Veja
03/08/2009
Guillermo Zuloaga
O dono do canal de televisão Globovisión, o único que ainda pode criticar Hugo Chávez, diz que o controle total da informaçãoé o que falta para seu país virar ditadura assumida
Como uma aldeia de Asterix nos trópicos, resta apenas um canal de televisão que não foi fechado ou cooptado por Hugo Chávez na Venezuela. É a Globovisión, que transmite notícias em tempo integral para as três maiores cidades do país. Desde que, em 2007, o regime chavista não renovou a licença da RCTV, querida por suas novelas, a Globovisión tornou-se a solitária voz independente a transmitir em sinal aberto. Não se sabe por quanto tempo. Chávez trama o tempo todo para fechá-la e, com os freios e contrapesos do estado de direito cada vez mais minados, pode acabar conseguindo. A tática, no momento, é conhecida: inundar a Globovisión com processos de todo tipo. Seu dono, Guillermo Zuloaga, 67 anos, tem sofrido diversas acusações esdrúxulas, que vão de caçar animais silvestres a especular com preços de automóveis. Proibido de sair da Venezuela, Zuloaga falou a VEJA, por telefone.
Chávez já ameaçou encerrar as operações da Globovisión diversas vezes. Por que até agora não conseguiu fazer isso?
Entre todos os sessenta processos administrativos a que estamos respondendo, não há um sequer que tenha embasamento legal para levar ao fechamento do canal. Além disso, Chávez parece ter se conscientizado do custo político de tomar tal iniciativa. Uma parcela muito grande da população concorda com nossa causa. Pesquisas de opinião pública mostraram que cerca de 80% dos venezuelanos querem que nossa empresa continue funcionando. Recentemente, o governo nos impôs uma multa equivalente a 8 milhões de reais, alegando que não pagamos alguns impostos entre 2002 e 2003. Mentira. Fizemos uma campanha para angariar o dinheiro da multa e 400.000 famílias venezuelanas nos ajudaram.
Chávez fechou a RCTV em 2007, independentemente das manifestações que ocorreram contra ele.
O presidente é totalmente imprevisível. A nosso favor, pesa o fato de que nossa concessão só acaba em 2015. No caso da RCTV, o governo conseguiu o que queria porque simplesmente não renovou a concessão.
Qual seria o impacto do fechamento da Globovisión?
Somos a única janela na televisão em que o cidadão pode ver o que acontece no país. Todos os outros canais foram neutralizados por Chávez ou são totalmente complacentes com ele. Nos nossos concorrentes, os jornais só são transmitidos a altas horas da noite. Não há mais notícias em horário nobre. Dessa forma, caso haja uma informação que, mesmo inicialmente considerada benéfica, produza um efeito negativo ao governo, eles sabem que as consequências não serão tão grandes.
Que tipo de notícia não aparece nos outros canais?
Há inúmeros conflitos trabalhistas nas empresas que foram nacionalizadas. Os diretores chavistas assinaram acordos coletivos e encheram os funcionários de promessas. Como as companhias estão todas fracassadas economicamente, eles agora não conseguem cumprir o que foi combinado. Também somos os únicos a entrevistar acadêmicos e pesquisadores que não compactuam com o governo.
Houve empresas que cancelaram anúncios temendo problemas com o governo?
Todas as grandes companhias que foram nacionalizadas deixaram de ser nossas clientes, como a empresa de telecomunicações Cantv e a Eletricidade de Caracas, EDC. A estatal petrolífera PDVSA não anuncia mais conosco desde que Chávez demitiu todos os funcionários que participaram da greve geral em 2003. Apesar disso, nossa receita publicitária está crescendo. As empresas privadas aumentaram sua participação. São companhias que compartilham os nossos valores. Acreditam no livre mercado, na propriedade privada e no respeito aos direitos humanos.
