quinta-feira, 29 de outubro de 2009

A queda do muro de Berlim

Valor Econômico 29 de outubro de 2009
Queda do muro mudou violência política
O mundo contemporâneo - e as ciências sociais desse tempo - assumiram como marcos simbólicos a queda do Muro de Berlim, início do fim do socialismo real representado pela fúria popular que derrubou pedra por pedra do muro que separava as duas Alemanhas, em 1989, e o 11 de setembro de 2001, quando uma brigada fundamentalista derrubou as duas torres gêmeas de Nova Iorque, no maior atentado terrorista já ocorrido no mundo ocidental. Se há um consenso entre os especialistas de que estes marcos transformaram o mundo política e geograficamente, e de que, na esteira das modificações sofridas nas articulações entre os grupos sociais, produziu-se também formas de manifestação diversas de demandas políticas, eles ainda não conseguiram um terreno comum para compreender as novas articulações e a convivência com antigos elementos da ordem pré-muro, segundo Osmar Ribeiro Thomaz, da Unicamp, que ontem coordenou a mesa redonda "20 anos sem muro de Berlim: novas faces da violência política", no segundo dia do Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs).

Os elementos da velha ordem nas novas configurações geográficas e nas estratégias políticas contemporâneas do poder imperialista foram trazidos pelo antropólogo Florian Mühlfried, do Max Planck Institute for Social Anthropology. O estudo antropológico de uma guerra de passaportes é uma tentativa de entender, a partir da particularidade do conflito da Rússia com a Geórgia em torno das repúblicas separaristas de Ossétia do Sul e Abcásia, os dilemas de construção democrática no Cáucaso pós-queda do Muro de Berlim.

As duas repúblicas declararam independência da Geórgia no final dos anos 90; em 2000, alegando questões humanitárias, a Rússia passou a distribuir passaportes e nacionalidade russa aos cidadãos de ambas as repúblicas. Em agosto de 2008, a Georgia atacou a Ossétia do Sul - e a Rússia, alegando que tinha por dever defender cidadãos seus em qualquer lugar do mundo, entrou no conflito com aquele. Naquelas alturas, a Ossétia do Sul já tinha 70% da população com nacionalidade e passaporte russos.

Essa política de anexação informal foi completada pela extensão de direitos sociais dos cidadãos soviéticos às minorias da Ossétia do Sul e da Abcássia que pouco a pouco foram sendo incorporadas, novamente, a um mundo de domínio russo, via nacionalidade e passaportes; por um quase controle de seu comércio pelas Rússia; por pesados investimentos da estatal de petróleo russa - com os empregos que isso representa. Cerca de 80% da economia do país, segundo Mühlfried, gira em torno das articulações políticas e econômicas com a Rússia.

A guerra dos passaportes foi uma política assumida pela Rússia assim que os dois países separatistas declararam independência em relação à Geórgia. Sem serem reconhecidas internacionalmente como repúblicas autônomas, ficaram impedidas de emitir passaportes, com grandes limitações não apenas à circulação de pessoas, mas também de mercadorias. As minorias étnicas dos dois países também foram vítimas de políticas de extermínio da Geórgia. A Rússia, país hegemônico da União Soviético, na construção do seu capitalismo e de sua democracia vai regionalmente assumindo-se numa nova etapa de imperialismo.

Para o sociólogo português João de Pina Cabral, embora a democracia tenha sido a marca das últimas décadas, o otimismo não é recomendável. "Isso não é nostalgia, mas avaliação lúcida", afirmou. No início dos anos 90, a queda do Muro de Berlim e a revolução na informação, que apontavam para uma nova ordem mundial mais humanizada, levaram à ganância da globalização financeira. A crise financeira do ano passado - que segundo ele ainda não terminou - não resultou numa mobilização internacional para mudar a "ganância suicida", mas em instrumentos que foram suficientes apenas para evitar um colapso. O fim do ciclo neoliberal e a eleição de Barack Obama não conseguiram conter esse processo, o que mostra uma "incapacidade dos EUA de reestruturar-se internamente" e que os conflitos apenas foram estendidos, sem solução previsível.

Se surgem atores que a médio prazo podem substituir o protagonismo dos EUA no cenário mundial, também não é essa uma razão para apostar na felicidade certa no futuro, pois estão entre os países que se colocam em ascensão a China e a Rússia. (MIN)

Democracia universal é explosiva

Globalização levou a liberdades que fogem ao controleDemocracia universalizada é explosiva, diz cientista social

Valor Economico 29 de outubro de 2009
A constitucionalização dos Estados Nacionais teve pleno êxito no Século XX e, se a globalização foi o grande arranque da universalização de valores democráticos, que trata legalmente iguais como iguais, ela também é parte da reprodução de um sistema desigual. A formação de uma sociedade global conseguiu levar a idéia de democracia e direitos aos cantos mais recônditos do mundo, mas os Estados nacionais que assimilaram conceitos de democracia também foram dialeticamente submetidos por normatizações globais - ou por ações políticas que passam ao largo das institucionalizações nacionais e internacionais, como a base americana de Guantânamo, em Cuba -, que funcionam acima das democracias. A institucionalidade do executivo global é falha e faz prevalecer liberdades que fogem ao controle, segundo o alemão Hauke Brünkhorst, da Universidade de Flensburg, da Alemanha.

Para ele, o movimento dialético entre avanços normativos nacionais e globalização produziu dois grandes efeitos negativos: o de despir os Estados nacionais de capacidade para resolver desigualdades de forma eficaz no plano econômico - apesar de ter incorporado nacionalmente leis que definem iguais - e de ter, no âmbito da universalização de liberdades, levado à explosão da liberdade religiosa. "Parece que nada é suficiente para conter o fundamentalismo religioso", disse o cientista político, em seminário, ontem, no segundo dia da Reunião Nacional da Anpocs.

Brünkhorst deu todos os créditos aos progressos normativos do Século XX, cujos resultados foram a consolidação da democracia universal e leis constitutivas de um institucionalismo global. Se as violações de direitos humanos e a exclusão social não desapareceram em regiões do mundo, de outro lado isso passou a ser tratado como um problema comum, universal, "nosso". E se o século passado foi o palco de grandes problemas humanitários - como as grandes guerras, os campos de concentração e outras guerras "que jamais deveriam acontecer"--, de outro lado também ocorreram movimentos inclusivos na direção da democracia global.

Do lado político, o século XX ganhou com a institucionalização da democracia americana, como ganhou também com a Revolução de 1917 da Rússia, que unificou o Leste Europeu numa União Soviética. O Ocidente, segundo Brünkhorst, foi obrigado a incorporar demandas sociais depois da Revolução Russa; a União Soviética, com o passar do tempo, acabou sendo obrigada a incorporar a gradativa institucionalização nas relações internacionais.

Dessa nova ordem, no entanto, segundo o cientista político, emergem grandes contradições. A aproximação das institucionalizações dos Estados nacionais e das leis internacionais, no período de emergência de atores globais, define o declínio do poder dos Estados Nacionais de resolver de forma eficaz as desigualdades. Segundo ele, houve uma transformação completa do mercado no capitalismo financeiro regional e global. Escapando da institucionalização, os direitos explodem globalmente o mercado - e a situação torna-se mais explosiva a partir da crise financeira do ano passado. O custo de concorrência também explode. "Correrá sangue", disse Brünkhorst.

Segundo ele, ocorre algo semelhante em relação a valores religiosos. Existem efeitos negativos da liberdade religiosa - a transposição da liberdade total de mercado como valor universal para a religião define uma realidade explosiva, aparentemente sem controle. "Há sangue", repetiu o cientista social.

Segundo ele, o poder executivo globalizado está transformando o mercado e a religião de forma semelhante. Esse poder executivo cresce descolado das regras democráticas nacionais, a nível internacional, e tende a ser novo foco de privilégios - Brünkhorst sugere que essa acaba sendo uma permanente fonte de confrontos entre os poderes Executivo e Judiciário. "Temos que agir localmente e globalmente em concerto", afirmou o pesquisador alemão, sugerindo que é necessária uma institucionalização dessa nova realidade, de forma a definir controles desse Executivo que ganhou muita autonomia por um Legislativo e um Judiciário.

A crise de legitimidade do estado brasileiro

Valor Economico 29 de outubro de 2009
Corrupção reflete crise de legitimidade do Estado, diz Misse

A modernidade separou a lógica e o cálculo econômico da política, e a compartimentação desse entendimento dificulta aos agentes políticos e econômicos entender a corrupção como uma mercadoria política. Defini-la como uma mera disfunção do sistema capitalista, uma anomalia que simplesmente gera prejuízos econômicos ou só um produto de um desvio moral, despe a corrupção de sua característica de mercadoria política, entendida como a soma de lógicas e cálculos políticos e econômicos - com um valor de troca definido pela lei da oferta e da procura e que incorpora também um cálculo das relações de poder, uma correlação de forças políticas. Essa é a visão do cientista político Michel Misse, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, numa mesa sobre "Democracia e Corrupção, uma Convivência Impossível", realizada ontem, primeiro dia do 33º Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), em Caxambu, e que vai até quinta-feira.

"É preciso deslocar essa visão do campo moral e econômico para uma discussão de poder e mesmo de violência", afirmou Misses. A acumulação primitiva de capital pressupunha a existência de mercadorias políticas, como a escravidão, que era não apenas uma relação econômica, na medida em que tornava a força de trabalho uma mercadoria, mas de poder em relação ao homem que era escravizado. Na modernidade, o capital requereu a participação do Estado na regulação das relações que lhe eram próprias e a corrupção - entendida como mercadoria política - foi criminalizada, mas isso não quer dizer que tenha deixado de existir. "A corrupção é uma relação de troca, ilegal e assimétrica, que pode até ser desejável pelas duas partes - o corrupto e o corruptor - mas ela é compulsória", afirma. É uma relação econômica porque o mercado de corrupção define o seu valor; mas é também um cálculo político, porque o agente público que se apropria do poder em benefício privado tem o monopólio das relações de poder que pode vender ao agente privado - definir uma licitação, por exemplo. O cálculo político e o cálculo econômico estão intimamente relacionados. Está embutido no preço, por exemplo, o risco que o corrupto corre de ser pego pelas leis de um sistema que, em última instância, abre espaço para esse tipo de comportamento transgressor. Este não é, no entanto, um risco econômico, mas político.

"Sempre existiram aqueles que ganharam dinheiro com o uso da ilegalidade, da violência e do crime", diz Misses. A corrupção é um desvio porque foi criminalizada, mas está lá porque tem sua lógica própria e funciona como um sistema paralelo ao legal. A violência é um valor intrínseco nesse mundo paralelo - a corrupção pressupõe a apropriação do que é público e uma relação assimétrica de poder. Para Misses, o seqüestro é um ato de corrupção privada: o criminoso se apropria de um bem de outro, a sua vida, e negocia, com base no poder que tem sobre aquela vida, como os familiares da vítima o preço de sua vida. O seqüestro também é uma mercadoria política.

Se existe capitalismo sem corrupção - ou socialismo, já que pelo socialismo real do século passado transitava o mesmo tipo de mercadoria política -, Misses não arrisca dizer, mas uma corrupção alarmante, segundo ele, reflete uma crise de legitimidade do Estado. "O Estado se enfraqueceu a tal ponto que um funcionário público se apropria dele para vendê-lo ao mercado". De alguma forma o Estado cede a isso, ao terceirizar suas funções. "É um reconhecimento de sua fraqueza".

O antropólogo Luís Roberto Cardoso de Oliveira, da Universidade de Brasília (UnB), entendeu a corrupção como um dado cultural de produção de desigualdades. A incorporação da desigualdade como um dado - tratar desigualmente os desiguais na medida em que eles se desigualam, segundo Rui Barbosa - leva a supor, no corpo social, que existam tolerâncias e intolerâncias a formas muito similares de apropriação privada de espaços públicos. O pesquisador deu, como exemplo, a excessiva tolerância com trocas políticas feitas, por exemplo, no caso das emendas de parlamentares - o governo não define a liberação dessas verbas pautado por critérios de razoabilidade da demanda, mas pelo interesses seus no Congresso. Foram visões éticas diferentes, por exemplo, que definiram uma certa tolerância, no caso do mensalão, com o caixa dois de campanha - o detrator, Roberto Jefferson, e o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegaram a declarar que era impossível fazer campanha nesse sistema político sem utilizar esse recurso; no extremo oposto, no caso do mensalão, que dizia respeito a uma suposta "mesada" ilegal a funcionários o discurso político foi de críticas, sem qualquer tipo de ressalva.

