Jornal do Brasil
13/08/2009
Mauro Santayana
Em 1710, aos 13 anos, John Peter Zenger, nascido na Alemanha, emigrou para Nova York. Começou logo a trabalhar como aprendiz na única tipografia da cidade, que pertencia ao impressor William Bradford. Em 1726, graças a suas economias e competência técnica, montou a própria oficina. Em 1733, fundou o semanário New York Weekly Journal, associado aos cidadãos que se opunham ao novo governador geral da colônia, William Cosby, que, nomeado pelo rei George III, se empossara no ano anterior.
Cosby foi governante corrupto. Dobrou seus próprios vencimentos, pagos pelos cidadãos da colônia; fez acordos secretos que o beneficiavam, até mesmo com os índios; privilegiou ricos comerciantes, na administração tributária, em troca de propinas. Ao mesmo tempo foi tirânico contra os colonos nacionalistas, que já formavam o pequeno mas influente Country Party, e protetor escancarado do Court Party, da monarquia inglesa.
Eminentes intelectuais e políticos passaram a atacar o governador nas páginas do jornal de Zenger. Em novembro de 1734, o jornalista foi preso, por ordem do governador, e, acusado de sedição, ficou preso até agosto do ano seguinte, quando foi levado ao tribunal. Esse foi o primeiro processo promovido contra a liberdade de imprensa nos Estados Unidos. Seu advogado, Andrew Hamilton, de Filadélfia, era considerado um dos mais importantes profissionais de seu tempo. Ele defendeu a tese de que Zenger só seria réu do crime de sedição se fossem falsas as denúncias de que se fizera responsável como impressor do semanário. Foi o primeiro caso em que se invocou a exceção da verdade em defesa de um jornalista. O júri decidiu que Zenger não falseara os fatos e, portanto, não poderia ser incriminado.
Pouco antes de ser preso, e diante da perseguição que lhe movia o governador geral, o jornalista escreveu que “a supressão da liberdade de imprensa é seguida da perda da liberdade em geral. A liberdade de imprensa é parte essencial de todas as liberdades e preserva o seu todo”. Talvez nesse precedente se funde o respeito dos cidadãos por essa liberdade nos Estados Unidos.
A liberdade de imprensa não é a de uma ideologia, como supõem alguns bem intencionados militantes da esquerda, e outros, talvez não tão bem intencionados, militantes da direita. Ela não está só a serviço dos poderosos, nem apenas dos oprimidos. Ela é um instrumento da sociedade, composta de conservadores e empedernidos reacionários; de humanistas dispostos a morrer pelos homens de modo geral e pelos oprimidos, de forma particular. Ela é dos ricos e dos pobres, dos feios e dos belos, dos castos e dos devassos, dos trabalhadores#e dos vagabundos. É instrumento que se legitimará como bom ou mau, de acordo com os que o utilizem, ou os interesses que defenda. Assim como uma faca tanto serve para matar como para descascar laranjas, os meios de comunicação podem ser usados tanto em uma direção quanto na outra.
Os presidentes da Venezuela e do Equador – com suas razões respeitáveis – estão incomodados com os meios de comunicação que lhes são adversários, e falam em limitar a liberdade de imprensa. É certo que, na Venezuela, os senhores da mídia participaram diretamente de um golpe contra Chávez, eleito democraticamente, mas isso não o autoriza a limitar a liberdade. No Brasil, importante jornal está impedido de escrever sobre uma suspeita de atos de corrupção.
Como no caso de Zenger, aos acusados de cometer calúnia e difamação, deve caber a exceção da verdade. Se não puderem comprovar o que divulgarem, que enfrentem a lei penal, em todo o seu rigor. Não se pode, sob nenhum pretexto, admitir a censura prévia e, muito menos, criar legislação que venha a limitar a liberdade de informar e de opinar, consagrada em todas as constituições brasileiras.
Membros do governo Lula têm sussurrado ao presidente a intriga de que se arma contra ele o mesmo complô dos meios de comunicação que se articularam contra Vargas. Os tempos são outros e, mesmo que fossem os mesmos, há formas legais de resistência e de punição contra os eventuais caluniadores. Como disse, certa vez, Paulo Pinheiro Chagas, ao advertir Juscelino, a quem se pedia amordaçar Lacerda na televisão, é melhor o excesso do que a rolha. O excesso atinge um governo ou outro, uma pessoa ou outra; a rolha emudece a sociedade, desonra a nação e avilta a condição humana.