A Globovisión já deixou de dar uma notícia com medo de represálias do governo? Desde que as agressões começaram, colocamos advogados permanentemente no canal para analisar tudo o que vai ao ar. Não queremos dar ao governo alguma desculpa para nos fechar.
Pessoalmente, como o senhor é afetado?
Estou proibido de deixar o país. Se quiser viajar, preciso de uma autorização especial. Isso porque estou sendo processado por manter 24 veículos em minha casa. Os chavistas falaram que eu estaria fazendo isso para forçar uma alta nos preços. Tudo invenção. Tenho pelo menos uma audiência na Justiça por semana.
Por que havia 24 veículos na sua casa?
Tenho duas concessionárias de automóveis que vendem, cada uma, cerca de 120 veículos por mês. Vinte carros não é nada. O que encontraram em minha casa era uma leva que já estava vendida a clientes da capital. Só faltava entregar. Disseram que eu estava prejudicando a coletividade com isso. Como conseguiria fazer isso com vinte carros? Enquanto Caracas tem um déficit de 300 ambulâncias, o governo dá, de graça, 170 ambulâncias à Bolívia. Quem está prejudicando a coletividade são eles, não eu.
E a acusação de que os veículos estavam parados para forçar um aumento nos preços?
Quem eleva os preços não são os distribuidores de automóveis, mas a política estatal que obriga os fabricantes de carros a comprar dólares de um órgão do governo, a Comissão de Administração de Divisas (Cadivi). Como essa instituição não libera o dinheiro, faltam peças. Há três montadoras paradas. A produção de veículos caiu 50% em 2008 e mais 50% neste ano. Sem dólares, também não é possível importar veículos prontos. Quando a oferta cai, o preço sobe. Mesmo os clientes chavistas que têm dinheiro não conseguem mais comprar os automóveis de luxo que desejam.
Depois da visita dos promotores no caso dos carros, o Ministério Público começou a investigá-lo por ter animais silvestres empalhados em sua casa. De onde vieram?
Cacei em toda a minha vida. Gosto de pescar também. Mas os troféus que tenho em casa são todos da África e da América do Norte. São antílopes, leões e leopardos. Nenhum deles é da Venezuela.
E como está a investigação?
Parada. Até agora, não apareceu um único técnico do Ministério do Meio Ambiente que possa olhar o meu troféu de leão e dizer que não existe esse bicho nas selvas de nosso país. Também não há ninguém que possa escrever que existe uma diferença entre um antílope e um veado. Fazer isso seria contrariar o chefe. Todos têm medo. Até que apareça alguém com coragem, a investigação vai continuar. É uma loucura. Se é o caso de punir todos os lugares em que existam animais empalhados, então que fechem o Museu de História Natural e as churrascarias.
Chávez acusa a Globovisión de dar voz somente à oposição. É verdade?
Não temos acesso à informação oficial. O governo não abre as portas para que nossos repórteres façam entrevistas com funcionários do estado. Quando um jornalista do nosso time consegue fazer uma pergunta ao presidente, ele responde como um déspota agressivo. Só nos resta produzir reportagens investigativas e trabalhar na rua, mostrando o que acontece.
Seu canal também está sendo processado por noticiar um terremoto, acusado de disseminar pânico entre as pessoas. O que ocorreu?
Houve um tremor na madrugada do dia 4 de maio. Durante meia hora, ninguém do governo deu nenhuma informação à população ou à imprensa. Como havia medo nas ruas, nossa equipe consultou um instituto sismológico dos Estados Unidos. Então, informamos que o tremor era de baixa magnitude, que não tinham sido registradas mortes. Todos poderiam ficar tranquilos. Isso incomodou muito o governo. Fomos acusados de usar um serviço do imperialismo ianque e outras besteiras. Disseram que estávamos criando terrorismo e pânico entre a população, quando fizemos exatamente o contrário. Esse é um exemplo de processo administrativo sem embasamento jurídico para nos fechar.
