Folha de São Paulo 18 de outubro de 2009
Indígenas do Equador veem "neoliberalismo" em Correa
Poderosa Confederação de Nacionalidades questiona projetos para gerir minérios e água
Conflito, que já provocou uma morte, diz respeito à implementação da nova Carta; presidente diz que grupo "faz o jogo da direita"
Nacionalista que tirou os EUA da base militar de Manta e auditou a dívida externa do Equador, o presidente Rafael Correa tem sido chamado de "neoliberal" e "neocolonialista" pela Conaie (Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador), que desde 1997 teve papel crucial na queda de três governos no país.
Correa, que chegou ao poder em 2006 prometendo pôr fim à "longa noite neoliberal", acusa indígenas e ambientalistas "radicalizados" de fazerem o "jogo da direita" e de pretenderem desestabilizá-lo.
O presidente foi reeleito em abril sob as regras da Constituição de 2008, impulsionada por seu governo e que consagra o princípio quéchua da "sumak kawsay" (vida plena ou bom viver) -cuja implementação está no cerne das divergências com a Conaie.
Os protestos indígenas contra as leis de Mineração e Águas e dois decretos presidenciais (veja quadro) vêm crescendo desde o início do ano e resultaram em confronto no dia 30 de setembro. Um professor da etnia shuar morreu baleado quando a polícia desbloqueava uma ponte na Província de Morona Santiago, na Amazônia equatoriana.
A morte, ainda sob investigação, provocou recuos dos dois lados. Uma reunião entre Correa e 150 lideranças da Conaie, no último dia 5, levou à formação de "mesas de diálogo", que ainda serão instaladas. Mas a desconfiança mútua permanece grande.
Três temas comuns à maioria dos países da América do Sul formam o pano de fundo dos conflitos: a relação entre movimentos sociais e governos de esquerda; os limites da autonomia indígena; e o choque entre ambientalismo e o modelo econômico baseado na exportação de matérias-primas.
A convivência entre Correa e a Conaie, que tem no movimento Pachakuti seu braço político, nunca foi fácil. A confederação, que fala em nome de boa parte dos estimados 4 milhões de indígenas equatorianos, ou 30% da população, manteve "distância crítica" do presidente, embora tenha apoiado pontos do programa da coalizão Acordo País, de Correa, e a convocação da Constituinte que redigiu a nova Carta.
Correa, por sua vez, várias vezes questionou a representatividade da Conaie e do Pachakuti. O movimento elegeu em abril 5 dos 22 governadores provinciais, mas sua bancada no Legislativo nacional vem diminuindo desde 2002, quando apoiou a eleição à Presidência do coronel Lucio Gutiérrez, com quem rompeu seis meses depois.
O jornalista e analista equatoriano Kintto Lucas e o ex-presidente da Constituinte Alberto Acosta identificam na atitude de Correa a origem dos problemas com a Conaie. "O movimento indígena sempre busca conversar horizontalmente, de igual para igual. Quando sente que um presidente lhe fala de cima, se põe em guarda", diz Lucas.
Acosta -que tem posição à esquerda de Correa na economia e rompeu com ele porque queria prolongar a Constituinte para tornar os trabalhos mais democráticos- se preocupa com o choque "entre esquerda e esquerda": "O ponto de encontro entre os dois grupos é maior do que as divergências. Faltaram canais de diálogo", lamenta.
Renda social
A questão econômica é crucial. O governo argumenta que precisa manter a renda do petróleo e da mineração para ampliar benefícios sociais e caminhar em direção a um modelo mais sustentável, de contornos ainda pouco claros. A Conaie defende uma transição rápida, com o apoio de católicos ligados à Teologia da Libertação e de ambientalistas.
A ONG Amazon Watch, ativa durante os confrontos de junho no Peru, quando indígenas protestavam contra decretos do presidente conservador Alan García que facilitavam a exploração de petróleo e minérios na selva, tem divulgado as ações da Conaie.
O missionário salesiano Juan de la Cruz Rivadaneira, que trabalha há dez anos em Morona Santiago, foi testemunha dos conflitos de setembro - "nunca vi nem senti tanta violência contra o povo shuar". Prestes a se embrenhar de novo na selva, ele recomendou à Folha que procurasse o médico Kléver Calle, da Universidade de Cuenca.
Membro da Pastoral Indígena, Calle aponta contradições entre "declarações e ações" de Correa e a nova Carta. "O sumak kawsay é um conceito que rompe o paradigma de uma cultura antropocêntrica, o modelo primário-exportador e o Estado verticalmente construído", diz, acrescentando que a Lei de Mineração "legaliza concessões de milhares de hectares, feitas em governos neoliberais anteriores, em terras como a do povo shuar".
Calle defende que a posição dos indígenas sobre temas que "afetem seus direitos ancestrais e coletivos" seja vinculante. A questão é polêmica porque a posição foi derrotada na Constituinte. Embora declare o Equador um "Estado plurinacional", a Carta não reconhece a autonomia de instituições indígenas de governo separadas das nacionais.
domingo, 18 de outubro de 2009
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário