O Globo
08/08/2009
Janaina Figueiredo
Para especialista, desafio na América Latina é a defesa da democracia representativa e do Estado de direito
A constante tensão entre os governos da Colômbia, Venezuela, Equador, Bolívia e Argentina e os meios de comunicação de seus países é observada com preocupação por analistas da região, que temem um cerco cada vez maior à imprensa privada do continente. Na visão de Gabriel Salvia, diretor do Centro para a Abertura e o Desenvolvimento da América Latina (Cadal), com sede em Buenos Aires, outros países mais democráticos, como o Brasil, deveriam atuar com mais firmeza na defesa da liberdade de expressão.
“Todos estes países defendem um pensamento único que deve ser funcional à revolução que estão liderando. Para isso, os meios de comunicação devem ajudar a revolução e não criticá-la”, disse Salvia em entrevista ao GLOBO.
Janaína Figueiredo, Correspondente de BUENOS AIRES
O GLOBO: Como o senhor observa a relação entre os governos da Venezuela, Equador, Argentina e Bolívia com os meios de comunicação?
GABRIEL SALVIA: Observo uma tendência a querer impor um pensamento único, seguindo os passos de Cuba, país amigo, sobretudo, dos governos da Venezuela, Equador e Bolívia.
Em todos os casos vemos uma atitude autoritária no relacionamento com os meios de comunicação e uma total intolerância à crítica. Uma das essências da democracia são as diferenças de opinião, a possibilidade de que a imprensa possa informar, denunciar, assim como também a sociedade civil. Se alguém der uma informação equivocada, a Justiça deve intervir, mas todos temos o direito de opinar e informar.
Em todos os casos, vejo uma deterioração da qualidade democrática e isso também vale para o presidente Alvaro Uribe, da Colômbia, que comete o mesmo erro de desqualificar e agredir quem o critica. A lógica é a mesma, quem critica estes governos é vinculado a inimigos internos e estrangeiros. Esta atitude representa um retrocesso democrático.
Os governos da Argentina, Venezuela, Equador e Bolívia argumentam que a comunicação deve ser plural e estar aberta à participação popular...
SALVIA: São governos que falam em democratizar os meios de comunicação, mas no fundo o que buscam é limitar a liberdade de imprensa. São as pessoas que decidem qual canal de televisão assistir ou qual jornal ler. E as pessoas devem ter a liberdade de escolher. Estes países não simpatizam com a liberdade de expressão e isso também se reflete em suas alianças internacionais. São países, como no caso da Venezuela, vinculados a governos antidemocráticos como os do Irã, China e Coréia do Norte.
Representantes do governo brasileiro defenderam o governo Chávez em sua disputa com os meios de comunicação...
SALVIA: No caso do Brasil, sua política externa é profissional, mas pouco humanitária.
O Brasil privilegia acordos comerciais e econômicos, mas não se interessa pela defesa dos direitos humanos. O Brasil, por exemplo, se absteve de condenar o Irã nas Nações Unidas e foi muito criticado por isso. Também foi o único país latino-americano que abriu uma embaixada na Coréia do Norte, país fechado e autoritário. Não existe uma preocupação pela situação das sociedades e uma decisão de exportar democracia.
Qual é o objetivo mais importante destes governos latinoamericanos?
SALVIA: Todos defendem um pensamento único que deve ser funcional à revolução que estão liderando. Para isso, os meios de comunicação devem ajudar a revolução, e não criticála. Não acreditam na democracia representativa, divisão de poderes, Estado de direito e independência das pessoas, em todos os sentidos.
São governos eleitos nas urnas...
SALVIA: Claro, todos contam com apoio popular e convivem com oposições ineficientes. A questão é como usam o Estado para perpetuar-se no poder. Esse é o desafio para as forças políticas destes países e de outros países da região. O desafio é a defesa da democracia representativa e do Estado de direito.
No caso da Argentina, como avalia a relação entre o casal Kirchner e a imprensa?
SALVIA: Na Argentina ainda não se chegou a extremos como na Venezuela. Mas no caso do governo argentino também observamos uma tendência a ignorar os meios de comunicação, a buscar uma comunicação direta com o povo e uma grande intolerância às críticas.
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