Época
03/08/2009
Isabel Clemente e Paulo Moreira Leite
ENTREVISTA – CLIFFORD SOBEL
O embaixador dos EUA em Brasília diz que o país se tornou um interlocutor indispensável no mundo
Depois de três anos no Brasil, o embaixador dos Estados Unidos, Clifford Sobel, prepara-se para deixar o posto e, quem sabe, estabelecer residência no Brasil. Com português incipiente, o ex-executivo de empresas fala do Brasil com um tom apaixonado. A família pode vir a morar em São Paulo devido ao envolvimento da embaixatriz Barbara Sobel com um trabalho filantrópico que levanta dinheiro para a compra de mamógrafos doados à rede pública de saúde. “Não é preciso ser brasileiro para perceber quanto o Brasil é especial”, diz Sobel. Ele vê uma evolução importante na relação entre os dois países. Na semana passada, enquanto limpava as gavetas e se mobilizava para defender os interesses da fabricante Boeing na concorrência dos caças da Força Aérea Brasileira (FAB), Sobel recebeu ÉPOCA.
QUEM É
Embaixador dos EUA no Brasil desde 2006, Sobel tem 60 anos, é casado e tem três filhos
ONDE ESTUDOU
É formado em administração de empresas pela Universidade Nova York (Tisch School)
O QUE FEZ
Foi embaixador dos EUA na Holanda, nomeado por George W. Bush. Antes da carreira diplomática, presidiu a Net2Phone, uma das maiores provedoras de serviços telefônicos pela internet dos EUA
ÉPOCA – O que mudou em sua percepção sobre o Brasil depois de três anos como embaixador aqui?
Clifford Sobel – O Brasil hoje é uma ilha de estabilidade financeira e política. Um país muito mais voltado para fora do que anos atrás. Não só porque abriu mais embaixadas, ou porque o presidente Lula viaja mais, ou por causa de suas relações mais próximas com a África. Mas por suas empresas multinacionais, por exportar sua cultura, música, arte, literatura. Isso se reflete na recepção do Brasil lá fora. O Brasil hoje tem de ser parte da solução de todas as questões que nos afetam globalmente. O Brasil tem um papel-chave a cumprir na crise financeira mundial. Como segundo maior exportador de alimentos do mundo, o Brasil tem de estar na discussão da segurança alimentar. Em energia também, por causa dos biocombustíveis, da matriz energética rica e limpa e das recentes descobertas de petróleo e gás natural. Na questão da mudança climática, o mundo não tem como enfrentar esse problema sem tratar das florestas, e o Brasil é um dos países mais bem preparados para liderar nessa área.
ÉPOCA – Somados todos esses papéis, há um lugar para o Brasil no Conselho de Segurança da ONU?
Sobel – Essa mudança é algo que terá de ser votado pela Assembleia-Geral da ONU, e não por um único país. Todos concordamos que o Conselho de Segurança precisa ser reformado e aumentado, sim. Como chegaremos lá é do que estamos tratando hoje. E o Brasil tem de participar dessa discussão.
ÉPOCA – Como resultado da crise econômica mundial, haverá o encolhimento da hegemonia americana e a ascensão de outras nações, como o Brasil?
Sobel – Vamos dar um passo atrás para analisar dois episódios de sucesso. Primeiro, a Cúpula das Américas e o encontro da Organização dos Estados Americanos (OEA), que contou com a participação de Cuba, depois de 15 anos de exclusão, mostrando a eles um caminho para construir uma rota para a democracia e o respeito aos direitos humanos e reconquistar um lugar na OEA. Essa é tipicamente uma situação de interesse de todas as democracias da América. Outro ponto importante, que vem sendo enfatizado pela secretária Hillary Clinton (secretária de Estado dos EUA) em seus discursos, é que os Estados Unidos precisam de parcerias. Nenhum país tem o monopólio da sabedoria ou da habilidade de lidar com os problemas que afetam a todos nós. O presidente Obama disse o mesmo, que todo país pode e deve contribuir.
