Folha de S. Paulo
16/08/2009
DE CARACAS
Especialista em história chilena contemporânea, o pesquisador americano Peter Kornbluh afirma que a conversa entre Médici e Nixon deixa claro que o Brasil era o principal aliado de Washington para conter movimentos de esquerda na América Latina. Kornbluh é o diretor dos projetos de documentos sobre o Brasil e o Chile do Arquivo Nacional de Segurança, ligado à Universidade George Washington (EUA). (FM)
FOLHA - O que o documento revela sobre a relação Brasil-EUA no início dos anos 70?
PETER KORNBLUH - A próxima e de certa forma confortável relação revelada deixa claro que o Brasil era o principal aliado dos EUA na guerra contra a esquerda na América Latina. O Brasil tinha suas próprias razões imperiais para, de forma oculta, enfraquecer governos como o de Salvador Allende. Mas este documento deixa claro que o regime militar também funcionava como um substituto para os interesses intervencionistas dos EUA. A forma cândida das visões de Médici sobre o seu direito de alterar o futuro de nações menores da região é impressionante.
FOLHA - Qual era a expectativa de Nixon e Kissinger sobre o Brasil de Médici?
KORNBLUH - O documento e um memorando escrito mais tarde pelo general Vernon Walters mostram que Nixon estava muito feliz sobre a maneira como ele e Médici se relacionaram. Nixon pediu a criação de um canal secreto para continuar as comunicações entre os dois na expectativa de que o Brasil ajudaria Washington a bloquear outros "Allendes e Castros", como Nixon definiu. Se recuperarmos o registro dessas comunicações, descobriremos um capítulo da obscura história de intervenção na América Latina.
FOLHA - O que se sabe sobre o papel do Brasil no golpe contra Allende?
KORNBLUH - Deste documento aprendemos da boca do mais alto funcionário brasileiro que o Brasil estava comprometido em derrubar Allende. O Brasil tinha um programa de intercâmbio militar com os chilenos, e parece que a inteligência militar de Médici usava isso para canalizar apoio aos militares chilenos. O que não sabemos é a natureza da colaboração entre os EUA e o Brasil. O papel da intervenção oculta americana no Chile tem sido documentado por documentos americanos tornados públicos e um relatório especial do Senado. Mas o papel do Brasil continua sigiloso. O Brasil deve desculpa por seu papel na implantação da ditadura no Chile.
FOLHA - O sr. irá a São Paulo para falar sobre as políticas de diversos países sobre acesso a documentos históricos. Como fica o Brasil em comparação com os EUA e os demais países?
KORNBLUH - As vítimas de violações aos direitos humanos merecem justiça, e isso não é possível sem o acesso à informação. Sobretudo sob um líder astuto como Lula, o Brasil deveria ser uma liderança no direito ao conhecimento. Mas está atrás da maioria da América Latina.
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