O que falta para a Venezuela ser uma ditadura?
Muito pouco. Quando terminarem de fechar todas as formas de acesso livre à informação, então teremos ingressado em uma ditadura. Chávez quer tirar 240 rádios do ar. Nenhuma das que estão na lista, obviamente, é chavista. Também quer proibir que as estações de Caracas transmitam para o restante do país. Se isso acontecer, somente o presidente poderá falar em cadeia nacional. Nas bibliotecas públicas, todos os livros de direita ou que não estavam de acordo com a ideologia oficial foram jogados fora. Os jornais impressos continuam independentes, mas alguns donos já reclamam que não conseguem importar papel, porque o Cadivi não libera os dólares. Na televisão a cabo, o governo está discutindo uma lei para limitar o acesso aos canais venezuelanos. Em relação à Globovisión, o governo não nos deixa ampliar a cobertura para outras cidades. Temos sinal aberto em apenas três cidades.
Chávez fala muito do apoio dos canais de televisão ao golpe que sofreu. Como a Globovisión se comportou na época?
Não houve uma tentativa de golpe contra Chávez em 2002. Na Venezuela, a única pessoa que sabemos ter experiência em desestabilizar governos é exatamente aquela que está sentada no Palácio de Miraflores. Foi ele que tentou derrubar o presidente Carlos Andrés Pérez, em 1992. O que houve dez anos depois foi uma indignação popular muito forte contra Chávez, que promulgara 49 leis contra a propriedade privada. As pessoas foram protestar nas ruas no dia 11 de abril, e nós transmitimos tudo. Quando o presidente enviou as Forças Armadas para controlar a população, houve conflitos e mortos nas ruas. Chávez deixou Miraflores e seu ministro da Defesa, o general Lucas Rincón, anunciou que o presidente renunciara. Ninguém o depôs. Houve um vazio de poder. Dois dias depois, Chávez retornou. O Tribunal Supremo de Justiça, mais tarde, concluiu, após uma investigação, que não houve golpe de estado. Há quatro anos, já com o controle do Judiciário, Chávez alterou essa decisão.
E a acusação de "terrorismo midiático"?
O terrorismo na mídia é praticado pelo estado com seus próprios meios. O Canal 8, da Venezuelana de Televisão (VTV), tem programas que constantemente destroem a reputação de pessoas que são contra o governo. São acusações inventadas e injustas, que eu nem sequer poderia repetir aqui. A VTV é um canal do governo, mantido graças aos nossos impostos. O presidente também nos ofende abertamente no seu programa dominical, o Alô Presidente. Ele nos chama de ianques, agentes da CIA. Somos vítimas de um terrorismo de estado.
Como o senhor vê a posição brasileira em relação a Chávez?
Ao Brasil convém muito apoiar nosso presidente. Como a nossa capacidade produtiva foi minada pelas políticas socialistas, toda a população se tornou cliente dos amigos de Chávez, incluindo aí muitos empresários brasileiros. Em dez anos de chavismo, o número de indústrias venezuelanas caiu 40%, enquanto a importação de produtos brasileiros foi multiplicada por dez. Como o volume das nossas exportações não foi alterado, nossa balança comercial com o Brasil hoje é extremamente desfavorável para nós. No ano passado, compramos 5 bilhões de dólares e vendemos pouco mais de 500 milhões de dólares. É uma diferença muito grande. Lula apoia isso porque sabe que essa relação é benéfica aos seus empresários. Para os homens de negócios venezuelanos, é um tormento.
Por que Chávez continua popular na Venezuela?
Porque o alto preço do petróleo deu a ele uma enorme quantidade de dinheiro. Chávez é querido porque detém o talão de cheques. Mas a cada dia que passa as pessoas estão percebendo que, apesar de todos esses dólares, a vida não mudou. Nada do que se prometeu se tornou realidade. Agora que o talão de cheques está perdendo folhas, o equilíbrio do jogo pode ser alterado.
O dono do canal de televisão Globovisión, o único que ainda pode criticar Hugo Chávez, diz que o controle total da informaçãoé o que falta para seu país virar ditadura assumida
Como uma aldeia de Asterix nos trópicos, resta apenas um canal de televisão que não foi fechado ou cooptado por Hugo Chávez na Venezuela. É a Globovisión, que transmite notícias em tempo integral para as três maiores cidades do país. Desde que, em 2007, o regime chavista não renovou a licença da RCTV, querida por suas novelas, a Globovisión tornou-se a solitária voz independente a transmitir em sinal aberto. Não se sabe por quanto tempo. Chávez trama o tempo todo para fechá-la e, com os freios e contrapesos do estado de direito cada vez mais minados, pode acabar conseguindo. A tática, no momento, é conhecida: inundar a Globovisión com processos de todo tipo. Seu dono, Guillermo Zuloaga, 67 anos, tem sofrido diversas acusações esdrúxulas, que vão de caçar animais silvestres a especular com preços de automóveis. Proibido de sair da Venezuela, Zuloaga falou a VEJA, por telefone.
Chávez já ameaçou encerrar as operações da Globovisión diversas vezes. Por que até agora não conseguiu fazer isso?
Entre todos os sessenta processos administrativos a que estamos respondendo, não há um sequer que tenha embasamento legal para levar ao fechamento do canal. Além disso, Chávez parece ter se conscientizado do custo político de tomar tal iniciativa. Uma parcela muito grande da população concorda com nossa causa. Pesquisas de opinião pública mostraram que cerca de 80% dos venezuelanos querem que nossa empresa continue funcionando. Recentemente, o governo nos impôs uma multa equivalente a 8 milhões de reais, alegando que não pagamos alguns impostos entre 2002 e 2003. Mentira. Fizemos uma campanha para angariar o dinheiro da multa e 400.000 famílias venezuelanas nos ajudaram.
Chávez fechou a RCTV em 2007, independentemente das manifestações que ocorreram contra ele.
O presidente é totalmente imprevisível. A nosso favor, pesa o fato de que nossa concessão só acaba em 2015. No caso da RCTV, o governo conseguiu o que queria porque simplesmente não renovou a concessão.
Qual seria o impacto do fechamento da Globovisión?
Somos a única janela na televisão em que o cidadão pode ver o que acontece no país. Todos os outros canais foram neutralizados por Chávez ou são totalmente complacentes com ele. Nos nossos concorrentes, os jornais só são transmitidos a altas horas da noite. Não há mais notícias em horário nobre. Dessa forma, caso haja uma informação que, mesmo inicialmente considerada benéfica, produza um efeito negativo ao governo, eles sabem que as consequências não serão tão grandes.
Que tipo de notícia não aparece nos outros canais?
Há inúmeros conflitos trabalhistas nas empresas que foram nacionalizadas. Os diretores chavistas assinaram acordos coletivos e encheram os funcionários de promessas. Como as companhias estão todas fracassadas economicamente, eles agora não conseguem cumprir o que foi combinado. Também somos os únicos a entrevistar acadêmicos e pesquisadores que não compactuam com o governo.
Houve empresas que cancelaram anúncios temendo problemas com o governo?
Todas as grandes companhias que foram nacionalizadas deixaram de ser nossas clientes, como a empresa de telecomunicações Cantv e a Eletricidade de Caracas, EDC. A estatal petrolífera PDVSA não anuncia mais conosco desde que Chávez demitiu todos os funcionários que participaram da greve geral em 2003. Apesar disso, nossa receita publicitária está crescendo. As empresas privadas aumentaram sua participação. São companhias que compartilham os nossos valores. Acreditam no livre mercado, na propriedade privada e no respeito aos direitos humanos.