Boletim de Onati - Sociologia

http://www.iisj.net/extranet/descarga.aspx?coda=1157
Destaque noticia sobre o neoconstitucionalismo na América Latina

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Acesse o endereço eletrônico do Idejust - participe de suas atividades

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sábado, 24 de outubro de 2009

O futuro da América Central

Folha de São Paulo, sábado, 24 de outubro de 2009



Ortega superestima seu poder, diz ex-vice
Sérgio Ramírez, que integrou 1º governo de sandinista, diz que aposta em reeleição enfrentará obstáculos


O presidente Daniel Ortega, da Frente Sandinista (FSLN, esquerda), comemorou nesta semana a controversa decisão da Corte Suprema de Justiça da Nicarágua que abriu caminho para que ele se candidate à reeleição em 2011.
Mas o escritor nicaraguense Sergio Ramírez -que integrou a junta que governou a Nicarágua após a vitória sandinista em 1979 e foi vice-presidente no primeiro governo Ortega (1985-1990)- ataca a decisão e projeta um futuro turbulento para seu ex-aliado. "Sob esse argumento, de igualdade de todos perante a lei, pode-se desmontar toda a Carta", diz. Dissidente do sandinismo desde os anos 90, ele diz que o presidente terá dificuldades para conter os ânimos políticos e sociais. Enumera as razões: a tentativa de união inédita entre direita e dissidentes sandinistas contra Ortega, a rejeição da elite econômica à medida e a precária situação econômica.
Ontem, Ortega recebeu a primeira notícia ruim: segundo pesquisa nos principais centros urbanos, 71,3% pensam que ele não deve tentar se reeleger.
Enquanto a oposição promete bloquear iniciativas do governo no Parlamento, o governo corre para aprovar o Orçamento de 2010, que inclui medidas impopulares que visam convencer o FMI (Fundo Monetário Internacional) a liberar US$ 90 milhões para o país.
Da Universidade Harvard, nos EUA, onde está ministrando desde setembro o seminário "História pública e privada na novela latino-americana", Ramírez falou ontem à Folha. Leia os principais trechos:




FOLHA - A mobilização da oposição contra a reeleição pode vingar?
SERGIO RAMÍREZ - Quem vai decidir é a capacidade da oposição de mobilização popular. Esse é um assunto que se vai decidir nas ruas. Para isso funcionar, a oposição tem de demonstrar que está unida. Há, pela primeira vez, uma única frente de luta contra o governo, incluindo [o ex-presidente Arnoldo] Alemán, MRS [Movimento Renovador Sandinista], o setor privado, a sociedade civil.

FOLHA - Há desconfianças sobre Alemán, que já se aliou a Ortega...
RAMÍREZ - Temos de dar o benefício da dúvida a Alemán. Parece-me que discriminá-lo por seu passado, tirá-lo de uma aliança contra um golpe contra a Constituição não é correto. Ele tem de provar que está sinceramente ao lado da frente.

FOLHA - Por que Ortega resolveu defender a mudança agora, a dois anos da eleição? Qual o cálculo?
RAMÍREZ - Ortega pensa que até 2011, com a cabeça fria, a oposição vai pensar que, se ficar fora das eleições, ficará fora do jogo. Pensa que vai conseguir controlar politicamente o jogo, os ânimos. É um processo que está amarrado porque o Conselho Supremo Eleitoral, como a Corte Suprema, dependem de Ortega. Se contarem os votos como nas eleições municipais de 2008, quando houve fraude evidente, é o sistema democrático que estará em escombros. O movimento é uma escalada que pretende fazer com que as pessoas não queiram ir votar. Se só os militantes da Frente Sandinista votarem, Ortega ganhará, e o resto perderá a fé no sistema. Esse me parece que é um dos cálculos. Mas para isso ele precisava ter controle absoluto da situação econômica e social, e não acho que tenha.

FOLHA - Por que não tem?
RAMÍREZ - A situação econômica é muito ruim. As leis econômicas que o governo quer passar na Assembleia Nacional são regras ditadas pelo FMI, muito impopulares. Por conta do deficit fiscal, querem taxar as remessas enviadas pelos imigrantes, a segunda fonte de divisa. Segundo a última pesquisa, só 23% da população apoia a medida e o governo. É um apoio muito precário para tentar uma operação dessa magnitude. Tanto o Conselho Superior das Empresas Privadas como a Câmara Americana de Comércio, as mais importantes do setor, estão contra a reeleição. É algo novo. Eles têm tido tolerância com Ortega na medida em que pensavam que ele seria substituído. Quando veem que está ficando para sempre, a situação muda de figura.

FOLHA - E qual é o papel de Hugo Chávez nessa dinâmica?
RAMÍREZ - É muito importante. Chávez é quem sustenta Ortega, paga a conta petroleira diretamente a ele. Esse dinheiro não vai para os fundos públicos.

FOLHA - Para onde caminha a crise de Honduras?
RAMÍREZ - Houve mau cálculo político tanto de [Manuel] Zelaya como dos golpistas, e é por isso que situação está travada, e não vejo como pode ser resolvida. O fato de um golpe como esse ficar impune é muito perigoso para a América Latina.

FOLHA - A crise de Honduras reverbera na região, na Guatemala?
RAMÍREZ - A situação da Guatemala é muito perigosa, e a de El Salvador pode chegar a ser. Nos dois países houve guerras civis nos anos 80. Os Exércitos que combateram contra as guerrilhas estão lá. O que há é uma tolerância forçada. A tensão está lá. Na Guatemala, o Exército segue dominando a vida política. O presidente tem poderes muito limitados. Tudo isso está misturado: a mão secreta do Exército, as gangues e "maras" ligados ao narcotráfico. Tudo isso é fator desestabilizador ante um poder civil débil.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Tratado Estados Unidos e Colombia

Folha de São Paulo 23 de outubro de 2009

Trato EUA-Colômbia seguirá normas da ONU
Acordo militar cita resoluções sobre terrorismo e não intervenção para tentar responder a críticas de Brasil e região, diz revista

Uribe faz análise final de texto que dará imunidade a militares americanos no país; órgão oficial sugere que tema passe por Senado

O governo da Colômbia informou ontem que faz a análise final do acordo que dará aos EUA acesso a instalações militares no país. O texto já passou pelo órgão consultivo jurídico máximo colombiano, que recomendou que ele seja submetido ao Senado.
A declaração do governo Álvaro Uribe se seguiu à divulgação, pela revista colombiana "Cambio", de supostos trechos do acordo -que enfrenta resistência na região, da oposição enérgica dos vizinhos esquerdistas Venezuela e Equador à cobrança de explicações dos moderados Brasil e Chile.
Bogotá não contestou o teor da reportagem ontem.
De acordo com a "Cambio", o texto final se refere à Resolução 1.373 de 2001 do Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas), sobre terrorismo, e à Convenção da ONU de Combate ao Crime Organizado (2000).
A inclusão de instrumentos do direito internacional foi feita a pedido da Colômbia, diz a revista, para tentar dissipar as desconfianças regionais provocadas pelo acordo com os EUA.
O Brasil cobrou da Colômbia garantias de que as bases só serão usadas para ações no território colombiano. A exigência foi repetida nesta semana pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que recebeu Uribe em São Paulo. Lula disse querer ver o acordo por escrito.
A resolução citada sobre terrorismo, pós-11 de Setembro, fala do direito de autodefesa e da obrigação de os Estados cooperarem no combate ao problema. Determina ainda que os Estados devem evitar qualquer tipo de suporte -indireto inclusive- a terroristas.
Já a convenção anticrime organizado explicita que a legislação não permite qualquer ação que viole a soberania nem a integridade territorial dos países.
Esse ponto é importante, especialmente, por conta do ataque colombiano a uma base das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) no Equador, em março de 2008.
O ataque foi condenado pelos países da região, mas apoiado pelos EUA de George W. Bush, cuja doutrina pregava a "guerra preventiva" e o direito de caçar terroristas onde estivessem. À diferença da Colômbia e dos EUA, os países da região não consideram as Farc uma organização terrorista.
Para contribuir com o clima de desconfiança, integrantes do governo Uribe ora defendem a legitimidade do ataque ao Equador, ora sugerem que a ação não vai mais se repetir. Bogotá e Quito ainda negociam a retomada das relações diplomáticas, rompidas desde então.
O uso das bases e o tipo de presença militar previsto pelo acordo -também motivo de desconfiança, inclusive do Brasil- não está claro, a julgar pelo material da revista. EUA e Colômbia já disseram que os colombianos terão de aprovar as operações conjuntas.

Imunidade e impunidade
O acordo militar mantém um ponto que provoca duras críticas internas ao governo Uribe: a imunidade diplomática para o staff americano no país -segundo o já divulgado, os EUA poderão manter até 800 pessoas, entre militares e terceirizados, na Colômbia, mantendo o limite que vigora atualmente.
Dessa maneira, soldados que cometam supostos delitos na Colômbia continuarão ser julgados nos EUA -à diferença da revista e de documentos anteriores dos EUA, o chanceler Jaime Bermúdez disse que a imunidade não abrange contratados pelo Pentágono e que a regra segue a Convenção de Viena adotada pelo país.
Há várias denúncias contra integrantes do staff americano no país -inclusive a de que militares teriam violado uma menor de idade há três anos.
Segundo a revista "Cambio", não há investigação em curso do caso nos EUA. Bermúdez disse ontem à imprensa que os EUA "não puderam avançar" no tema por falta de provas.
Argumentou que, pelo texto do novo acordo, o país terá direito de acompanhar eventuais processos na Justiça dos EUA.
A reportagem afirma que o Conselho de Estado, o órgão de consulta jurídica administrativa da Colômbia, recomendou, preliminarmente, que o acordo seja submetido ao Senado.
Até agora, o governo Uribe repetia que, por se tratar de uma atualização, o texto não precisava do trâmite.
O artigo 173 da Carta colombiana diz que é prerrogativa do Senado aprovar o "trânsito de tropas estrangeiras" -e a passagem de navios e aviões de guerra dos EUA pelas bases se enquadraria na norma.

