domingo, 18 de outubro de 2009

O multilateralismo e os Estados Unidos

Conservadores reagem a multilateralismo
Filha de ex-vice Dick Cheney cria grupo de "defesa" dos EUA e analista lança um manifesto pró-hegemonia americana

Reação ganha força com o Prêmio Nobel da Paz dado a Obama e a participação aplaudida do democrata na Assembleia Geral da ONU

SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

Os EUA estão perdendo poder como potência hegemônica no mundo, e isso é ruim. As duas provas mais recentes são o Prêmio Nobel da Paz dado ao presidente Barack Obama por seu multilateralismo e o exercício dessa característica ao participar na Assembleia Geral da ONU, em setembro, sob aplauso mundial. Cabe aos conservadores americanos recolocar o país no rumo certo, abandonado desde o fim do governo George W. Bush (2001-2009).
A missão foi delineada pela filha mais velha do ex-vice-presidente Dick Cheney, Liz, e pelos renomados analistas William Kristol e Charles Krauthammer. Os dois primeiros acabam de criar um grupo de nome autoexplicativo, o Keep America Safe (mantenha os EUA seguros), cujo objetivo é "a defesa sem desculpas da luta contra o terrorismo pelo mundo, da vitória nas guerras que esse país luta, da democracia e os direitos humanos e de Forças Armadas americanas fortes, necessárias no mundo perigoso em que vivemos".
O último deu palestra no dia 5 no Manhattan Institute for Policy Research, de Nova York, intitulada "O Declínio É Uma Escolha", que viraria a reportagem de capa do semanário conservador "The Weekly Standard", editado por Kristol. Nela, Krauthammer defende que os americanos precisam perder a vergonha de querer ser hegemônicos, que a conquista do Iraque foi um "prêmio" e que a decadência que segundo ele decorrerá do multilateralismo progressista é uma escolha, não um destino, e pode ser evitada.
"Primeiro, temos de aceitar nosso papel como [uma potência] hegemônica e rejeitar aqueles que negam sua benignidade essencial", escreve o colunista da "Time" e do "Washington Post" . "Há uma razão pela qual nós somos a única hegemonia da história moderna que não gerou imediatamente a criação de uma aliança contra-hegemônica maciça -como ocorreu, por exemplo, contra a França napoleônica ou a Alemanha nazista. Há uma razão pela qual tantos países no Pacífico e no Oriente Médio e na Europa Oriental e na América Latina saúdam nossa presença como poder moderador e garantidor de liberdades."
Qual a razão? "É simples: nós somos a hegemonia mais benigna que o mundo verá."

Reação
Desde a eleição do democrata, voltou a ganhar força a tese de que o mundo caminha para uma realidade multipolar, em que os EUA abrem mão ou perdem parte do poder, para ganho de outras nações, como o bloco de potências emergentes lideradas pela China. Logo ao assumir, a secretária de Estado, Hillary Clinton, usou a expressão acadêmica "poder inteligente", cara aos defensores da tese, que prevê o uso de força militar em último caso e privilegia diplomacia e engajamento público.
Daí as assertivas polêmicas dos últimos dias terem detonado uma reação à altura. Analistas progressistas compararam tais manifestos no campo da política externa às ações extremas antiobamistas tomadas por insatisfeitos com o governo democrata no campo interno, marcadas por cartazes que chamavam o presidente de nazista e a presença de manifestantes armados em encontros públicos para discutir a reforma do setor de saúde.
Para Joe Klein, também da "Time", o "quase imperialismo" do colega representa um "neocolonialismo brutal e condescendente" e nunca teve a simpatia do povo americano. "Ele não funciona no mundo. É ele, na verdade, a causa do declínio da autoridade moral e do poder americanos nos últimos oito anos."
Já Ezra Klein, do "Washington Post", diz que a escolha proposta pelos conservadores é falsa. "Pode-se pensar fim de um mundo em que os EUA são a única superpotência de duas maneiras: é o declínio americano, como prefere meu colega Krauthammer; ou é uma melhora global, que é o que pensa meu colega Fareed Zakaria. Eu estou com o último."
Michael Barone, analista do centro de pensamento conservador American Enterprise Institute, adota uma posição mais conciliatória. "Eu sou a favor de os EUA usarem instituições internacionais e diplomacia inteligente quando isso servir aos interesses dos EUA, que incluem avançar a liberdade e a democracia no mundo", disse ele à Folha. "Mas eu acho que o governo Obama superestima o grau em que essas instituições podem avançar essas metas."
A discussão está só no início.

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