Em 1710, aos 13 anos, John Peter Zenger, nascido na Alemanha, emigrou para Nova York. Começou logo a trabalhar como aprendiz na única tipografia da cidade, que pertencia ao impressor William Bradford. Em 1726, graças a suas economias e competência técnica, montou a própria oficina. Em 1733, fundou o semanário New York Weekly Journal, associado aos cidadãos que se opunham ao novo governador geral da colônia, William Cosby, que, nomeado pelo rei George III, se empossara no ano anterior.
Cosby foi governante corrupto. Dobrou seus próprios vencimentos, pagos pelos cidadãos da colônia; fez acordos secretos que o beneficiavam, até mesmo com os índios; privilegiou ricos comerciantes, na administração tributária, em troca de propinas. Ao mesmo tempo foi tirânico contra os colonos nacionalistas, que já formavam o pequeno mas influente Country Party, e protetor escancarado do Court Party, da monarquia inglesa.
Eminentes intelectuais e políticos passaram a atacar o governador nas páginas do jornal de Zenger. Em novembro de 1734, o jornalista foi preso, por ordem do governador, e, acusado de sedição, ficou preso até agosto do ano seguinte, quando foi levado ao tribunal. Esse foi o primeiro processo promovido contra a liberdade de imprensa nos Estados Unidos. Seu advogado, Andrew Hamilton, de Filadélfia, era considerado um dos mais importantes profissionais de seu tempo. Ele defendeu a tese de que Zenger só seria réu do crime de sedição se fossem falsas as denúncias de que se fizera responsável como impressor do semanário. Foi o primeiro caso em que se invocou a exceção da verdade em defesa de um jornalista. O júri decidiu que Zenger não falseara os fatos e, portanto, não poderia ser incriminado.
Pouco antes de ser preso, e diante da perseguição que lhe movia o governador geral, o jornalista escreveu que “a supressão da liberdade de imprensa é seguida da perda da liberdade em geral. A liberdade de imprensa é parte essencial de todas as liberdades e preserva o seu todo”. Talvez nesse precedente se funde o respeito dos cidadãos por essa liberdade nos Estados Unidos.
A liberdade de imprensa não é a de uma ideologia, como supõem alguns bem intencionados militantes da esquerda, e outros, talvez não tão bem intencionados, militantes da direita. Ela não está só a serviço dos poderosos, nem apenas dos oprimidos. Ela é um instrumento da sociedade, composta de conservadores e empedernidos reacionários; de humanistas dispostos a morrer pelos homens de modo geral e pelos oprimidos, de forma particular. Ela é dos ricos e dos pobres, dos feios e dos belos, dos castos e dos devassos, dos trabalhadores#e dos vagabundos. É instrumento que se legitimará como bom ou mau, de acordo com os que o utilizem, ou os interesses que defenda. Assim como uma faca tanto serve para matar como para descascar laranjas, os meios de comunicação podem ser usados tanto em uma direção quanto na outra.
Os presidentes da Venezuela e do Equador – com suas razões respeitáveis – estão incomodados com os meios de comunicação que lhes são adversários, e falam em limitar a liberdade de imprensa. É certo que, na Venezuela, os senhores da mídia participaram diretamente de um golpe contra Chávez, eleito democraticamente, mas isso não o autoriza a limitar a liberdade. No Brasil, importante jornal está impedido de escrever sobre uma suspeita de atos de corrupção.
Como no caso de Zenger, aos acusados de cometer calúnia e difamação, deve caber a exceção da verdade. Se não puderem comprovar o que divulgarem, que enfrentem a lei penal, em todo o seu rigor. Não se pode, sob nenhum pretexto, admitir a censura prévia e, muito menos, criar legislação que venha a limitar a liberdade de informar e de opinar, consagrada em todas as constituições brasileiras.
Membros do governo Lula têm sussurrado ao presidente a intriga de que se arma contra ele o mesmo complô dos meios de comunicação que se articularam contra Vargas. Os tempos são outros e, mesmo que fossem os mesmos, há formas legais de resistência e de punição contra os eventuais caluniadores. Como disse, certa vez, Paulo Pinheiro Chagas, ao advertir Juscelino, a quem se pedia amordaçar Lacerda na televisão, é melhor o excesso do que a rolha. O excesso atinge um governo ou outro, uma pessoa ou outra; a rolha emudece a sociedade, desonra a nação e avilta a condição humana.
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