Repressores são condenados na Argentina

http://www.clarin.com/diario/2009/10/23/um/m-02025379.htm.Enviado pela Profa Deisy Ventura

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Inconstitucional a lei da anistia uruguaia

São Paulo, terça-feira, 20 de outubro de 2009


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Justiça do Uruguai declara lei de anistia inconstitucional
Decisão da Corte Suprema se aplica por enquanto a apenas um caso, mas pode influenciar plebiscito

DA REDAÇÃO

A Corte Suprema do Uruguai declarou ontem que a lei que deu anistia a militares acusados de violar direitos humanos durante a ditadura de 1976 a 1985 é inconstitucional.
A decisão, por enquanto, se aplica apenas a um caso, relativo ao assassinato de uma jovem por militares em 1974. Mas pode influenciar um plebiscito marcado para o próximo domingo, no qual os uruguaios dirão se querem reverter a lei da anistia nacional.
A lei de anistia foi aprovada em 1986 e reafirmada em um referendo três anos mais tarde, com 54% de aprovação. À época, muitos afirmaram temer a volta da ditadura na ausência de uma anistia.
Mas ainda hoje a situação é incerta. Pesquisas de opinião indicam que a votação do domingo pode não reverter a lei. Em levantamento do instituto Interconsult, cerca de 47% dos entrevistados afirmam que são favoráveis à reversão da chamada "Lei da Caducidade"; outros 40% não pretendem participar, e 13% não sabem ou não responderam. O plebiscito será realizado simultaneamente à eleição presidencial do país.
Contra esse desfecho, ONGs de direitos humanos estão em campanha contra a anistia. "Essa lei foi desenhada como uma carta de liberdade para todos os que torturaram, mataram e fizeram desaparecer tanta gente", afirmou Guadalupe Marengo, do grupo Anistia Internacional. Estima-se que cerca de 200 uruguaios tenham desaparecido durante a ditadura militar no país.
Além do Uruguai, em vários pontos do continente leis de anistia foram ou estão sendo contestadas. Na Argentina, a lei foi revogada. No Chile, a Corte Suprema avalizou abertura de ações. No Brasil há discussão do tema. No Paraguai, onde não houve anistia, violações de direitos humanos estão sendo investigadas, e o governo determinou abertura ao acesso público a uma tonelada de papéis secretos das Forças Armadas nacionais na semana passada.

domingo, 18 de outubro de 2009

O multilateralismo e os Estados Unidos

Conservadores reagem a multilateralismo
Filha de ex-vice Dick Cheney cria grupo de "defesa" dos EUA e analista lança um manifesto pró-hegemonia americana

Reação ganha força com o Prêmio Nobel da Paz dado a Obama e a participação aplaudida do democrata na Assembleia Geral da ONU

SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

Os EUA estão perdendo poder como potência hegemônica no mundo, e isso é ruim. As duas provas mais recentes são o Prêmio Nobel da Paz dado ao presidente Barack Obama por seu multilateralismo e o exercício dessa característica ao participar na Assembleia Geral da ONU, em setembro, sob aplauso mundial. Cabe aos conservadores americanos recolocar o país no rumo certo, abandonado desde o fim do governo George W. Bush (2001-2009).
A missão foi delineada pela filha mais velha do ex-vice-presidente Dick Cheney, Liz, e pelos renomados analistas William Kristol e Charles Krauthammer. Os dois primeiros acabam de criar um grupo de nome autoexplicativo, o Keep America Safe (mantenha os EUA seguros), cujo objetivo é "a defesa sem desculpas da luta contra o terrorismo pelo mundo, da vitória nas guerras que esse país luta, da democracia e os direitos humanos e de Forças Armadas americanas fortes, necessárias no mundo perigoso em que vivemos".
O último deu palestra no dia 5 no Manhattan Institute for Policy Research, de Nova York, intitulada "O Declínio É Uma Escolha", que viraria a reportagem de capa do semanário conservador "The Weekly Standard", editado por Kristol. Nela, Krauthammer defende que os americanos precisam perder a vergonha de querer ser hegemônicos, que a conquista do Iraque foi um "prêmio" e que a decadência que segundo ele decorrerá do multilateralismo progressista é uma escolha, não um destino, e pode ser evitada.
"Primeiro, temos de aceitar nosso papel como [uma potência] hegemônica e rejeitar aqueles que negam sua benignidade essencial", escreve o colunista da "Time" e do "Washington Post" . "Há uma razão pela qual nós somos a única hegemonia da história moderna que não gerou imediatamente a criação de uma aliança contra-hegemônica maciça -como ocorreu, por exemplo, contra a França napoleônica ou a Alemanha nazista. Há uma razão pela qual tantos países no Pacífico e no Oriente Médio e na Europa Oriental e na América Latina saúdam nossa presença como poder moderador e garantidor de liberdades."
Qual a razão? "É simples: nós somos a hegemonia mais benigna que o mundo verá."

Reação
Desde a eleição do democrata, voltou a ganhar força a tese de que o mundo caminha para uma realidade multipolar, em que os EUA abrem mão ou perdem parte do poder, para ganho de outras nações, como o bloco de potências emergentes lideradas pela China. Logo ao assumir, a secretária de Estado, Hillary Clinton, usou a expressão acadêmica "poder inteligente", cara aos defensores da tese, que prevê o uso de força militar em último caso e privilegia diplomacia e engajamento público.
Daí as assertivas polêmicas dos últimos dias terem detonado uma reação à altura. Analistas progressistas compararam tais manifestos no campo da política externa às ações extremas antiobamistas tomadas por insatisfeitos com o governo democrata no campo interno, marcadas por cartazes que chamavam o presidente de nazista e a presença de manifestantes armados em encontros públicos para discutir a reforma do setor de saúde.
Para Joe Klein, também da "Time", o "quase imperialismo" do colega representa um "neocolonialismo brutal e condescendente" e nunca teve a simpatia do povo americano. "Ele não funciona no mundo. É ele, na verdade, a causa do declínio da autoridade moral e do poder americanos nos últimos oito anos."
Já Ezra Klein, do "Washington Post", diz que a escolha proposta pelos conservadores é falsa. "Pode-se pensar fim de um mundo em que os EUA são a única superpotência de duas maneiras: é o declínio americano, como prefere meu colega Krauthammer; ou é uma melhora global, que é o que pensa meu colega Fareed Zakaria. Eu estou com o último."
Michael Barone, analista do centro de pensamento conservador American Enterprise Institute, adota uma posição mais conciliatória. "Eu sou a favor de os EUA usarem instituições internacionais e diplomacia inteligente quando isso servir aos interesses dos EUA, que incluem avançar a liberdade e a democracia no mundo", disse ele à Folha. "Mas eu acho que o governo Obama superestima o grau em que essas instituições podem avançar essas metas."
A discussão está só no início.

A questão indigena e o Equador

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Folha de São Paulo, domingo, 18 de outubro de 2009



entrevista

"Pretendemos continuar resistindo"

Marlon Santi, de 27 anos, assumiu em 2008 a presidência da Conaie. Natural da Província amazônica de Pastaza, onde cresceu combatendo a atividade de petrolíferas estrangeiras, ele falou à Folha por telefone. (CA)




FOLHA - Uma assembleia de organizações indígenas chamou o governo Correa de neoliberal e neocolonial. O sr. mantém essa posição?
MARLON SANTI - Claro. O governo manteve o modelo de desenvolvimento baseado em recursos naturais, sem respeitar os direitos dos povos indígenas. Nesse ponto é um governo neoliberal e é neocolonial por causa de programas assistencialistas para nossas comunidades, nefastos porque não desenvolvem a capacidade de gerar propostas.

FOLHA - O governo diz que a Conaie critica os programas de transferência de renda porque o dinheiro é entregue diretamente às pessoas.
SANTI - Não é isso. Os bônus [dados a comunidades que preservam a floresta e vegetação das serras] geram dependência e clientelismo. Defendemos que o desenvolvimento deve estar de acordo com planos que os povos indígenas apresentam a partir de sua cosmovisão, respeitando a mãe Terra, e não com migalhas de US$ 30 por hectare.

FOLHA - A nova Carta do Equador não torna vinculante a posição das comunidades indígenas. Como vê isso?
SANTI - A maior parte das populações indígenas está disposta a seguir resistindo, nos consultem ou não. Acho que vamos ter muitos problemas no futuro, porque o movimento indígena optou por defender a natureza, a Pachamama [mãe Terra] e o bom viver.

FOLHA - Como responde à acusação do governo de que vocês fazem o jogo da direita?
SANTI - Tenho vontade de rir porque somos um movimento social cuja aspiração é melhorar o país. Não temos nenhum vínculo com a direita nem com nenhum partido político.
Temos reivindicações claras e queremos um diálogo sincero. Nunca nos aliaremos à direita porque seria como juntar água e azeite. Queremos uma República com participação.

Constitucionalismo latino-americano

Folha de São Paulo 18 de outubro de 2009

Indígenas do Equador veem "neoliberalismo" em Correa
Poderosa Confederação de Nacionalidades questiona projetos para gerir minérios e água

Conflito, que já provocou uma morte, diz respeito à implementação da nova Carta; presidente diz que grupo "faz o jogo da direita"



Nacionalista que tirou os EUA da base militar de Manta e auditou a dívida externa do Equador, o presidente Rafael Correa tem sido chamado de "neoliberal" e "neocolonialista" pela Conaie (Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador), que desde 1997 teve papel crucial na queda de três governos no país.
Correa, que chegou ao poder em 2006 prometendo pôr fim à "longa noite neoliberal", acusa indígenas e ambientalistas "radicalizados" de fazerem o "jogo da direita" e de pretenderem desestabilizá-lo.
O presidente foi reeleito em abril sob as regras da Constituição de 2008, impulsionada por seu governo e que consagra o princípio quéchua da "sumak kawsay" (vida plena ou bom viver) -cuja implementação está no cerne das divergências com a Conaie.
Os protestos indígenas contra as leis de Mineração e Águas e dois decretos presidenciais (veja quadro) vêm crescendo desde o início do ano e resultaram em confronto no dia 30 de setembro. Um professor da etnia shuar morreu baleado quando a polícia desbloqueava uma ponte na Província de Morona Santiago, na Amazônia equatoriana.
A morte, ainda sob investigação, provocou recuos dos dois lados. Uma reunião entre Correa e 150 lideranças da Conaie, no último dia 5, levou à formação de "mesas de diálogo", que ainda serão instaladas. Mas a desconfiança mútua permanece grande.
Três temas comuns à maioria dos países da América do Sul formam o pano de fundo dos conflitos: a relação entre movimentos sociais e governos de esquerda; os limites da autonomia indígena; e o choque entre ambientalismo e o modelo econômico baseado na exportação de matérias-primas.
A convivência entre Correa e a Conaie, que tem no movimento Pachakuti seu braço político, nunca foi fácil. A confederação, que fala em nome de boa parte dos estimados 4 milhões de indígenas equatorianos, ou 30% da população, manteve "distância crítica" do presidente, embora tenha apoiado pontos do programa da coalizão Acordo País, de Correa, e a convocação da Constituinte que redigiu a nova Carta.
Correa, por sua vez, várias vezes questionou a representatividade da Conaie e do Pachakuti. O movimento elegeu em abril 5 dos 22 governadores provinciais, mas sua bancada no Legislativo nacional vem diminuindo desde 2002, quando apoiou a eleição à Presidência do coronel Lucio Gutiérrez, com quem rompeu seis meses depois.
O jornalista e analista equatoriano Kintto Lucas e o ex-presidente da Constituinte Alberto Acosta identificam na atitude de Correa a origem dos problemas com a Conaie. "O movimento indígena sempre busca conversar horizontalmente, de igual para igual. Quando sente que um presidente lhe fala de cima, se põe em guarda", diz Lucas.
Acosta -que tem posição à esquerda de Correa na economia e rompeu com ele porque queria prolongar a Constituinte para tornar os trabalhos mais democráticos- se preocupa com o choque "entre esquerda e esquerda": "O ponto de encontro entre os dois grupos é maior do que as divergências. Faltaram canais de diálogo", lamenta.

