domingo, 9 de agosto de 2009

ETA ainda representa ameaça

O Estado de S. Paulo

09/08/2009
Paddy Woodworth

Os atentados à bomba na Espanha, na semana retrasada, indicam que a organização separatista ETA (Pátria Basca e Liberdade), no 50º aniversário de sua fundação, ainda mantém uma capacidade militar maior do que muitos observadores, incluindo o Ministério do Interior espanhol, acreditavam.

E esse é o grande dilema do primeiro-ministro José Luis Rodríguez Zapatero. Durante seu primeiro mandato, ele tentou, corajosamente, iniciar negociações de paz com a ETA.

O processo fracassou por erros cometidos por ambos os lados, mas especialmente pela ETA, quando explodiu um carro-bomba no aeroporto de Madri, em 2006. Desde então, Zapatero insiste que nenhuma negociação é possível e a organização só pode ser erradicada por meio de um trabalho eficiente da polícia e dos tribunais.

Até a semana passada, ele podia afirmar que tal política estava funcionando. Ao menos quatro chefes da ETA foram presos no último ano. Unidades recém-criadas pelo grupo foram detidas antes de levar a cabo alguma ação. A ETA continuou matando, mas de modo bem mais esporádico.

Mas esses últimos atentados trazem a marca de campanhas anteriores da ETA. Dois alvos bem protegidos, ambos quartéis da Guarda Civil, foram atacados num prazo de 34 horas em Burgos e Palma de Mallorca, que estão a centenas de quilômetros de distância. O que mostra que, pela primeira vez em anos, a organização terrorista tem duas unidades operando ao mesmo tempo, longe das suas bases no País Basco.

O violento atentado a bomba em Burgos repetiu um ataque similar em Zaragoza em 1987, que matou 11 pessoas. Apenas por uma extraordinária sorte, foi evitado um massacre similar. O ataque em Mallorca lembra as "campanhas de verão" da organização separatista, cujo objetivo é elevar o perfil internacional do grupo e danificar o setor turístico espanhol.

É possível, como insistiu o Ministério do Interior, que os ataques simplesmente tenham sido a última cartada da ETA, colocando todos seus recursos remanescentes na "comemoração" do seu 50º aniversário. Mas o mais provável é que as previsões otimistas do governo, de que o último grupo terrorista nativo da Europa Ocidental está desaparecendo, terão de ser revistas.

Apesar de um forte declínio nos últimos anos, a ETA ainda desfruta de considerável apoio popular, especialmente entre os jovens bascos. A interdição de partidos políticos e associações supostamente ligados à organização, criticada por grupos de direitos humanos, como a Anistia Internacional, empurrou o movimento para a clandestinidade, mas não o destruiu.

ATRAÇÃO

Uma pesquisa recente realizada pelo jornal espanhol El País mostrou que 15% dos adolescentes ainda se sentem atraídos pela ETA, e isso numa das mais prósperas regiões da União Europeia. Portanto, surge mais uma vez a questão sobre se os métodos da polícia, sozinhos, conseguirão erradicar o grupo, já que a ETA ainda pode recorrer a uma reserva de jovens recrutas motivados.

Uma questão fundamental é se existe realmente um "conflito basco" . A opinião pública espanhola, de esquerda e de direita, geralmente nega que ele existe, dizendo que o problema é similar à luta para aniquilar as máfias criminosas. Mas para os nacionalistas bascos, incluindo uma grande maioria que odeia os métodos usados pela ETA, existe um conflito político latente envolvendo a autodeterminação basca. E querem que esta questão seja resolvida com a mesma imaginação e coragem dos governos irlandês e britânicos no caso do IRA (Exército Republicano Irlandês).

Mas esse é um tema tabu entre muitos espanhóis. Para eles, o País Basco, como disse numa entrevista um político basco que defende o governo espanhol, "não só faz parte da Espanha, mas é o coração da Espanha". O que distingue claramente a situação basca da irlandesa. A opinião pública britânica já não via há muito tempo a Irlanda do Norte como parte integrante da identidade nacional britânica. Para muitos espanhóis, a questão foi encerrada quando se garantiu poderes para o governo autônomo basco em 1980.

Mas muitos bascos insistem que seu país não é, absolutamente, espanhol e os partidos democráticos espanhóis os traíram durante a transição da ditadura de Franco, não cumprindo as promessas de que teriam direito à autodeterminação.

Se a violência da ETA, por mais repulsiva que seja, é um sintoma do conflito basco e não sua única causa, então, mais cedo ou mais tarde, alguém terá de empreender um diálogo realmente aberto entre Madri e o nacionalismo basco. Mas, ironicamente, a ETA é o maior obstáculo para que esse processo se inicie. Enquanto continuar matando, nenhum governo espanhol mudará uma vírgula na questão da autodeterminação basca.

Quebrar este circulo vicioso exigirá uma grande sabedoria política e coragem que não estão evidentes na política espanhola, nem na basca, no momento.

*Paddy Woodwhorth é autor de livros sobre o País Basco

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