A Globovisión já deixou de dar uma notícia com medo de represálias do governo? Desde que as agressões começaram, colocamos advogados permanentemente no canal para analisar tudo o que vai ao ar. Não queremos dar ao governo alguma desculpa para nos fechar.
Pessoalmente, como o senhor é afetado?
Estou proibido de deixar o país. Se quiser viajar, preciso de uma autorização especial. Isso porque estou sendo processado por manter 24 veículos em minha casa. Os chavistas falaram que eu estaria fazendo isso para forçar uma alta nos preços. Tudo invenção. Tenho pelo menos uma audiência na Justiça por semana.
Por que havia 24 veículos na sua casa?
Tenho duas concessionárias de automóveis que vendem, cada uma, cerca de 120 veículos por mês. Vinte carros não é nada. O que encontraram em minha casa era uma leva que já estava vendida a clientes da capital. Só faltava entregar. Disseram que eu estava prejudicando a coletividade com isso. Como conseguiria fazer isso com vinte carros? Enquanto Caracas tem um déficit de 300 ambulâncias, o governo dá, de graça, 170 ambulâncias à Bolívia. Quem está prejudicando a coletividade são eles, não eu.
E a acusação de que os veículos estavam parados para forçar um aumento nos preços?
Quem eleva os preços não são os distribuidores de automóveis, mas a política estatal que obriga os fabricantes de carros a comprar dólares de um órgão do governo, a Comissão de Administração de Divisas (Cadivi). Como essa instituição não libera o dinheiro, faltam peças. Há três montadoras paradas. A produção de veículos caiu 50% em 2008 e mais 50% neste ano. Sem dólares, também não é possível importar veículos prontos. Quando a oferta cai, o preço sobe. Mesmo os clientes chavistas que têm dinheiro não conseguem mais comprar os automóveis de luxo que desejam.
Depois da visita dos promotores no caso dos carros, o Ministério Público começou a investigá-lo por ter animais silvestres empalhados em sua casa. De onde vieram?
Cacei em toda a minha vida. Gosto de pescar também. Mas os troféus que tenho em casa são todos da África e da América do Norte. São antílopes, leões e leopardos. Nenhum deles é da Venezuela.
E como está a investigação?
Parada. Até agora, não apareceu um único técnico do Ministério do Meio Ambiente que possa olhar o meu troféu de leão e dizer que não existe esse bicho nas selvas de nosso país. Também não há ninguém que possa escrever que existe uma diferença entre um antílope e um veado. Fazer isso seria contrariar o chefe. Todos têm medo. Até que apareça alguém com coragem, a investigação vai continuar. É uma loucura. Se é o caso de punir todos os lugares em que existam animais empalhados, então que fechem o Museu de História Natural e as churrascarias.
Chávez acusa a Globovisión de dar voz somente à oposição. É verdade?
Não temos acesso à informação oficial. O governo não abre as portas para que nossos repórteres façam entrevistas com funcionários do estado. Quando um jornalista do nosso time consegue fazer uma pergunta ao presidente, ele responde como um déspota agressivo. Só nos resta produzir reportagens investigativas e trabalhar na rua, mostrando o que acontece.
Seu canal também está sendo processado por noticiar um terremoto, acusado de disseminar pânico entre as pessoas. O que ocorreu?
Houve um tremor na madrugada do dia 4 de maio. Durante meia hora, ninguém do governo deu nenhuma informação à população ou à imprensa. Como havia medo nas ruas, nossa equipe consultou um instituto sismológico dos Estados Unidos. Então, informamos que o tremor era de baixa magnitude, que não tinham sido registradas mortes. Todos poderiam ficar tranquilos. Isso incomodou muito o governo. Fomos acusados de usar um serviço do imperialismo ianque e outras besteiras. Disseram que estávamos criando terrorismo e pânico entre a população, quando fizemos exatamente o contrário. Esse é um exemplo de processo administrativo sem embasamento jurídico para nos fechar.
O que falta para a Venezuela ser uma ditadura?