Renda social
A questão econômica é crucial. O governo argumenta que precisa manter a renda do petróleo e da mineração para ampliar benefícios sociais e caminhar em direção a um modelo mais sustentável, de contornos ainda pouco claros. A Conaie defende uma transição rápida, com o apoio de católicos ligados à Teologia da Libertação e de ambientalistas.
A ONG Amazon Watch, ativa durante os confrontos de junho no Peru, quando indígenas protestavam contra decretos do presidente conservador Alan García que facilitavam a exploração de petróleo e minérios na selva, tem divulgado as ações da Conaie.
O missionário salesiano Juan de la Cruz Rivadaneira, que trabalha há dez anos em Morona Santiago, foi testemunha dos conflitos de setembro - "nunca vi nem senti tanta violência contra o povo shuar". Prestes a se embrenhar de novo na selva, ele recomendou à Folha que procurasse o médico Kléver Calle, da Universidade de Cuenca.
Membro da Pastoral Indígena, Calle aponta contradições entre "declarações e ações" de Correa e a nova Carta. "O sumak kawsay é um conceito que rompe o paradigma de uma cultura antropocêntrica, o modelo primário-exportador e o Estado verticalmente construído", diz, acrescentando que a Lei de Mineração "legaliza concessões de milhares de hectares, feitas em governos neoliberais anteriores, em terras como a do povo shuar".
Calle defende que a posição dos indígenas sobre temas que "afetem seus direitos ancestrais e coletivos" seja vinculante. A questão é polêmica porque a posição foi derrotada na Constituinte. Embora declare o Equador um "Estado plurinacional", a Carta não reconhece a autonomia de instituições indígenas de governo separadas das nacionais.

sábado, 17 de outubro de 2009

Jurisdição universal

Folha de São Paulo, sábado, 17 de outubro de 2009




Nova lei da Espanha limita aplicação de jurisdição universal
Evocado para apurar denúncias em Gaza e no Tibete, princípio só valerá em casos que envolvam espanhóis



O Parlamento da Espanha aprovou anteontem uma emenda de lei que limita a aplicação do princípio da justiça universal -evocado pelo país para emitir, em 1998, mandado de prisão contra o ditador chileno Augusto Pinochet (1973-90) e abrir investigações sobre violações aos direitos humanos em locais como Guatemala, Tibete, Gaza e Guantánamo.
Segundo a nova norma -aprovada na Câmara por 319 votos a favor e 5 contra, após aval do Senado-, a Justiça espanhola só poderá intervir em casos fora do país se houver espanhóis entre as vítimas ou se os suspeitos dos crimes estiverem na Espanha.
A medida não é retroativa -não afeta investigações em curso. Mas é alvo de críticas de grupos de direitos humanos e alguns juristas. "É um retrocesso lamentável", disse à Folha Manuel Ollé Sesé, advogado de acusação em casos da Audiência Nacional espanhola, inclusive o de Pinochet.
Ele opina que "a decisão obedece a pressões políticas e diplomáticas", em referência a reações de países como China e Israel à intervenção da Justiça espanhola em casos em territórios sob sua jurisdição -uma investigação sobre abusos em Gaza foi recentemente arquivada na Espanha.
Anteontem, Shimon Peres, presidente israelense, agradeceu o espanhol José Luis Rodríguez Zapatero "pela posição adotada para que líderes israelenses não sejam levados ao tribunal por defender seu povo".
A justificativa do Parlamento espanhol é que a mudança fará a Justiça mais eficiente. Mas alguns congressistas admitiram o viés político da decisão -capaz de forjar uma improvável aliança entre o Partido Popular (direita, oposição) e o PSOE (esquerda, governista).
"[A lei anterior] afetava nossas relações internacionais, gerando conflitos diplomáticos", dissera ao jornal "El País" Dolors Montserrat, do PP, em junho, quando a emenda passou pela primeira vez na Câmara.

Vácuo
A partir de convenções internacionais sobre tortura e genocídio, países como a Espanha criaram leis internas para processar crimes contra os direitos humanos. A Espanha se diferenciou ao aceitar denúncias de "ação popular" -qualquer pessoa, organismo ou associação que tivesse interesse legítimo podia formular uma denúncia.
Com a mudança da lei, o país perde outro diferencial: o de não exigir que o delito tivesse relação com o Estado que o julga. Até então, diz Ollé Sesé, a limitação era só que o crime de lesa-humanidade não tivesse sido julgado em seu país.
Para Oscar Vilhena, professor de direito da FGV-SP, o vácuo na justiça universal deixado pela nova lei espanhola deveria ser ocupado pelo Tribunal Penal Internacional. "Mas o sistema internacional de direitos humanos tem poucas ferramentas de implementação, que é o que havia criado a Espanha", aponta. Um exemplo: o TPI não pode julgar crimes anteriores a 2002, ano em que foi criado, pelo Tratado de Roma.

Cine denuncia

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La era del compromiso
Constantin Costa-Gavras, referente del cine político y social, ha sido durante décadas un azote para las conciencias de Europa y América. Vuelve con Edén al Oeste, donde muestra el drama de la emigración, mientras aparece en su punto de mira la nueva "nobleza capitalista".
ROCÍO GARCÍA 17/10/2009


Cualquier parecido con hechos reales, personas vivas o muertas no es accidental, es deliberado". Esa frase figuraba al inicio de Z, el filme que abordó el asesinato del líder pacifista Grigoris Lambrakis durante la dictadura de los coroneles griegos. Han pasado 40 años y Constantin Costa-Gavras, el director de Z, que el cineasta François Truffaut ya calificó de "filme hermoso y, al mismo tiempo, útil", sigue persiguiendo sin descanso la realidad. ¿O es al revés? ¿Es la realidad la que persigue a este eterno cronista, a este hombre comprometido, de mirada valiente y clara ante las injusticias, una especie de conciencia social colectiva? "Nosotros contamos historias y las historias muestran el mundo. Muy rápidamente me di cuenta de que el explosivo más poderoso era la injusticia y la impotencia o la incapacidad para reaccionar frente a esa injusticia. Eso es lo que lleva al terrorismo, a todas las formas de terrorismo". Es temprano por la mañana y Costa-Gavras, nacido en Atenas hace 76 años y afincado en Francia desde muy joven, está en su casa de París, en pleno barrio latino, frente a la Sorbona. Las dudas en el patio que uno encuentra desde la calle sobre hacia dónde dirigir los pasos se desvanecen rápidamente cuando, antes de hacer sonar ningún timbre, se abre a lo lejos la puerta de la vivienda y aparece un sonriente y amable Costa-Gavras. Claramente, ha estado atento a los ruidos de la entrada, a pesar de que la cita se ha adelantado unos minutos.

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"Los capitalistas son la nueva nobleza. Necesitamos otra revolución, sin sangre, para cambiar esta situación"
"¿La denuncia de mi cine? A mí, la palabra denuncia me interesa, pero yo prefiero utilizar la de mostrar. A mí, más que denunciar, me gusta mostrar para que la gente mire. Luego, si uno denuncia o no es otra cosa. Es el público quien tiene que decidir, yo sólo le muestro la realidad a través de imágenes", asegura Gavras, mientras al fondo, desde unos grandes ventanales que dan a un jardín trasero, se oyen risas que proceden de alguna escuela infantil cercana. Muchos libros, bellas pinturas, dos o tres ramos de flores sencillos y un mobiliario cálido y confortable hacen de este lugar el sitio ideal para conversar con el hombre que denunció los métodos estalinistas en La confesión; relató la acción de la guerrilla tupamara de Uruguay en Estado de sitio; mostró la colaboración estadounidense en el golpe de Pinochet en Missing; habló del conflicto entre israelíes y palestinos en Hanna K, indagó en la culpa y el nazismo en La caja de música o hurgó en el silencio cómplice del Vaticano ante el Holocausto en Amen. Ahora ha puesto su mirada en los sin papeles, no sólo en la tragedia de las miles de personas que llegan a diario a las costas europeas en busca de una vida mejor, sino también en todos aquellos emigrantes instalados ya en nuestras ciudades, con trabajo pero sin derechos, y que viven con un miedo constante de que les manden de vuelta a sus países. Edén al Oeste, que mañana se proyectará en la Mostra de Valencia, donde participa en la sección oficial a concurso y que se estrena en España el próximo viernes día 23, está protagonizada por Riccardo Scamarcio, con guión del propio Gavras y de Jean-Claude Grumberg.

Es el viaje de la Odisea. A semejanza de Ulises, Elías, el personaje protagonista, cruza el Mediterráneo, luchando contra tormentas y tribulaciones y enfrentándose a mitos y monstruos de ahora. Ulises buscaba el camino de vuelta a casa. Elías va en busca de un sueño y una magia: la ciudad de París. Con apenas diálogos, Edén al Oeste narra la aventura de este hombre sin nacionalidad que recorre países y atraviesa mares, que tiene encuentros fortuitos con una turista británica, un matrimonio griego, unos camioneros alemanes o una gran dama francesa, en lo que se convierte en todo un retrato de la sociedad europea a través de ese personaje. "Quiero mostrar que antes que nada los emigrantes son hombres y mujeres. No queremos saber su nacionalidad porque son eso, hombres. Si hubiera puesto una nacionalidad a Elías, ya uno especularía y la vincularía con determinada problemática social o política concreta. Lo importante en Edén al Oeste es sólo el hombre, independientemente de dónde nace o de dónde viene", explica su realizador.

París es el sueño de Elías. También lo fue del joven Costa-Gavras. Aunque Edén al Oeste no es autobiográfica, sí que hay mucho de la experiencia personal de este realizador. "Es una aventura que conozco bien", asegura. Nació en Atenas en 1933 y su padre participó de manera activa en la resistencia contra la invasión de los alemanes en 1941. "Recuerdo a los muertos que recogíamos asesinados por los nazis, el frío y el hambre. Mi padre nos envió a un pequeño pueblo y aquello fue la libertad. No había alemanes y conocí la vida del campesino, su pragmatismo, cómo guardaban el aceite necesario para el año, también el trigo o la leña. Cómo vigilaban a las cabras y se fijaban en las veces que el macho iba a ver a la hembra para calcular luego la leche y la carne que tendrían para sobrevivir. Recuerdo también las largas misas ortodoxas de tres horas en las que había que estar de pie, con los chicos y chicas separados, y los barbudos griegos, los resistentes, a los que admirábamos muchísimo". Ante la imposibilidad del joven Gavras de proseguir sus estudios en Grecia por sus antecedentes familiares -se necesitaba un certificado de buena conducta-, abandonó su país en 1952 y se trasladó a la capital francesa.

"París era el lugar mágico donde uno podía encontrar todo, esas estatuas griegas del Louvre que yo veía en los libros, aquí estaban las cosas que a mí me interesaban, la literatura, los estudios. En aquella época, el Estado griego regalaba billetes a los jóvenes para ir a Alemania, Australia o América para enriquecerse. Yo lo que quería era estudiar. A pesar de todo fue doloroso al principio. Viví en París como extranjero, sin conocer a nadie, ni sus costumbres ni su lengua. Se produce una ruptura total con la familia, con los amigos, no teníamos muchos recursos económicos...". Gavras se detiene un segundo en su reflexión, como temiendo que el interlocutor pueda llegar a pensar o a comparar lo que está narrando con la situación que viven los sin papeles ahora en Europa. Y se explica: "En aquella época era más fácil venirse a París. Encontrabas trabajo con facilidad. Yo vine a la universidad, a la Sorbona, y en el centro de estudios había una lista enorme con puestos de trabajo, desde lavar coches, cuidar niños... Había trabajo suficiente para poder estudiar y sobrevivir al mismo tiempo".

PREGUNTA. ¿Qué le ha llevado en este momento de su carrera a fijarse en la tragedia de los sin papeles?

RESPUESTA. Lo primero de todo, yo no hablo de carrera porque un director en realidad no hace carrera. La carrera es para los políticos, los militares, los diplomáticos. Nosotros sólo hacemos películas y nunca sabemos cuándo va a llegar la siguiente. De una película a otra un realizador puede desaparecer si las cosas no van bien. Hacemos películas, no carreras.

P. ¿Cada vez es más difícil entonces hacer cine?

R. Sí, sin ninguna duda.

P. ¿Incluso para un cineasta como usted?

R. Es complicado cuando queremos tratar ciertos temas. Para las comedias, las películas de acción o los thrillers no hay problemas, uno siempre encuentra dinero. Las televisiones que están detrás de muchos de nuestros títulos aquí en Francia, y en España probablemente también, aplican la filosofía del señor Le Lay [ex responsable de la primera cadena de la televisión francesa], que decía que ellos hacen cine para preparar a sus espectadores para comprar coca-colas y no los pueden enfrentar a temas demasiado complicados. Como cada día hay más y más cadenas de televisión, la calidad está bajando.

P. Volviendo a la pregunta de antes, ¿qué le ha llevado a poner su mirada hoy en los emigrantes?

R. En París hay unas 400.000 personas sin papeles que están trabajando, que tienen familias, que llevan una vida normal. Para hacer Edén al Oeste yo me entrevisté con algunos de ellos. Una señora latinoamericana me contó que para llegar a su trabajo tenía que caminar una hora diaria de ida y otra de vuelta, que no se subía ni al metro ni al autobús porque allí hay controles policiales permanentes. "¿Y cuando llueve?", le pregunté. "Cojo un paraguas", me contestó. Y me lo dijo con una sonrisa de oreja a oreja. A los emigrantes se les presenta muchas veces como una molestia, y discursos en Francia como los de Le Pen van generando un miedo contra ellos. El hecho de recibir a alguien de fuera siempre es positivo, nunca es negativo. Con Edén al Oeste he querido mostrar que los emigrantes, los sin papeles, son gente como cualquiera de nosotros, son personas luminosas, que tienen luz propia.

