domingo, 23 de agosto de 2009

O Brasil e a reforma da ONU

Folha de São Paulo 22 de agosto de 2009

Falta de consenso atrapalha pretensão brasileira na ONU
Especialistas debatem no Rio reforma da organização e destacam desafios ao objetivo de país de entrar no Conselho de Segurança

A questão importante é se Brasil poderia ter papel diferenciado no órgão, e não só credenciais do país para o ingresso, diz professora



A falta de consenso interno sobre a importância de o Brasil se tornar membro permanente do Conselho de Segurança (CS) da ONU é um empecilho à realização dessa meta, já bastante difícil por depender de uma reforma à qual as cinco potências atuais resistem e sobre a qual há divergências entre os demais países.
Esse foi um dos pontos ressaltados por especialistas que participaram ontem de seminário sobre o tema promovido pela Fundação Alexandre de Gusmão, ligada ao Ministério das Relações Exteriores, e que atraiu mais de cem pessoas ao Palácio do Itamaraty (Rio).
"No Brasil há um defeito de autoconfiança que temos de remediar. Todas as vezes em que o Brasil faz concessão a algum país do Sul isso é interpretado como campanha para o CS. O país não precisa disso, já tem os votos da Assembleia Geral [da ONU]", disse Ronaldo Sardenberg, ex-embaixador do Brasil na ONU e hoje presidente da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações).
Sardenberg, que atuou no governo de Fernando Henrique Cardoso como secretário de Assuntos Estratégicos e ministro de Ciência e Tecnologia, disse que o "momento de crise" na ordem mundial é propício à discussão da reforma, hoje objeto de negociações entre países e de uma análise formal lentíssima na organização.
Os objetivos das mudanças, acrescentou, seriam tornar o CS "mais legítimo" e provar "a eficiência da democracia" na Assembleia Geral, onde os votos dos 192 países-membros têm o mesmo peso, mas as decisões são simbólicas.
A maioria dos 12 especialistas foi favorável à pretensão brasileira ao CS, mas houve ênfase também nos empecilhos.
"É um processo maquiavélico. A reforma precisa ser aprovada por dois terços da Assembleia Geral e ratificada pelos cinco membros permanentes do CS", disse Antonio Paulo Cachapuz de Medeiros, consultor jurídico do Itamaraty e professor da PUC de Brasília.
Antônio Carlos Peixoto, do Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos, lembrou que a configuração do CS, ao final da Segunda Guerra, não seguiu critério regional -como se pretende fazer hoje, quando mesmo sul-americanos resistem a apoiar o Brasil. "É fácil constatar que nos vizinhos não é palatável que um país de língua portuguesa tenha se tornado o mais forte nesta parte."

Oposição
A principal voz contra o eventual ingresso foi a do professor de direito da USP Fábio Konder Comparato. Ele defendeu mudança radical na atual ordem baseada nas relações de poder entre Estados e se declarou contra a ideia de membros permanentes e o "cinismo oligárquico" representado pelo CS. "[A entrada do Brasil] mudaria o sistema internacional?", questionou.
Ao comentar a intervenção de Comparato, a professora Maria Regina Soares de Lima, do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio), disse que o tema está longe de ser teórico. A ONU, lembrou, é em essência a organização jurídica responsável pelo sistema de segurança coletiva e nela o "soberano", que decide que situações são passíveis de intervenção armada, é o CS.
Por isso, o importante não são apenas as credenciais do Brasil para entrar, mas como, lá dentro, o país poderia se diferenciar das atuais potências. "Não acredito que o sistema fundado pelos EUA vai se reproduzir. A incorporação [de novos membros] vai ressignificar o uso da força."

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