domingo, 9 de agosto de 2009

De quem será a Lua?

Jornal do Brasil

09/08/2009
José Monserrat Filho

Retomada da exploração do satélite exige nova discussão sobre uso dos recursos lunares

José Monserrat Filho INSTITUTO INTERNACIONAL DE DIREITO ESPACIAL ACADEMIA INTERNACIONAL DE ASTRONÁUTICA

No momento em que a chegada de um ser humano à Lua completa 40 anos e a retomada da exploração desse satélite começa a ser preparada, uma questão permanece indefinida: a quem pertencerão os recursos naturais lunares? Hoje, dois acordos abordam a exploração dos recursos da Lua.

Um é o Tratado sobre Princípios Reguladores das Atividades Espaciais dos Estados na Exploração e Uso do Espaço Cósmico, inclusive da Lua e demais Corpos Celestes, o Tratado do Espaço, datado de 1967. O outro é o Acordo que Regula as Atividades dos Estados na Lua e em outros Corpos Celestes, de 1979 – ou Acordo da Lua.

O Tratado do Espaço reconhece “o interesse que apresenta para toda a humanidade o programa da exploração e uso do espaço cósmico para fins pacíficos” e enfatiza o desejo dos países de “contribuir para o desenvolvimento de ampla cooperação internacional” nesse programa.

Esse acordo também estabelece que o uso do espaço e dos corpos celestes deve ser feito em condições de igualdade e em conformidade com o direito internacional, e que a Lua pode ser livremente explorada (para estudos científicos ou para aproveitamento de seus recursos), mas não pode ser apropriada. Trata-se do mesmo tipo de acordo, por exemplo, que o Tratado da Antártida, que diz que todos os países têm direitos de pesquisa e uso da Antártida.

O Acordo da Lua segue o mesmo caminho, mas, apesar de sua aprovação unânime pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 5 de dezembro de 1979, as principais potências espaciais sempre o rejeitaram, a começar pelos Estados Unidos e pela antiga União Soviética (a atual Federação Russa mantém a posição). Entre os países com atividades espaciais mais intensas, apenas a França o assinou, mas não o ratificou. Ou seja, apesar de legalmente vigente, o Acordo da Lua tem escassa base de reconhecimento e apoio.

Patrimônio da humanidade Nos anos da Guerra Fria, não havia clima para a criação de um amplo regime de cooperação internacional para explorar recursos naturais tidos como promissores, mesmo fora da Terra e não de modo imediato. A partir dos anos 80, a crescente hegemonia da visão econômica neoliberal e a supervalorização do papel das empresas privadas reduziram ainda mais as chances de êxito do Acordo da Lua.

Hoje, o panorama geopolítico global é diferente. O multilateralismo reafirma-se como necessidade imprescindível e ressurge a força política das nações em desenvolvimento, mobilizadas pelos chamados países emergentes, como China, Índia, Brasil e África do Sul.

A nova disposição de ideias e forças políticas possivelmente se empenhará para que os recursos lunares sejam explorados de modo ordenado e seguro, com regulação racional e em benefício de todos os países. Resguardados esses princípios básicos, as empresas poderão ter participação ativa na pesquisa e no uso, inclusive industrial e comercial, das riquezas lunares.

Mas as resistências a esse enfoque persistem. Em 2005, por exemplo, a revista Ad Astra (v. 17, nº 3), da Nacional Space Society, publicou um artigo no qual o advogado norte-americano Wayne White Jr.

propõe que “os Estados Unidos e os países que pensam da mesma forma aprovem uma legislação nacional, ou, se possível, um acordo, criando um sistema de direitos de propriedade que não violaria a proibição de soberania territorial adotada pelo Tratado do Espaço”.

Pela proposta, títulos de propriedade seriam conferidos apenas às entidades que de fato ocupam o espaço, e os direitos de propriedade cobririam a área usada e uma área de segurança, sendo válidos enquanto durasse a ocupação. Os títulos poderiam ser vendidos, herdados e hipotecados do mesmo modo que na Terra. O autor diz que a solução seria análoga à adotada por Estados Unidos, Reino Unido, França, Alemanha e Japão, de 1981 a 1983, em suas leis sobre a mineração no subsolo dos oceanos. White Jr. afirma que chegou a hora de as nações envolvidas em atividades espaciais adotarem “uma legislação que promova o desenvolvimento comercial e o assentamento de uma forma justa para todas as nações”.

Essa hora não chegou, e o mais provável é que não chegue nunca.

Não há como resolver o problema por meio de legislações nacionais.

Se cada país tiver o direito de conceder títulos de propriedade na Lua, os mais ricos e desenvolvidos tecnologicamente tomariam para si os recursos lunares. Tal caminho significaria um retrocesso desastroso no direito internacional. O espaço e os corpos celestes são do interesse de todos os países, e só a cooperação, com base nas Nações Unidas, pode solucionar a questão de forma justa, equitativa e racional.

O Brasil prestaria inestimável serviço ao futuro sustentável das atividades espaciais se atuasse incisivamente em favor da criação de um instrumento que estabeleça um robusto estado de direito e cooperação internacional para o bem de todos os países, na volta da humanidade à Lua, agora para transformá-la em um posto avançado dos melhores ideais e propósitos de nossa espécie.

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