P. ¿Cree entonces que ahora hay más miedo en Europa hacia la emigración?

R. Más que nunca, porque nos los presentan como si fueran una masa de gente que llega, como si fuera una invasión, nunca nos los presentan como individuos, nunca como una sola persona con sus problemas. Lo que está claro es que uno se identifica más fácilmente con una persona que con miles. Ese miedo también responde a una realidad, porque Europa tiene problemas económicos y no puede recibir a todo el mundo. Michel Rocard dijo una vez que Europa no podría recibir todas las miserias del mundo, pero que Francia debería recibir una parte de ellas. Ésa es la verdad. Ahora se suele recordar la primera parte de la frase, pero nunca la segunda, cuando la realidad está ahí, en la que cada país tiene que asumir una parte, según sus posibilidades económicas o sociales.

Habla pausado y sonríe en muchas ocasiones. Sentado en el sofá, se incorpora y se adelanta cuando quiere que sus reflexiones lleguen claro. No tiene Costa-Gavras una buena opinión sobre la política europea. Dice que la conciencia la lavan enviando dinero a dictadores africanos, un dinero que, en muchas ocasiones, va a parar a cuentas en Suiza o paraísos fiscales. "El drama europeo es que no hay una filosofía política, no hay una política única, al contrario que en la línea económica que funciona bastante bien. Tampoco la política cultural se ha desarrollado".

Todavía quedan muchos temas en la recámara de este retratista de las miserias y las injusticias, pero hay uno que le tienta especialmente. "El capitalismo, esa pasión por el dinero. Dinero, dinero, tener más coches y más grandes, una casa en el campo, piscina, eso es lo que mueve hoy al mundo. En el pasado hice una película, Consejo de familia, que creo que no me salió bien del todo porque lo que yo quería era mostrar que ahora la sociedad piensa más en la cantidad que en la calidad de la vida. ¿Y dónde está esa calidad? En las relaciones, en el amor, en el humor, en cómo recibimos al extraño. Es aquí donde Europa puede representar un papel importante y es lo que yo les reprocho a los dirigentes y políticos europeos. Europa ha vivido todo lo peor, las masacres, las guerras más terribles, junto a lo más maravilloso, el arte, la filosofía, la literatura. ¿Y qué hacemos ahora que estamos juntos en la Unión Europea? Hablar de economía, ver dónde se gana más dinero. Cuando cayó el muro de Berlín pensamos que por fin el mundo iba a ser diferente, pero no, es peor. ¿Qué le estamos diciendo a la juventud sobre la necesidad de crear un mundo mejor? Que todo, el medio ambiente, el paro, la economía, que todo es peor, que no hay esperanza. No proponemos una vida mejor, sólo que cada vez vamos hacia un mundo más oscuro".

Se interesa por la política española, por Zapatero, también está al tanto de la pensión millonaria y vitalicia de la que va a disfrutar el ex directivo del BBVA José Ignacio Gorigolzarri. "Es inaceptable cuando hay gente que tiene que vivir con 400 euros. Tengo la sensación de que estamos echando marcha atrás, de que volvemos a los años previos a la Revolución Francesa, en los que una minoría, la nobleza, lo tenía todo. Hoy parece que estamos reviviendo aquello, hay una mayoría de gente que es la que hace todo el trabajo, que es la que permite que la sociedad siga funcionando, frente a los capitalistas que son la nueva nobleza. Necesitamos otra revolución, sin sangre, para cambiar esta situación".

Se entusiasma con Obama -"su elección es algo formidable, no sólo para Estados Unidos, sino para el resto del mundo"-, aunque no oculta sus temores. "Es el político más moderno, el que se ha preocupado por todos los temas, ha tocado las cosas que verdaderamente interesan a la gente, con un enfoque positivo y sin demagogias. Pero igual que Obama ha conseguido ganarse a los estadounidenses, no lo ha hecho en Washington, que es donde está el verdadero poder. Me temo que acabe siendo aplastado por Washington". Y también aborda el espinoso y delicado tema Polanski: "Lo que sucedió en su día es algo inaceptable que hay que condenar, pero ya han pasado 30 años y los delitos prescriben. Hoy esa mujer, la víctima, ha retirado la denuncia y ha habido acuerdo. Polanski tiene casa en Suiza y va muy a menudo. ¿Por qué ahora las autoridades suizas detienen a Polanski? ¿No será que quieren mejorar su imagen internacional, después de que se haya demostrado que guardan dinero robado, riquezas de todos los dictadores del mundo?".

No le importa que le recuerden como el director de Z -"una vez comiendo con Orson Welles me habló de ello y yo le dije que sí, pero que a él le pasaba igual con Ciudadano Kane, terminamos riendo"- y habla con devoción del cine europeo. Tiene en un rincón las películas que le han enviado de la Academia de Cine Europeo para la votación de los premios del próximo mes de diciembre y asegura haberse topado con auténticos tesoros. "El cine en Estados Unidos está perdiendo terreno en cuanto a la calidad y contenido, se ha convertido un poco como el fútbol, un mero espectáculo. En cambio, en Europa hay un deseo y una voluntad de hacer cosas grandes".

Aún se oyen los gritos lejanos de los niños en la escuela. Costa-Gavras sale de nuevo hasta la puerta para la despedida. En el patio de la casa descansa un triciclo. La vida está ahi.
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quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Vinte anos sem o Muro

Jornal do Brasil

Mauro Santayana

A situação se agrava no Paquistão, com a ampliação, a seu território, dos combates entre os talibãs e os americanos. Aquela região é a mais densamente povoada do planeta. Mais de 40% da população mundial vivem apenas na China, Índia, Paquistão, Bangladesh e Afeganistão, sem contar com os vizinhos da Indochina, do Japão, das duas Coreias e da Indonésia.

Nas últimas semanas, os atentados no Paquistão têm sido diários, e há a perspectiva de um levantamento geral no país. Se isso vier a ocorrer, será difícil impedir o envolvimento dos dois países maiores da região, ou seja, Índia e China, na defesa de suas fronteiras.

Os Estados Unidos continuam presos na armadilha que eles mesmos montaram, ao invadir o Afeganistão. Eles esquecem os ensinamentos clássicos das grandes estrategistas militares da História, e não planejam retirada para o momento certo, aquele no qual a guerra pode ser considerada perdida, mas ainda há a possibilidade de uma saída negociada e, no que for possível, honrosa. Os que combatem no território inimigo, por mais numerosas sejam suas forças, devem contar com a inferioridade tática. Por isso os grandes generais preferem atrair as forças adversárias para fora de suas fronteiras, desgastá-las ao máximo e, em seguida, invadir-lhes o território nacional.

As duas guerras mundiais do século passado mostram que a superioridade germânica foi aniquilada dessa forma. Os alemães invadiram facilmente a Bélgica e a Suíça, mas, ainda que infligissem pesadas baixas am adversários, se dessangraram em Somme e em Verdun, antes que os norte-americanos desembarcassem na Europa e ajudassem a derrotá-los. Na Segunda Guerra ocorreu o mesmo. Invadindo a União Soviética, em junho de 1941, depois de uma campanha fácil contra a França e a Bélgica, os nazistas se exauriram durante o avanço e encontraram em Stalingrado seu intransponível limite e tiveram que recuar até a derrota. No Vietnã, segundo os analistas, cada combatente vietcongue valia por cinco soldados norte-americanos, não obstante a superioridade das armas.

Na guerra pelo controle das fontes de energia do Oriente Médio e do Cáspio, os norte-americanos entraram em um conflito que começa a durar mais do que todas as guerras dos últimos cem anos - com exceção do conflito entre Israel e a Palestina. A Primeira Guerra Mundial durou de agosto de 1914 a outubro de 1918, e a Segunda, de setembro de 1939 a maio de 1945. A guerra contra o Iraque se iniciou há 20 anos, coincidindo com o colapso do mundo socialista, com os bombardeios determinados pelo primeiro Bush. A do Afeganistão já dura mais de sete anos.

Passados 20 anos da queda do Muro de Berlim, alguns analistas discutem seus resultados, e concluem que a situação da sociedade mundial não se alterou substancialmente. Dois livros sobre o tema acabam de ser publicados na França. Um deles, 1989-2009: Les tribulations de la liberte, é de Daniel Vernet, diretor de Le Monde, e especialista em direito internacional. O outro é 1989, l" année ou le monde a basculé, de Pierre Grosser, professor de ciências políticas. Embora com raciocínio independente, eles concluem que a queda do Muro de Berlim nada trouxe de novo ao mundo. A história não chegou ao fim, a globalização levou o mundo à crise econômica, os Estados Unidos não se consolidaram como única potência - ao contrário. Apesar de tudo, alguns países conseguiram emergir do subdesenvolvimento, e novos atores surgem na disputa por parcelas do poder mundial, como a China, a Índia, o Brasil. A erosão do sistema soviético, apesar dos esforços ocidentais para apressá-la, ocorreu mais pelas dificuldades internas do que no confronto com o Ocidente. Não souberam os herdeiros do leninismo conciliar os postulados da igualdade com a sociedade industrial de consumo. A Rússia, desfeita a grande confederação, retorna à sua posição de potência curásica, entre a China e a Europa Ocidental. Provavelmente seu projeto estratégico, neste século, seja o da reconstrução do império, que herdara e perdeu. Os Estados Unidos tentam recuperar seu prestígio, mas não sabem como sair do imbróglio do Iraque e do Afeganistão. Obama, pressionado pelo Pentágono, insiste em continuar no Afeganistão, mas o povo norte-americano, como no caso do Vietnã, está cansado do conflito: quase 60 por cento dos ouvidos em pesquisa recente, querem os seus soldados fora daquele país.

China condena mais 6 à morte por distúrbios em Xinjiang

Folha de S. Paulo

16/10/2009

Raul Juste Lores, de Pequim
Uigures sentenciados à pena capital chegam a 12

Mais seis pessoas foram condenadas ontem à morte na China pelos violentos confrontos étnicos na Província de Xinjiang (extremo oeste) em julho deste ano.
Na segunda-feira, outras seis pessoas, todas da minoria étnica muçulmana uigur, já haviam recebido a mesma pena. Quase 200 pessoas morreram nos distúrbios, iniciados durante um protesto contra o descaso oficial na apuração do linchamento de uigures após incidente numa fábrica no sul da China.
Centenas de uigures passaram a atacar os chineses da maioria étnica han que viam pelas ruas. No dia seguinte, hans começaram a atacar e a matar uigures. A tensão existe há décadas -uigures dizem que sua cultura e a religião muçulmana são discriminadas e que os chineses han têm privilégios ao conseguir os melhores empregos locais, habitualmente dependentes do governo.
As ruas de Urumqi continuam até hoje vigiadas por 15 mil militares e paramilitares, e a internet na Província segue sem funcionar por decisão de Pequim.
Para dois especialistas em Justiça chinesa ouvidos pela Folha, a divulgação das condenações visa "dar uma explicação" à maioria da população chinesa, que é da etnia han, e mostrar que os uigures estão sendo punidos (três quartos das vítimas dos distúrbios, segundo cifras oficiais, são hans); e mostrar aos uigures que o responsável pelo linchamento no sul, apesar de han, também foi punido, saciando o desejo de justiça dos dois lados.
Normalmente, a China não divulga estatísticas sobre penas de morte, tratadas como segredo de Estado, nem faz muito alarde sobre a execução. Até 1997, a família do condenado deveria pagar a bala da execução, com a chamada "taxa da bala"; desde 2004, a maioria das execuções acontece com uma injeção letal.
A partir dos anos 80, quando cortes provinciais foram autorizadas a condenar com pena de morte, o número de execuções disparou.
Mas desde 2007 todas as penas de morte precisam ser revistas e confirmadas pela Corte Suprema do Povo, o Supremo Tribunal chinês. O então presidente da Corte, Xiao Yang, disse que a execução só seria aplicada "a criminosos muito vis".