ÉPOCA – Esses três anos foram muito ricos em episódios que mudaram a forma de governar em muitos países da América Latina. O senhor vê ameaças à democracia na região?
Sobel – Todos temos de estar eternamente vigilantes para garantir os fundamentos da democracia, que incluem educação, imprensa livre e a liberdade de expressão. Também temos de garantir que ninguém fique para trás porque essas são as sementes da instabilidade. Ficou em minha mente – porque foi um dos tópicos discutidos no primeiro encontro dos presidentes Lula e Obama – que é preciso trabalhar juntos para nenhum país ficar para trás por causa da crise financeira.
ÉPOCA – O senhor mencionou sementes de instabilidade. O senhor vê motivos para preocupação?
Sobel – Sempre precisamos fazer mais. Há muita gente que não ganha o suficiente, daí a importância das parcerias público-privadas. Os governos não conseguem atuar sozinhos, embora eles devam liderar. Sem prosperidade, você cria as sementes da instabilidade. Por isso, é importante cuidar dos países em desenvolvimento.
ÉPOCA – Nos EUA, há mapas que apresentam a Amazônia como uma zona internacional, como se não fosse parte do Brasil. Muitos americanos ainda pensam que a Amazônia não deveria pertencer ao Brasil?
Sobel – Não, pelo contrário. Assim como os EUA não querem ser tutelados sobre o que fazer a respeito do Mississippi, respeitamos o fato de o Brasil ter a mesma posição. A Amazônia é um tesouro, todos querem ajudar, mas só um país é dono da Amazônia.
ÉPOCA – A preservação da Amazônia é um tema que deve ser tratado pela comunidade internacional?
Sobel – Essa é uma questão que nos afeta a todos, e todos temos de ser parte da solução. O Brasil é um dos líderes das nações emergentes e, de longe, o dono da maior fatia da Amazônia. A Amazônia é território brasileiro, e o Brasil é uma nação soberana. No entanto, coletivamente precisamos trabalhar juntos para estabelecer metas, reduzir emissões de gases do efeito estufa, fazer negociações no mercado de carbono. Esse é um debate político nos Estados Unidos, como aqui. Tanto o Brasil como os Estados Unidos desenvolveram suas próprias visões sobre o clima e as emissões de gases, e é muito importante que façamos isso de forma orquestrada. Esse foi um dos temas tratados pela ministra Dilma Rousseff em sua última visita aos Estados Unidos.
ÉPOCA – Depois de três anos no Brasil, o senhor mudou a forma de encarar esse tema?
Sobel – Com certeza, ele é muito mais complexo do que eu poderia imaginar. Essa discussão envolve os povos da floresta, as muitas ONGs e os governos com seus variados planos e programas. O mais importante é que os grandes grupos econômicos se tornaram também uma referência com propostas que todos podemos discutir.
ÉPOCA – Como será o futuro da relação entre Brasil e EUA?
Sobel – Já tivemos no passado grandes momentos de cooperação como no tempo da Aliança para o Progresso (programa de cooperação com a América Latina lançado pelo governo John Kennedy nos EUA). Mas na época o Brasil era um país muito diferente deste que vemos hoje. Em vários sentidos, tornou-se um parceiro mais igualitário. Para ser um parceiro real, só estabelecendo relações mais paritárias. Os EUA mantêm relações especiais com muitos países, mas sempre teve um país específico muito importante como interlocutor de uma determinada região. Quando você olha para a América Central e do Sul, apenas o Brasil é capaz de ser nosso parceiro natural não só porque somos países construídos por imigrantes ou de dimensões continentais. Somos do novo mundo, amamos a cultura e a sociedade um do outro. Somos países que gostam de correr risco, de gente empreendedora. Depois de passar três anos aqui, estou tão seguro de que os dois países têm muito em comum e mais ainda a dividir no futuro. Essa é uma relação que só tende a melhorar.
