lutaram contra as tropas de Napoleão na Espanha e foram chamados, pela primeira vez, guerrilleros? Cidadãos foram os partigiani italianos, no combate aos alemães e seus aliados internos, os resistentes iugoslavos de Tito e os maquisards franceses. Sendo movimento político, as Farc são constituídas de cidadãos.

Obama, candidato, parecia preocupado com a violação sistemática dos direitos humanos na Colômbia, o que continua a ocorrer. Conforme denúncia do Ministério Público do país, mais de 1.500 rapazes pobres, absolutamente distanciados tanto da guerrilha quanto do narcotráfico, foram atraídos por falsos empregos e assassinados a sangue-frio, mas contabilizados como guerrilheiros, para o recebimento de recompensas. São o que chamam, cinicamente, de “falsos positivos”. Diante das provas, o próprio comandante do Exército, Mario Montoya, se demitiu. Há dias, conforme observadores internacionais, no estado de Nariño, 42 pessoas foram mortas, na luta entre duas facções de paramilitares, pelo controle de uma zona de narcotráfico.

Em passado não muito distante, as Farc negociaram a paz, puseram sua cara a descoberto, a fim de participar das eleições – e seus líderes foram trucidados pela extrema-direita. Não podem ganhar a guerra, nem parar de lutar. Só podem sobreviver de armas nas mãos.

A Colômbia só terá paz quando os extremistas de direita e de esquerda forem vencidos pela razão democrática da justiça, sem a interferência de qualquer outro país, mesmo que “esse país seja o do presidente Barack Obama”.

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