5.000 execuções
Segundo uma rara menção na imprensa estatal chinesa, no ano passado a Suprema Corte rejeitou 15% das penas de morte no país. Estudo da organização pró-direitos Fundação Dui Hua, estima em mais de 5.000 execuções por ano na China (mais que em todo o resto do mundo junto).
Mas como a Justiça é controlada por secretários-gerais do Partido Comunista, é comum que execuções sejam determinadas a condenados por crimes não violentos, por corrupção, crimes financeiros, tráfico de drogas e "espionagem de segredos de Estado", algo que pode afetar desde jornalistas a empresários.
Organizações de direitos humanos acusam o sistema de ser empregado mais facilmente contra cidadãos comuns do que contra os bem conectados no partido, que conseguem ter a execução substituída por penas mais leves.
As execuções acontecem poucas semanas depois do veredicto. Dezenas de denúncias -a última delas feita por um médico de um hospital público- alertam que existe um tráfico com os órgãos retirados dos condenados após a execução. Estima-se que 90% dos transplantes no país sejam feitos com esses órgãos retirados sem autorização de parentes.

De novo no topo da ONU

O Globo

16/10/2009

Brasil integrará Conselho de Segurança pela 10ª vez, feito só igualado pelo Japão

Marília Martins

O Brasil voltou ontem a ter um assento no Conselho de Segurança da ONU, numa votação que renovou cinco cadeiras rotativas da entidade. Junto com o Brasil, foram também eleitos Bósnia, Gabão, Líbano e Nigéria. Todos ocuparão seus postos a partir de 1º de janeiro, para o biênio 2010-2011.

Será a décima vez que o Brasil ocupará uma cadeira no conselho, frequência igualada só pelo Japão. O último biênio brasileiro foi 2004-2005. O Brasil foi apresentado como candidato único pela região da América Latina e o Caribe, e ainda contou com o apoio da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Dos votos dados para a vaga latino-americana, o Brasil recebeu 182, com um voto discordante, dado à Venezuela.

O retorno ao conselho acontece num momento em que a diplomacia brasileira se vê às voltas com a mediação de conflitos em países como Haiti e Honduras, que estarão na pauta como prioridade. Segundo a embaixadora brasileira na ONU, Maria Luíza Viotti, a participação brasileira dará ênfase a uma articulação entre segurança e democracia:

- Esta volta ao Conselho de Segurança mostra a importância crescente da diplomacia brasileira no cenário internacional. A renovação do mandato da missão de paz no Haiti e a situação da embaixada brasileira em Honduras serviram para reforçar as pretensões do Brasil de reformar o conselho e ganhar um assento permanente, o que continua a ser prioridade para nós.

Para o biênio 2010-2011, ela lembra que haverá desafios importantes a serem enfrentados, como a realização de eleições pacíficas no Haiti e o reforço da OEA como entidade de mediação de crises institucionais como a de Honduras. O Brasil lidera a missão de paz da ONU com 7 mil soldados no Haiti, sendo 1.300 deles brasileiros.

- Tivemos uma avaliação muito positiva do trabalho que está sendo feito pela missão de paz no Haiti, sob a liderança de militares brasileiros. E agora teremos, em 2010, eleições para a sucessão do presidente René Préval. Além disto, no caso de Honduras, a atuação da diplomacia brasileira foi fundamental para garantir a busca de uma solução negociada - comentou ela.

A nova configuração do conselho, com a presença de representantes do Líbano e da Bósnia, deve fazer também com que haja mais debate sobre questões relativas aos dois paises. O Líbano tem cerca de 12 mil soldados em missão de paz da ONU estacionados em seu território, enquanto a Bósnia, arrasada pela guerra de independência nos anos 90, continua contando com a presença de uma força de paz da União Europeia.

Estrangeiros brincam com vitórias recentes do país

O embaixador britânico, John Sawers, comentou que a presença de governos de países que têm tropas estrangeiras em seu território deve levar o conselho a ter uma pauta mais atenta ao trabalho das forças de intervenção da ONU e ao respeito aos direitos humanos.


- Estamos contando que a experiência de atuar no Conselho de Segurança da ONU possa ajudar a reforçar os governos nacionais desses dois países, de modo a permitir que haja um debate mais preciso sobre o papel das forças de intervenção da ONU na garantia da pacificação de conflitos regionais - avaliou Sawers. - Os casos da Bósnia e do Líbano são exemplares para chamar a atenção sobre temas como o respeito aos direitos humanos e os conflitos no Oriente Médio.

Perguntada por jornalistas estrangeiros sobre o que mais o Brasil queria, agora que já ganhou a disputa por sediar a Copa, as Olimpíadas e voltou ao conselho, a embaixadora brincou:

- Queremos sempre mais porque nós trabalhamos para merecer tudo o que ganhamos. A afirmação do G20 e a volta ao Conselho de Segurança são demonstrações não só da importância do Brasil no cenário internacional, mas também, e sobretudo, da necessidade de promover um enfoque que articule segurança, democracia e desenvolvimento sustentável na busca de soluções mediadas para conflitos internacionais.

ONU deve aprovar hoje relatório sobre Gaza

Folha de S. Paulo

16/10/2009

Luciana Coelho, de Genebra
Palestinos conseguem apoio no Conselho dos Direitos Humanos a texto que cobra investigações de supostos crimes de guerra de Israel

Brasil, que endossa relatório, mas discorda de porta que ele abre à ação do Conselho de Segurança, não decidiu que posição adotará hoje

O Conselho de Direitos Humanos da ONU deve aprovar hoje uma resolução proposta pelos palestinos que condena as políticas de Israel em Jerusalém Oriental e endossa um relatório sobre violações israelenses em Gaza. A vitória aparente, porém, deve ter pouco efeito prático e pode até mesmo enfraquecer a instância do conselho, avaliam diplomatas.
Até ontem, o texto tinha o aval de mais de 24 países necessário à aprovação por maioria simples. Somavam-se os apoios do grupo africano, do grupo árabe, do Movimento dos Não Alinhados, da Conferência Islâmica e, segundo fontes, de parte do grupo de países latino-americanos e do Caribe (Grulac, que inclui o Brasil).
Mas uma vitória apertada não poderia ser comemorada, sobretudo após a resolução sofrer críticas não só dos EUA, aliados automáticos de Israel, mas também do Brasil.
Segundo a embaixadora Maria Nazareth Azevedo, até o fim dos debates de ontem o Brasil não havia decidido como votar -se contra, a favor ou se, pela primeira vez em uma resolução abordando o conflito israelo-palestino, o país se absteria.
A sessão extraordinária foi convocada pelos palestinos depois que eles retiraram, sem explicar, uma resolução sobre o tema há duas semanas. A medida provocou pressão doméstica contra o presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas, e ele recuou.
Mas o Brasil, com o consenso de países como a Argentina e a Índia, avalia que a aprovação do texto como está pouco contribui para o diálogo. "[Queremos] que o conselho ajude no processo de paz e não que seja um elemento de desestabilização", disse a embaixadora a jornalistas ontem. Israel já ameaçou deixar as conversas.

Goldstone
O texto, que pode hoje ganhar emendas ou perder parágrafos, toma como base o relatório da missão do conselho que examinou o conflito de dezembro e janeiro na faixa de Gaza, no qual morreram 13 israelenses e 1.400 palestinos.
A conclusão da equipe liderada pelo juiz sul-africano Richard Goldstone, apresentada no mês passado, foi que tanto soldados israelenses quanto palestinos cometeram crimes de guerra. Mas as acusações mais graves são contra Israel.
O Brasil, bem como quase todos os 47 membros do conselho, endossa o documento. Mas critica a recomendação por uma ação do Conselho de Segurança da ONU e eventualmente do Tribunal Penal Internacional, caso investigações satisfatórias não sejam conduzidas.
"Há muito a ser discutido pelas partes e pelo Conselho de Direitos Humanos em si", disse a embaixadora na sessão.
Avalia-se ainda que avançar no Conselho de Segurança seria um tiro n'água, já que os EUA vetariam uma resolução nesse fórum.
Outra preocupação é que a aprovação sem maioria larga solape a força do conselho. Recém-retornados ao órgão, os EUA citam as condenações sucessivas a Israel sem consenso amplo para questioná-lo.

Lugo dá acesso a arquivos das Forças Armadas paraguaias

Folha de S. Paulo

15/10/2009

Flávia Marreiro, da reportagem local
Papéis podem ajudar apuração da Operação Condor, afirma ativista, que cobra transparência do Brasil

Martín Almada descobriu em 1992, nos arredores de Assunção, papéis sobre as ações da polícia política da ditadura Alfredo Stroessner (1954-89) no Paraguai. O achado dos chamados "Arquivos do Terror" ajudou a desvendar a Operação Condor -sistema coordenado de repressão que envolveu regimes militares sul-americanos, incluindo o brasileiro- e municiou a abertura de várias ações judiciais sobre crimes cometidos nos anos 70 e 80 na região.
Ontem, ao lado de militares, o ex-preso político de 72 anos participou de outro momento histórico. Desceu aos sótãos do Ministério da Defesa paraguaio para declarar aberta ao acesso público uma tonelada de papéis secretos das Forças Armadas -que abrangem das guerras do século 19 aos dias atuais.
A abertura foi determinada pelo presidente Fernando Lugo e responde a pedido que consta do relatório final da Comissão da Verdade e Justiça (CVJ) sobre o governo Stroessner, de 2008. O regime matou ao menos 59 pessoas, e outras 336 desapareceram.
"É um feito histórico para toda a América Latina", comemorou Almada, em conversa por telefone. "Pode permitir a criação de novas ações judiciais. Pode municiar as investigações que estão em curso aqui, na Espanha, na Argentina, no Chile."
No Paraguai, não houve lei de anistia, e violações de direitos humanos estão sendo investigadas. Na Argentina, a lei foi revogada, e no Chile, a Corte Suprema avalizou abertura de ações. No Uruguai e no Brasil há discussão do tema.
Almada diz ter encontrado entre os papéis um livro com a ata da primeira formação do Exército do país após a Guerra do Paraguai (1864-1870). Também há uma lista dos bolivianos feitos prisioneiros na Guerra do Chaco (1932-1935), quando o país enfrentou a Bolívia.
O advogado pregou que o Brasil -que proíbe acesso a vários conjuntos de documentos da ditadura e também sobre a guerra- siga o exemplo do Paraguai. "Que o Brasil libere os documentos sobre a guerra. Temos direito à nossa memória."
O governo brasileiro enviou neste ano ao Congresso projeto de lei sobre acesso a informação pública. O texto permite "sigilo eterno" de papéis que representem "grave risco às relações internacionais". É o caso, por exemplo, dos documentos sobre a demarcação de fronteiras ao final da guerra.
A ONU irá ajudar á o país na manutenção dos arquivos.

Alarme falso soa em Tegucigalpa

Jornal do Brasil

15/10/2009

TEGUCIGALPA - Durou pouco a sensação de que tudo estava praticamente resolvido em relação à crise política que abala Honduras desde junho. Pouco depois de mais uma reunião ocorrida quarta-feira entre negociadores do presidente deposto, Manuel Zelaya, e do golpista, Roberto Micheletti, os zelayistas chegaram a dizer que havia um acordo e que um texto final já estava redigido e precisava apenas ser aprovado pelos dois presidentes. Não demorou muito para Roberto Micheletti jogar mais um balde de água fria nas esperanças de quem torce para o fim da maior crise política latino-americana dos últimos tempos, que já causa transtornos à economia hondurenha, além de denúncias de desrespeito aos direitos humanos no país. O presidente golpista afirmou que as negociações para pôr fim à crise prosseguem quinta-feira.

Uma nota assinada por Micheletti e divulgada depois da reunião diz que o diálogo sobre uma possível volta de Zelaya ao poder “foi cordial e ambas as partes alcançaram importantes avanços. No entanto, até o momento não há nenhum acordo final”.

O impasse, ainda segundo Micheletti, seria a respeito de quem deveria decidir se Zelaya poderá ou não reassumir a Presidência: o Congresso ou a Suprema Corte.

– Estão pedindo para o Congresso decidir sobre se ele (Zelaya) poderá voltar ou não, mas isto é um assunto legal, que, definitivamente, cabe à Suprema Corte de Justiça – declarou o presidente golpista.

