domingo, 9 de agosto de 2009

Estupro de homens é o novo drama do Congo

O Estado de S. Paulo

09/08/2009

Atrocidade é usada para desmoralizar comunidades e vem em resposta à brutalidade das forças militares

Jeffrey Gettleman

Eram cerca de 11 horas da noite quando homens armados invadiram a cabana de Kazungu Ziwa, puseram uma machadinha contra a garganta dele e arrancaram suas calças. Ele tentou reagir, mas foi rapidamente dominado. "Então, eles me estupraram", disse. "Foi fisicamente horrível. Fiquei tonto. Os pensamentos me abandonaram."

De acordo com diversas organizações congolesas de ajuda humanitária, o número de homens estuprados aumentou muito nos últimos meses, uma consequência das operações militares conjuntas realizadas pelo Exército da República Democrática do Congo (ex-Zaire) e por Ruanda contra os rebeldes que infligem um nível de violência aterrador contra a população civil.

Funcionários de agências humanitárias tentam explicar o aumento súbito e drástico dos casos de homens estuprados. A melhor resposta, segundo eles, é a de que a violência sexual perpetrada contra os homens é outra forma empregada pelos grupos armados com o objetivo de humilhar e desmoralizar as comunidades congolesas, obrigando-as a se submeter.

A ONU considera o Congo como a capital mundial do estupro. As operações militares conjuntas, que tiveram início em janeiro e foram realizadas por Ruanda e Congo - dois vizinhos que já foram inimigos ferrenhos em um passado recente e cujas dimensões lembram Davi e Golias -, tinham como objetivo pôr fim ao problema dos rebeldes assassinos que assolam a região da fronteira e abrir caminho para uma nova época de cooperação e paz. As esperanças aumentaram depois da captura de um general renegado que tinha derrotado as forças do governo e ameaçava dar início a uma marcha pelo país.

Mas as organizações de ajuda humanitária dizem que as manobras militares provocaram terríveis ataques como forma de vingança e mais de 500 mil pessoas foram expulsas de seus lares, enquanto dúzias de vilas foram queimadas e centenas de civis massacrados.

"Da perspectiva humanitária e dos direitos humanos, as operações conjuntas foram um desastre", disse Anneke van Woundenberg, pesquisadora da Human Rights Watch.

A incidência de estupros de homens abrange uma região de muitos quilômetros e as vítimas podem chegar a centenas. A Ordem Americana dos Advogados, que mantém em Goma um centro de auxílio legal e clínico para vítimas de violência sexual, disse que mais de 10% dos casos atendidos envolviam homens estuprados.

Ninguém sabe, porém, o número exato de casos. Os homens daqui, como os de qualquer outro lugar, relutam em contar suas histórias. Muitos dos que admitiram terem sido estuprados se tornaram párias em suas comunidades - figuras solitárias e ridicularizadas, que recebem o apelido humilhante de "esposas da mata".

Desde que foi estuprado, semanas atrás, o veterinário Ziwa, de 53 anos, não demonstra interesse em sua profissão. Ele manca (sua perna esquerda foi esmagada durante o ataque) de um lado para o outro no seu encardido jaleco branco, carregando pílulas do tamanho de biscoitos destinadas ao tratamento de cães e gatos. "Só de pensar no que fizeram comigo, já me sinto tomado pelo cansaço", disse.

A mesma situação é vivida por Tulapo Mukuli, que disse ter sido dominado de bruços e estuprado coletivamente sete meses atrás. Mukuli é hoje o único homem na ala de vítimas de estupro do hospital Panzi, repleta de mulheres que se recuperam de ferimentos relacionados aos estupros que sofreram. Muitas tricotam roupas e fabricam cestos para ganharem algum dinheiro enquanto seus corpos cicatrizam.

Mas Mukuli não participa. "Não sei fabricar cestos", disse. Assim, ele passa os dias sentado sozinho em um banco. Os casos de estupros de homens representam apenas uma fração dos casos de mulheres estupradas. Funcionários de agências humanitárias, porém, dizem que, para os homens, a recuperação é ainda mais difícil.

"A identidade masculina está extremamente vinculada a noções de poder e controle", disse Anneke. E numa região onde a homossexualidade ainda é tratada como tabu, os estupros carregam consigo uma dose extra de vergonha.

"Todos riem de mim", disse Mukuli. "As pessoas da minha vila dizem: ?Você não é mais um homem. Aqueles homens da mata transformaram você na esposa deles?."

Funcionários de agências humanitárias que trabalham no local dizem que a humilhação é tanta que os homens vítimas de estupro só admitem os ataques quando padecem de problemas urgentes de saúde.

Às vezes, nem mesmo isto é o bastante. Anneke disse que dois homens que tiveram seus pênis amarrados com cordas morreram dias depois porque estavam envergonhados demais para pedir ajuda. As castrações também parecem estar aumentando, com um número cada vez maior de homens mutilados chegando aos hospitais.

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