sexta-feira, 9 de outubro de 2009

A economia política

Valor Economico
A defesa, o ataque e a economia política

José Luís Fiori
07/10/2009




"Entre 1650 e 1950, a Inglaterra participou de 110 guerras aproximadamente, dentro e fora da Europa, ou seja, em média, uma à cada três anos E entre 1783 e 1991, os Estados Unidos participaram de cerca de 80 guerras, dentro e fora da América, ou seja, em média, também, uma a cada três anos." J.L.F. , Valor, 09/09/2009

O economista inglês, William Petty (1623-1687), escreveu dois pequenos textos que revolucionaram o pensamento econômico do século XVII, e que estão na origem da economia política clássica: o "Tratado sobre Impostos e Contribuições", publicado em 1662, e a "Aritmética Política", publicado em 1690, depois da sua morte. Nesses dois textos, Petty desenvolve uma teoria econômica que dá importância central ao papel do Estado e das guerras no funcionamento das sociedades. A teoria de Petty parte da definição dos principais "encargos públicos", e depois propõe uma estratégia econômica de multiplicação dos recursos necessários para o cumprimento dessas funções. Para Petty, a primeira obrigação do Estado é a "defesa por terra e mar, da sua paz interna e externa, como também a vindicação honrosa das ofensas de outros estados" (Tratado dos Impostos e Contribuições, Abril Cultural, p.15, 1983).

, e a forma de obter os recursos indispensáveis é através dos tributos. Mas segundo Petty, o aumento da tributação depende do aumento da produtividade e do "excedente econômico" nacional.

No momento em que Petty publicou sua obra, a Inglaterra era uma potência de segunda ordem, e se sentia ameaçada pela França e pela Holanda. Petty estava voltando de uma breve exílio em Paris e Amsterdam - onde foi secretário particular de Thomas Hobbes - e tinha uma grande preocupação que se transformou no ponto de partida de toda a sua teoria: a necessidade de defender o território inglês, aumentando sua produtividade e o seu produto nacional. Por isto, sua economia política introduz, pela primeira vez, o conceito de "excedente econômico" como principal instrumento do poder do Estado, e rompe definitivamente com a tradição do pensamento mercantilista.

William Petty foi um grande economista político, mas se pode dizer que foi também um profeta. Porque depois da sua morte, em 1687, seu país deu seus primeiros passos para se transformar na principal potência do sistema mundial, até meados do século XX. Apesar do seu tamanho, a pequena ilha começou a expandir o seu poder, o seu território e a sua riqueza de forma contínua, durante os três séculos seguintes em que construiu o Império Britânico e consolidou a supremacia mundial do capitalismo inglês. Mas, apesar de sua antecipação profética, William Petty não previu duas coisas fundamentais: 1) a transformação da Inglaterra numa potência agressiva; 2) e a transformação da agressão e do "ataque" num mecanismo de acumulação de riqueza.

A preocupação política e a teoria de Petty visavam aumentar o poder defensivo da Inglaterra. E, do ponto de vista estritamente militar, o objetivo da "defesa" será sempre a conservação de um determinado território. Mas é impossível acreditar que todas as 110 guerras que a Inglaterra fez, entre 1650 e 1950, tenham sido "guerras defensivas", inclusive porque a maioria delas foi travada fora do território europeu. Ou seja, depois da morte de Petty, a a Inglaterra acabou se transformando numa potência agressiva e conquistadora.

E o mesmo se pode dizer da sua colônia norte-americana, que seguiu os passos da Inglaterra, até se transformar na maior potência do sistema mundial, na segunda metade do século XX. O território norte-americano nunca foi atacado, mas apesar disso, as "Treze Colônias" expandiram seu território de forma contínua, desde o momento da sua independência. Nos dois casos, portanto, a proposta defensiva de Petty, foi substituída por uma estratégia agressiva de acumulação de poder. Mas além disso, Petty não previu que o "ataque" pudesse se transformar numa forma de acumular a riqueza de maneira mais rápida do que através do aumento da produtividade. A expansão da Inglaterra começou muito antes da sua "revolução industrial", e foi financiada pelo aumento dos tributos e da sua "dívida pública", que cresceu de forma exponencial durante o século XVIII, passando de 17 milhões de libras esterlinas, em 1690, para 700 milhões de libras, em 1800. Nessa trajetória ascendente, a expansão inglesa acabou se auto-financiando, graças do aumento da sua tributação nacional e extra-territorial, e do surpreendente aumento da "credibilidade" da sua "dívida pública", que cresceu apesar das guerras e do desequilíbrio fiscal de curto prazo. Da mesma forma como aconteceu nos Estados Unidos, onde a capacidade de tributação e de endividamento do estado também cresceu de mãos dadas e de forma permanente.

Nos dois casos, portanto, foi o "ataque" e não a "defesa", que permitiu aumentar permanentemente o endividamento publico dos dois estados, junto com a acumulação rápida e exponencial da riqueza privada, fora dos circuitos produtivos e mercantis. A teoria de Petty não previu essa "mágica anglo-saxônica", apesar de que o seu segredo já tivesse sido revelado por Thomas Hobbes - o grande amigo e mentor intelectual de William Petty - no seu Leviatã, publicado em 1652: "Os que se contentarem em manter-se tranquilamente dentro de modestos limites e não aumentarem seu poder por meio de invasões, eles serão incapazes de subsistir durante muito tempo, por se limitarem apenas a uma atitude de defesa". (T. Hobbes, Leviatã, p. 72, 1983).

Agora bem: essa "mágica" estará ao alcance de todos os estados e economias capitalistas? Sim e não, a um só tempo, porque nesse jogo, se todos ganhassem ninguém ganharia, e os que já ganharam estreitam o caminho dos demais, reproduzindo dinamicamente, as condições da desigualdade. Além disto, é possível conceber formas de acumulação de poder e riqueza que não passem pelos ataques territoriais, Mas com certeza, este não foi o caminho seguido pela Inglaterra e pelos Estados Unidos, as duas grandes potências ganhadoras que conseguiram transformar a sua "dívida pública" num instrumento do seu poder, e ao mesmo tempo, num mecanismo de acumulação da sua riqueza nacional

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