Mais cedo, Victor Meza, um dos negociadores que representa Zelaya nas conversações, disse que havia um consenso, mas evitava falar em fim da crise:

– Não falaria em um fim da crise política, mas em uma saída – disse Meza.

OEA

Pouco depois do anúncio que aparentemente indicava uma solução para o conflito, o secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), José Miguel Insulza, expressou “satisfação” pelo avanço nas negociações, e disse ter esperança de que a crise será resolvida.

O chefe do Exército golpista hondurenho, Romeo Vasquez, também demonstrava otimismo:

– Sei que avançamos de forma significativa, estamos quase ao fim da crise – disse Vascuez à rádio local HRN.

Quinta-feira termina o prazo dado por Manuel Zelaya para sua volta ao poder. Há alguns dias, o presidente deposto ameaçou iniciar uma grande campanha de boicote às eleições hondurenhas marcadas para 29 de novembro caso não reassumisse a Presidência a partir de 15 de outubro. Zelaya foi deposto por militares e expulso de Honduras em 28 de junho, mas em 21 de setembro voltou clandestinamente ao país e está, desde então, abrigado na embaixada brasileira na capital Tegucigalpa, cujo prédio permanece cercado por forças de segurança.

Hillary defende liberdade no fim de visita a Moscou

Folha de S. Paulo

15/10/2009

da redação
EUA-RÚSSIA

No segundo e último dia de visita à Rússia, a secretária de Estado americana, Hillary Clinton, exortou ontem o país a promover os direitos humanos, abrir o sistema político e tolerar diversidade e dissensão.
"As pessoas devem ser livres para assumir posições impopulares e saber que estão seguras para desafiar pacificamente as autoridades", disse a chanceler dos EUA a uma plateia de 2.000 estudantes em universidade de Moscou.
As críticas de Hillary ante o público não oficial foram recebidas como uma tentativa de, a um só tempo, aplacar pressões para que a Casa Branca não baixe a guarda no tema e não melindrar Moscou, crucial às negociações com o Irã.
Na véspera, em reuniões oficiais, a americana não abordara o que no Ocidente é considerado um progressivo cerceamento das liberdades civis na Rússia.
Hillary voltou também a criticar o clima de Guerra Fria que disse persistir na visão de quadros de EUA e Rússia, tema abordado pelo presidente Barack Obama em Moscou em julho.
Antes de retornar para os EUA, Hillary visitou ainda a república (Província) de Tatarstan, de maioria muçulmana, e elogiou o exemplo de "ponte" entre o islã e o cristianismo.
Com agências internacionais

A posição do Brasil no massacre de Gaza

Folha de São Paulo 15 de outubro de 2009

Brasil propõe paliativo a relatório sobre Gaza
País defende investigações sobre crimes de guerra, mas não quer que texto seja enviado a Conselho de Segurança nem a corte internacional

Argumentos são defesa do processo de paz na região e risco de bloqueio dos EUA a aprovação do texto, crítico a Israel e ao Hamas, no CS



O Brasil defenderá hoje em sessão especial do Conselho de Direitos Humanos da ONU em Genebra uma adoção intermediária das recomendações do relatório com investigações lideradas pelo juiz Richard Goldstone sobre o conflito na faixa de Gaza no início do ano. O documento afirma que Israel e grupos armados palestinos cometeram crimes de guerra e, possivelmente, crimes contra a humanidade.
O Brasil endossa o relatório e defende que sejam feitas investigações sobre a conduta das duas partes no conflito. Na avaliação do país, no entanto, o informe não deve ser enviado para o Conselho de Segurança da ONU (CS) e nem para o Tribunal Penal Internacional (TPI), como propõe o documento.
"O relatório é um documento sério. O governo brasileiro avalia que uma escalada dessa proporção, enviar o relatório para o Conselho de Segurança e para o TPI, pode desestabilizar as conversas de paz em curso na região", afirma a embaixadora do Brasil nas Nações Unidas em Genebra, Maria Nazareth Farani Azevedo.
A posição do Brasil visa fortalecer o Conselho de Direitos Humanos. No CS há um risco maior de que o documento seja derrubado pelos EUA, aliados históricos de Israel.
O relatório deveria ter sido examinado durante as sessões regulares do Conselho de Direitos Humanos. Mas, no início do mês, a Autoridade Nacional Palestina (ANP), dirigida pelo Fatah, facção rival do Hamas, retirou o apoio ao relatório, cedendo à pressão dos EUA. O premiê de Israel, Binyamin Netanyahu, ameaçou deixar as conversas de paz se o relatório seguisse adiante.
O custo político dessa decisão para o presidente da ANP, Mahmoud Abbas, foi elevado -tanto que um de seus auxiliares afirmou que a decisão foi um erro. Abbas passou a ser criticado na faixa de Gaza, controlada pelo Hamas, e na Cisjordânia, controlada pela ANP. E tenta agora reverter a situação.
A reunião de hoje, e que deve continuar amanhã, é resultado de uma iniciativa dos palestinos, que obtiveram as 16 assinaturas necessárias para a realização do encontro especial.
Embora a resolução possa passar no Conselho de Direitos Humanos com 50% dos votos, os palestinos almejam maioria.

Em Nova York
Paralelamente, os palestinos iniciaram ontem o esforço para que o relatório seja aprovado de forma integral em uma reunião sobre Oriente Médio realizada no âmbito do CS em Nova York. A reunião estava marcada para o dia 20, mas foi antecipada para discutir o relatório.
Em discurso, a embaixadora Maria Luiza Viotti, chefe da representação brasileira em Nova York, afirmou que "a prioridade imediata deve ser sustentar a esperança do povo na região de que a paz é possível e que as negociações podem alcançar resultados".
O ministro das Relações Exteriores da Autoridade Nacional Palestina, Riyad al Maliki, definiu o relatório como "um chamado de despertar que não pode ser esquecido". Disse ter esperanças de obter a aprovação do Conselho de Direitos Humanos na reunião de hoje.
Para a embaixadora de Israel na ONU, Gabriela Shalev, o relatório "nega o direito de Israel de defender seu povo" e "favorece e legitima o terrorismo".
O vice-embaixador dos EUA na ONU, Alejandro Wolff, afirmou que os EUA veem com preocupação o foco desproporcional em Israel, que "tem condições de conduzir investigações, mas o Hamas não tem habilidade nem vontade de rever seu comportamento".
Wolff disse ainda que "as alegações de violação de direitos humanos não são matéria para ação do CS".

domingo, 11 de outubro de 2009

Bolivia e o constitucionalismo latino-americano

Folha de São Paulo, domingo, 11 de outubro de 2009



Morales é favorito em disputa que focará Congresso
Boliviano tentará ficar mais 5 anos no poder; com oposição enfraquecida, governo busca controle do Parlamento para implementar Carta


Pouco mais de um ano após enfrentar a oposição regional em uma feroz queda de braço na Bolívia, Evo Morales entrou na campanha para obter sua reeleição em 6 de dezembro como franco favorito, a ponto de transformar a maioria qualificada no Congresso no principal prêmio em disputa.
As eleições para presidente e parlamentares estão previstas na nova Constituição, aprovada no ano passado. É por causa da Carta que o controle do Parlamento se torna central.
O MAS (Movimento ao Socialismo) de Morales quer tirar da oposição o poder de bloqueio -que detinha por controlar o Senado- e, assim, comandar as votações de legislações secundárias que darão contorno à nova Constituição.
Resultado da negociação para passar o texto no Congresso, após a turbulenta Constituinte, vários pontos ficaram em aberto -entre eles, os complexos temas indígenas, aponta o antropólogo Salvador Shavelzon, que escreve sua tese de doutorado sobre política boliviana no Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Segundo o levantamento mais recente, o presidente boliviano tem 30 pontos de vantagem na disputa que pode lhe dar mais cinco anos no poder -a Carta instituiu a reeleição, e Morales poderia concorrer de novo em 2014, mas ele jurou à oposição não fazê-lo.
Um dos motivos do conforto é que as poderosas lideranças regionais -as do rico departamento de Santa Cruz à frente-, que há um ano conclamavam à rebelião contra La Paz, não se uniram em torno de um candidato capaz de oferecer um discurso nacional. "As oposições estão mais preocupadas em recuperar espaços regionais de poder", diz Shavelzon.
A meta dos opositores é barrar a ofensiva governista em suas regiões -o governo já disse que centrará fogo onde tem menor adesão- e juntar forças para a eleição para governadores, que ocorrerá em abril.
A situação da oposição também reflete o desgaste provocado pela jornada de protestos de 2008, segundo o cientista boliviano Roberto Laserna. Por semanas, manifestantes fecharam estradas, promoveram locautes, tomaram o controle de válvulas de gás e repartições em ações contra a Carta.
Professor das universidades de San Simón, no departamento de Cochabamba (centro), e Princeton, nos EUA, Laserna também atribuiu o recuo de líderes cruzenhos ao efeito de um nebuloso episódio: a morte, pela polícia, de três estrangeiros acusados de tramar o assassinato de Morales, com o suposto apoio de parte da elite de Santa Cruz, que buscaria a independência da região. "Não houve investigação conclusiva até agora e é tudo muito nebuloso. Mas o efeito midiático foi feito, além da intimidação."

Quase calmaria
A principal chapa da oposição só tem apelo com o voto anti-Morales convicto: o candidato a presidente da oposição é o militar reformado Manfred Reyes Villa, que era governador de Cochabamba até receber "não" do eleitorado em referendo em 2009. Seu companheiro de chapa é Leopoldo Fernández, ex-governador do departamento de Pando, fronteira com o Acre.
Fernández é um dos símbolos de que as feridas da crise política seguem latentes.
Ele está preso por suposta coautoria intelectual do massacre que matou ao menos 11 pessoas em Pando, a maioria pró-Morales, em setembro de 2008, no auge da crise política. O ex-governador ainda não foi julgado e diz que fará campanha da cadeia.
"Serão eleições quase tranquilas. Mas a questão é o tamanho do quase", diz Laserna.
O sistema de registro eleitoral foi mudado -uma exigência da oposição-, o que deve ajudar no espírito de calmaria. Mas o professor lembra que setores ligados ao governo prometem impedir a campanha da oposição em regiões do país.

sábado, 10 de outubro de 2009

Fishlow e o papel do Brasil

Folha de S~çao Paulo 10 de outubro de 2009

Papel em crise é mostra de novo Brasil, diz professor

A atitude do Brasil de acolher o presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, na embaixada do país em Tegucigalpa faz parte de uma mudança histórica na maneira como o Brasil constrói suas relações diplomáticas com os demais países da América Latina. Esta é a avaliação do professor emérito da Universidade Columbia e da Universidade Berkeley e colunista da Folha Albert Fishlow.
Em seminário promovido pelo Center for Hemispheric Policy em Miami, na manhã de ontem, Fishlow disse que a estratégia do Brasil é tentar exercer um papel central na América Latina, comparável ao dos EUA na América do Norte.
"Estamos caminhando para um mundo multilateral e, se o Brasil é uma estrela em ascensão, os EUA são uma estrela cadente em termos de participação no comércio mundial e inovação", disse. Confira abaixo trechos de entrevista concedida à Folha após o seminário:




FOLHA - O senhor disse que as relações com os EUA são as melhores nos últimos 20 anos, mas até agora os EUA só enviaram ao Brasil o general Jim Jones, assessor de Segurança Nacional...
FISHLOW - Você tem outra realidade que está acontecendo no mundo: a importância do Irã, a Guerra do Afeganistão. O governo americano nem tem embaixador novo no Brasil [a oposição vem bloqueando a confirmação do nomeado, Thomas Shannon]. Como consequência não se poderia dizer nem que as novas relações dos anos Obama já começaram, de fato estamos esperando o começo.