ENTREVISTA – CLIFFORD SOBEL
O embaixador dos EUA em Brasília diz que o país se tornou um interlocutor indispensável no mundo
Depois de três anos no Brasil, o embaixador dos Estados Unidos, Clifford Sobel, prepara-se para deixar o posto e, quem sabe, estabelecer residência no Brasil. Com português incipiente, o ex-executivo de empresas fala do Brasil com um tom apaixonado. A família pode vir a morar em São Paulo devido ao envolvimento da embaixatriz Barbara Sobel com um trabalho filantrópico que levanta dinheiro para a compra de mamógrafos doados à rede pública de saúde. “Não é preciso ser brasileiro para perceber quanto o Brasil é especial”, diz Sobel. Ele vê uma evolução importante na relação entre os dois países. Na semana passada, enquanto limpava as gavetas e se mobilizava para defender os interesses da fabricante Boeing na concorrência dos caças da Força Aérea Brasileira (FAB), Sobel recebeu ÉPOCA.
QUEM É
Embaixador dos EUA no Brasil desde 2006, Sobel tem 60 anos, é casado e tem três filhos
ONDE ESTUDOU
É formado em administração de empresas pela Universidade Nova York (Tisch School)
O QUE FEZ
Foi embaixador dos EUA na Holanda, nomeado por George W. Bush. Antes da carreira diplomática, presidiu a Net2Phone, uma das maiores provedoras de serviços telefônicos pela internet dos EUA
ÉPOCA – O que mudou em sua percepção sobre o Brasil depois de três anos como embaixador aqui?
Clifford Sobel – O Brasil hoje é uma ilha de estabilidade financeira e política. Um país muito mais voltado para fora do que anos atrás. Não só porque abriu mais embaixadas, ou porque o presidente Lula viaja mais, ou por causa de suas relações mais próximas com a África. Mas por suas empresas multinacionais, por exportar sua cultura, música, arte, literatura. Isso se reflete na recepção do Brasil lá fora. O Brasil hoje tem de ser parte da solução de todas as questões que nos afetam globalmente. O Brasil tem um papel-chave a cumprir na crise financeira mundial. Como segundo maior exportador de alimentos do mundo, o Brasil tem de estar na discussão da segurança alimentar. Em energia também, por causa dos biocombustíveis, da matriz energética rica e limpa e das recentes descobertas de petróleo e gás natural. Na questão da mudança climática, o mundo não tem como enfrentar esse problema sem tratar das florestas, e o Brasil é um dos países mais bem preparados para liderar nessa área.
ÉPOCA – Somados todos esses papéis, há um lugar para o Brasil no Conselho de Segurança da ONU?
Sobel – Essa mudança é algo que terá de ser votado pela Assembleia-Geral da ONU, e não por um único país. Todos concordamos que o Conselho de Segurança precisa ser reformado e aumentado, sim. Como chegaremos lá é do que estamos tratando hoje. E o Brasil tem de participar dessa discussão.
ÉPOCA – Como resultado da crise econômica mundial, haverá o encolhimento da hegemonia americana e a ascensão de outras nações, como o Brasil?
Sobel – Vamos dar um passo atrás para analisar dois episódios de sucesso. Primeiro, a Cúpula das Américas e o encontro da Organização dos Estados Americanos (OEA), que contou com a participação de Cuba, depois de 15 anos de exclusão, mostrando a eles um caminho para construir uma rota para a democracia e o respeito aos direitos humanos e reconquistar um lugar na OEA. Essa é tipicamente uma situação de interesse de todas as democracias da América. Outro ponto importante, que vem sendo enfatizado pela secretária Hillary Clinton (secretária de Estado dos EUA) em seus discursos, é que os Estados Unidos precisam de parcerias. Nenhum país tem o monopólio da sabedoria ou da habilidade de lidar com os problemas que afetam a todos nós. O presidente Obama disse o mesmo, que todo país pode e deve contribuir.
ÉPOCA – Esses três anos foram muito ricos em episódios que mudaram a forma de governar em muitos países da América Latina. O senhor vê ameaças à democracia na região?
Sobel – Todos temos de estar eternamente vigilantes para garantir os fundamentos da democracia, que incluem educação, imprensa livre e a liberdade de expressão. Também temos de garantir que ninguém fique para trás porque essas são as sementes da instabilidade. Ficou em minha mente – porque foi um dos tópicos discutidos no primeiro encontro dos presidentes Lula e Obama – que é preciso trabalhar juntos para nenhum país ficar para trás por causa da crise financeira.
ÉPOCA – O senhor mencionou sementes de instabilidade. O senhor vê motivos para preocupação?
Sobel – Sempre precisamos fazer mais. Há muita gente que não ganha o suficiente, daí a importância das parcerias público-privadas. Os governos não conseguem atuar sozinhos, embora eles devam liderar. Sem prosperidade, você cria as sementes da instabilidade. Por isso, é importante cuidar dos países em desenvolvimento.
ÉPOCA – Nos EUA, há mapas que apresentam a Amazônia como uma zona internacional, como se não fosse parte do Brasil. Muitos americanos ainda pensam que a Amazônia não deveria pertencer ao Brasil?
Sobel – Não, pelo contrário. Assim como os EUA não querem ser tutelados sobre o que fazer a respeito do Mississippi, respeitamos o fato de o Brasil ter a mesma posição. A Amazônia é um tesouro, todos querem ajudar, mas só um país é dono da Amazônia.
ÉPOCA – A preservação da Amazônia é um tema que deve ser tratado pela comunidade internacional?
Sobel – Essa é uma questão que nos afeta a todos, e todos temos de ser parte da solução. O Brasil é um dos líderes das nações emergentes e, de longe, o dono da maior fatia da Amazônia. A Amazônia é território brasileiro, e o Brasil é uma nação soberana. No entanto, coletivamente precisamos trabalhar juntos para estabelecer metas, reduzir emissões de gases do efeito estufa, fazer negociações no mercado de carbono. Esse é um debate político nos Estados Unidos, como aqui. Tanto o Brasil como os Estados Unidos desenvolveram suas próprias visões sobre o clima e as emissões de gases, e é muito importante que façamos isso de forma orquestrada. Esse foi um dos temas tratados pela ministra Dilma Rousseff em sua última visita aos Estados Unidos.
ÉPOCA – Depois de três anos no Brasil, o senhor mudou a forma de encarar esse tema?
Sobel – Com certeza, ele é muito mais complexo do que eu poderia imaginar. Essa discussão envolve os povos da floresta, as muitas ONGs e os governos com seus variados planos e programas. O mais importante é que os grandes grupos econômicos se tornaram também uma referência com propostas que todos podemos discutir.
ÉPOCA – Como será o futuro da relação entre Brasil e EUA?
Sobel – Já tivemos no passado grandes momentos de cooperação como no tempo da Aliança para o Progresso (programa de cooperação com a América Latina lançado pelo governo John Kennedy nos EUA). Mas na época o Brasil era um país muito diferente deste que vemos hoje. Em vários sentidos, tornou-se um parceiro mais igualitário. Para ser um parceiro real, só estabelecendo relações mais paritárias. Os EUA mantêm relações especiais com muitos países, mas sempre teve um país específico muito importante como interlocutor de uma determinada região. Quando você olha para a América Central e do Sul, apenas o Brasil é capaz de ser nosso parceiro natural não só porque somos países construídos por imigrantes ou de dimensões continentais. Somos do novo mundo, amamos a cultura e a sociedade um do outro. Somos países que gostam de correr risco, de gente empreendedora. Depois de passar três anos aqui, estou tão seguro de que os dois países têm muito em comum e mais ainda a dividir no futuro. Essa é uma relação que só tende a melhorar.
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