Muito pouco. Quando terminarem de fechar todas as formas de acesso livre à informação, então teremos ingressado em uma ditadura. Chávez quer tirar 240 rádios do ar. Nenhuma das que estão na lista, obviamente, é chavista. Também quer proibir que as estações de Caracas transmitam para o restante do país. Se isso acontecer, somente o presidente poderá falar em cadeia nacional. Nas bibliotecas públicas, todos os livros de direita ou que não estavam de acordo com a ideologia oficial foram jogados fora. Os jornais impressos continuam independentes, mas alguns donos já reclamam que não conseguem importar papel, porque o Cadivi não libera os dólares. Na televisão a cabo, o governo está discutindo uma lei para limitar o acesso aos canais venezuelanos. Em relação à Globovisión, o governo não nos deixa ampliar a cobertura para outras cidades. Temos sinal aberto em apenas três cidades.
Chávez fala muito do apoio dos canais de televisão ao golpe que sofreu. Como a Globovisión se comportou na época?
Não houve uma tentativa de golpe contra Chávez em 2002. Na Venezuela, a única pessoa que sabemos ter experiência em desestabilizar governos é exatamente aquela que está sentada no Palácio de Miraflores. Foi ele que tentou derrubar o presidente Carlos Andrés Pérez, em 1992. O que houve dez anos depois foi uma indignação popular muito forte contra Chávez, que promulgara 49 leis contra a propriedade privada. As pessoas foram protestar nas ruas no dia 11 de abril, e nós transmitimos tudo. Quando o presidente enviou as Forças Armadas para controlar a população, houve conflitos e mortos nas ruas. Chávez deixou Miraflores e seu ministro da Defesa, o general Lucas Rincón, anunciou que o presidente renunciara. Ninguém o depôs. Houve um vazio de poder. Dois dias depois, Chávez retornou. O Tribunal Supremo de Justiça, mais tarde, concluiu, após uma investigação, que não houve golpe de estado. Há quatro anos, já com o controle do Judiciário, Chávez alterou essa decisão.
E a acusação de "terrorismo midiático"?
O terrorismo na mídia é praticado pelo estado com seus próprios meios. O Canal 8, da Venezuelana de Televisão (VTV), tem programas que constantemente destroem a reputação de pessoas que são contra o governo. São acusações inventadas e injustas, que eu nem sequer poderia repetir aqui. A VTV é um canal do governo, mantido graças aos nossos impostos. O presidente também nos ofende abertamente no seu programa dominical, o Alô Presidente. Ele nos chama de ianques, agentes da CIA. Somos vítimas de um terrorismo de estado.
Como o senhor vê a posição brasileira em relação a Chávez?
Ao Brasil convém muito apoiar nosso presidente. Como a nossa capacidade produtiva foi minada pelas políticas socialistas, toda a população se tornou cliente dos amigos de Chávez, incluindo aí muitos empresários brasileiros. Em dez anos de chavismo, o número de indústrias venezuelanas caiu 40%, enquanto a importação de produtos brasileiros foi multiplicada por dez. Como o volume das nossas exportações não foi alterado, nossa balança comercial com o Brasil hoje é extremamente desfavorável para nós. No ano passado, compramos 5 bilhões de dólares e vendemos pouco mais de 500 milhões de dólares. É uma diferença muito grande. Lula apoia isso porque sabe que essa relação é benéfica aos seus empresários. Para os homens de negócios venezuelanos, é um tormento.
Por que Chávez continua popular na Venezuela?
Porque o alto preço do petróleo deu a ele uma enorme quantidade de dinheiro. Chávez é querido porque detém o talão de cheques. Mas a cada dia que passa as pessoas estão percebendo que, apesar de todos esses dólares, a vida não mudou. Nada do que se prometeu se tornou realidade. Agora que o talão de cheques está perdendo folhas, o equilíbrio do jogo pode ser alterado.
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