FOLHA - O sr. tratou da estratégia do Brasil de se firmar como centro na América Latina. Como isso se reflete no caso da crise em Honduras?
FISHLOW - Para o Brasil representa algo importante. O fato é que as relações diplomáticas do Brasil foram construídas de modo a separar o país de outros vizinhos na América Latina e ter relacionamentos em português e não em espanhol. Só durante os últimos 20 anos houve uma tentativa de integração com o Mercosul. Há uma tentativa clara em relação à Venezuela, com a possibilidade de admissão no Mercosul. E o Brasil ainda não decidiu como tratar do assunto. O país tem relações ativas na ONU [Organização das Nações Unidas], na OMC [Organização Mundial do Comércio], em organizações internacionais. Há uma tentativa de definir melhor as relações políticas que devem existir como base na nova política do século 21.

FOLHA - No caso de Zelaya são novas relações com Honduras ou com a Venezuela?
FISHLOW - [Hugo] Chávez [presidente da Venezuela] tem muito a ver com a situação de Honduras. Ele escolheu a embaixada brasileira para Zelaya e está sempre tentando restabelecer Zelaya para construir uma base maior para a Venezuela na região.

FOLHA - Mas historicamente o Brasil tem tradição de não interferir em conflitos de outros países...
FISHLOW - É uma consequência inegável do crescimento, do maior patamar de crescimento econômico. Além disso, Lula e o Itamaraty estão tentando restabelecer o Brasil como um centro. [O ex-presidente Fernando Henrique] Cardoso foi criticado por todas as viagens para o exterior, mas Lula viaja muito mais. É uma consequência dessa evolução, mas [o país] ainda não tem estabilidade na definição do seu papel.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

A economia política

Valor Economico
A defesa, o ataque e a economia política

José Luís Fiori
07/10/2009




"Entre 1650 e 1950, a Inglaterra participou de 110 guerras aproximadamente, dentro e fora da Europa, ou seja, em média, uma à cada três anos E entre 1783 e 1991, os Estados Unidos participaram de cerca de 80 guerras, dentro e fora da América, ou seja, em média, também, uma a cada três anos." J.L.F. , Valor, 09/09/2009

O economista inglês, William Petty (1623-1687), escreveu dois pequenos textos que revolucionaram o pensamento econômico do século XVII, e que estão na origem da economia política clássica: o "Tratado sobre Impostos e Contribuições", publicado em 1662, e a "Aritmética Política", publicado em 1690, depois da sua morte. Nesses dois textos, Petty desenvolve uma teoria econômica que dá importância central ao papel do Estado e das guerras no funcionamento das sociedades. A teoria de Petty parte da definição dos principais "encargos públicos", e depois propõe uma estratégia econômica de multiplicação dos recursos necessários para o cumprimento dessas funções. Para Petty, a primeira obrigação do Estado é a "defesa por terra e mar, da sua paz interna e externa, como também a vindicação honrosa das ofensas de outros estados" (Tratado dos Impostos e Contribuições, Abril Cultural, p.15, 1983).

, e a forma de obter os recursos indispensáveis é através dos tributos. Mas segundo Petty, o aumento da tributação depende do aumento da produtividade e do "excedente econômico" nacional.

No momento em que Petty publicou sua obra, a Inglaterra era uma potência de segunda ordem, e se sentia ameaçada pela França e pela Holanda. Petty estava voltando de uma breve exílio em Paris e Amsterdam - onde foi secretário particular de Thomas Hobbes - e tinha uma grande preocupação que se transformou no ponto de partida de toda a sua teoria: a necessidade de defender o território inglês, aumentando sua produtividade e o seu produto nacional. Por isto, sua economia política introduz, pela primeira vez, o conceito de "excedente econômico" como principal instrumento do poder do Estado, e rompe definitivamente com a tradição do pensamento mercantilista.

William Petty foi um grande economista político, mas se pode dizer que foi também um profeta. Porque depois da sua morte, em 1687, seu país deu seus primeiros passos para se transformar na principal potência do sistema mundial, até meados do século XX. Apesar do seu tamanho, a pequena ilha começou a expandir o seu poder, o seu território e a sua riqueza de forma contínua, durante os três séculos seguintes em que construiu o Império Britânico e consolidou a supremacia mundial do capitalismo inglês. Mas, apesar de sua antecipação profética, William Petty não previu duas coisas fundamentais: 1) a transformação da Inglaterra numa potência agressiva; 2) e a transformação da agressão e do "ataque" num mecanismo de acumulação de riqueza.

A preocupação política e a teoria de Petty visavam aumentar o poder defensivo da Inglaterra. E, do ponto de vista estritamente militar, o objetivo da "defesa" será sempre a conservação de um determinado território. Mas é impossível acreditar que todas as 110 guerras que a Inglaterra fez, entre 1650 e 1950, tenham sido "guerras defensivas", inclusive porque a maioria delas foi travada fora do território europeu. Ou seja, depois da morte de Petty, a a Inglaterra acabou se transformando numa potência agressiva e conquistadora.

E o mesmo se pode dizer da sua colônia norte-americana, que seguiu os passos da Inglaterra, até se transformar na maior potência do sistema mundial, na segunda metade do século XX. O território norte-americano nunca foi atacado, mas apesar disso, as "Treze Colônias" expandiram seu território de forma contínua, desde o momento da sua independência. Nos dois casos, portanto, a proposta defensiva de Petty, foi substituída por uma estratégia agressiva de acumulação de poder. Mas além disso, Petty não previu que o "ataque" pudesse se transformar numa forma de acumular a riqueza de maneira mais rápida do que através do aumento da produtividade. A expansão da Inglaterra começou muito antes da sua "revolução industrial", e foi financiada pelo aumento dos tributos e da sua "dívida pública", que cresceu de forma exponencial durante o século XVIII, passando de 17 milhões de libras esterlinas, em 1690, para 700 milhões de libras, em 1800. Nessa trajetória ascendente, a expansão inglesa acabou se auto-financiando, graças do aumento da sua tributação nacional e extra-territorial, e do surpreendente aumento da "credibilidade" da sua "dívida pública", que cresceu apesar das guerras e do desequilíbrio fiscal de curto prazo. Da mesma forma como aconteceu nos Estados Unidos, onde a capacidade de tributação e de endividamento do estado também cresceu de mãos dadas e de forma permanente.

Nos dois casos, portanto, foi o "ataque" e não a "defesa", que permitiu aumentar permanentemente o endividamento publico dos dois estados, junto com a acumulação rápida e exponencial da riqueza privada, fora dos circuitos produtivos e mercantis. A teoria de Petty não previu essa "mágica anglo-saxônica", apesar de que o seu segredo já tivesse sido revelado por Thomas Hobbes - o grande amigo e mentor intelectual de William Petty - no seu Leviatã, publicado em 1652: "Os que se contentarem em manter-se tranquilamente dentro de modestos limites e não aumentarem seu poder por meio de invasões, eles serão incapazes de subsistir durante muito tempo, por se limitarem apenas a uma atitude de defesa". (T. Hobbes, Leviatã, p. 72, 1983).

Agora bem: essa "mágica" estará ao alcance de todos os estados e economias capitalistas? Sim e não, a um só tempo, porque nesse jogo, se todos ganhassem ninguém ganharia, e os que já ganharam estreitam o caminho dos demais, reproduzindo dinamicamente, as condições da desigualdade. Além disto, é possível conceber formas de acumulação de poder e riqueza que não passem pelos ataques territoriais, Mas com certeza, este não foi o caminho seguido pela Inglaterra e pelos Estados Unidos, as duas grandes potências ganhadoras que conseguiram transformar a sua "dívida pública" num instrumento do seu poder, e ao mesmo tempo, num mecanismo de acumulação da sua riqueza nacional

domingo, 4 de outubro de 2009

O caso de Honduras e o protagonismo do Brasil

Folha de São Paulo, domingo, 04 de outubro de 2009



Honduras expõe novo status do Brasil
Papel durante crise, conquista olímpica e fortalecimento do G20 são vistos por analistas como sinais de que país está virando potência

Atuação maior na América Latina pode crescer com vácuo de Washington na região, mas há dúvidas sobre peso em relação a EUA

A frase estava em artigo publicado na quarta-feira na versão online da "Time". "Em anos recentes, a usina geradora sul-americana vem sendo reconhecida como o primeiro contrapeso real aos EUA no Hemisfério Ocidental." A maior e mais prestigiosa revista semanal dos EUA se referia ao caso hondurenho, em que a presença do presidente deposto Manuel Zelaya na embaixada do país em Tegucigalpa empurrou o Brasil para um papel de protagonismo na crise, para usar expressão cara ao Itamaraty.
Mas raciocínio semelhante seria repetido nos dias seguintes na imprensa americana, citando também a decisão dos países mais ricos de ampliar o fórum econômico global para acomodar as economias emergentes do G20, na semana retrasada, e a vitória do Rio de Janeiro como cidade-sede dos Jogos Olímpicos de 2016, anteontem, em Copenhague.
O fato "cristaliza o Brasil como potência emergente", escreveu o diário econômico "Wall Street Journal" de ontem, e "parece coroar a atrasada chegada do país ao palco internacional", ecoou a semanal "Newsweek". "Em resumo, os Jogos Olímpicos vão reafirmar a reputação internacional do governo como líder entre as nações emergentes", concluiu a mensal "Foreign Policy".
Ao longo do dia de sexta-feira, a Folha conversou com analistas da América Latina, do Brasil e da relação do país com o EUA e pediu a opinião deles sobre a proposição inicial desse texto. A conclusão unânime é que, sim, o momento é brasileiro e que nunca na história do país o protagonismo, vá lá, esteve tão claro e evidente. Mas há ressalvas a serem feitas.
Para Peter Hakim, presidente do centro de pensamento centrista Diálogo Interamericano, "o Brasil claramente ganhou influência, prestígio e autoridade, tanto regional como globalmente, e pode vir a ser um contrapeso aos EUA em algumas ocasiões e em algumas questões". Mas os recursos financeiros, o poderio militar e a influência política, combinados às expectativas de outros países, "dão aos EUA um papel muito maior na maior parte das situações", conclui.
A palavra "contrapeso" incomoda também Julia Sweig, especialista nas relações entre os EUA e a América Latina do influente Council on Foreign Relations. É errado pensar nisso, diz ela, "porque sugere que os EUA continuam sendo o peso predominante, o que é verdade só na esfera da América Central, mais México e Colômbia."
Ela acredita que isso vá mudar nos próximos anos. "Arriscaria dizer que, com exceção do México, os EUA vão cada vez mais dividir -e mesmo desejar essa divisão- de domínio, por assim dizer, com o Brasil. Honduras é só o começo." Para Sweig, o Brasil ocupou o vácuo americano. "E ofereceu substância e estilo alternativos em sua diplomacia."
É o que pensa um diplomata brasileiro envolvido em assuntos latino-americanos, que pede para não ser identificado. Para ele, a ação mais pró-ativa do Brasil decorre antes da redução do papel geopolítico dos EUA na região, uma vez que as maiores preocupações de Washington em termos de política externa não se encontram atualmente nas Américas. Essa limitação, diz, abre possibilidades de ação diplomática para o Brasil, como no caso do Haiti e, agora, Honduras.
Pode ser, afirma Mark Weisbrot, codiretor do instituto progressista Center for Economic and Policy Research. "De fato, o Brasil tem uma política externa na maior parte independente dos EUA, mais do que a da Europa, por exemplo. Mas é fato também que o Brasil tem sido muito tímido em relação a Honduras, procurando evitar enfrentamento com Washington enquanto a gestão de Barack Obama permite que o regime golpista viole os direitos internacionais da embaixada brasileira e os direitos humanos dos hondurenhos."
Se quisessem, diz Weisbrot, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seus ministros poderiam ser mais agressivos e brecar Washington. Como? "Simplesmente falando mais duro e angariando o apoio de outros países da América do Sul -ou seja, exercendo liderança."
Um colega progressista de Weisbrot, Larry Birns, diretor do Council on Hemispheric Affairs, discorda em parte. Para ele, o Brasil do começo do século 21 é o que foram os EUA no começo do século 20.
"Assim como os EUA entraram no século passado relativamente intocados pelas dinâmicas das guerras europeias, o Brasil entra neste século não atingido pelas marcas pesadas que mancham os EUA hoje, depois de guerras impopulares como o Afeganistão e o Iraque." Para Birns, "o Brasil é a celebridade, o novo garoto do pedaço".