domingo, 11 de outubro de 2009

Bolivia e o constitucionalismo latino-americano

Folha de São Paulo, domingo, 11 de outubro de 2009



Morales é favorito em disputa que focará Congresso
Boliviano tentará ficar mais 5 anos no poder; com oposição enfraquecida, governo busca controle do Parlamento para implementar Carta


Pouco mais de um ano após enfrentar a oposição regional em uma feroz queda de braço na Bolívia, Evo Morales entrou na campanha para obter sua reeleição em 6 de dezembro como franco favorito, a ponto de transformar a maioria qualificada no Congresso no principal prêmio em disputa.
As eleições para presidente e parlamentares estão previstas na nova Constituição, aprovada no ano passado. É por causa da Carta que o controle do Parlamento se torna central.
O MAS (Movimento ao Socialismo) de Morales quer tirar da oposição o poder de bloqueio -que detinha por controlar o Senado- e, assim, comandar as votações de legislações secundárias que darão contorno à nova Constituição.
Resultado da negociação para passar o texto no Congresso, após a turbulenta Constituinte, vários pontos ficaram em aberto -entre eles, os complexos temas indígenas, aponta o antropólogo Salvador Shavelzon, que escreve sua tese de doutorado sobre política boliviana no Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Segundo o levantamento mais recente, o presidente boliviano tem 30 pontos de vantagem na disputa que pode lhe dar mais cinco anos no poder -a Carta instituiu a reeleição, e Morales poderia concorrer de novo em 2014, mas ele jurou à oposição não fazê-lo.
Um dos motivos do conforto é que as poderosas lideranças regionais -as do rico departamento de Santa Cruz à frente-, que há um ano conclamavam à rebelião contra La Paz, não se uniram em torno de um candidato capaz de oferecer um discurso nacional. "As oposições estão mais preocupadas em recuperar espaços regionais de poder", diz Shavelzon.
A meta dos opositores é barrar a ofensiva governista em suas regiões -o governo já disse que centrará fogo onde tem menor adesão- e juntar forças para a eleição para governadores, que ocorrerá em abril.
A situação da oposição também reflete o desgaste provocado pela jornada de protestos de 2008, segundo o cientista boliviano Roberto Laserna. Por semanas, manifestantes fecharam estradas, promoveram locautes, tomaram o controle de válvulas de gás e repartições em ações contra a Carta.
Professor das universidades de San Simón, no departamento de Cochabamba (centro), e Princeton, nos EUA, Laserna também atribuiu o recuo de líderes cruzenhos ao efeito de um nebuloso episódio: a morte, pela polícia, de três estrangeiros acusados de tramar o assassinato de Morales, com o suposto apoio de parte da elite de Santa Cruz, que buscaria a independência da região. "Não houve investigação conclusiva até agora e é tudo muito nebuloso. Mas o efeito midiático foi feito, além da intimidação."

Quase calmaria
A principal chapa da oposição só tem apelo com o voto anti-Morales convicto: o candidato a presidente da oposição é o militar reformado Manfred Reyes Villa, que era governador de Cochabamba até receber "não" do eleitorado em referendo em 2009. Seu companheiro de chapa é Leopoldo Fernández, ex-governador do departamento de Pando, fronteira com o Acre.
Fernández é um dos símbolos de que as feridas da crise política seguem latentes.
Ele está preso por suposta coautoria intelectual do massacre que matou ao menos 11 pessoas em Pando, a maioria pró-Morales, em setembro de 2008, no auge da crise política. O ex-governador ainda não foi julgado e diz que fará campanha da cadeia.
"Serão eleições quase tranquilas. Mas a questão é o tamanho do quase", diz Laserna.
O sistema de registro eleitoral foi mudado -uma exigência da oposição-, o que deve ajudar no espírito de calmaria. Mas o professor lembra que setores ligados ao governo prometem impedir a campanha da oposição em regiões do país.

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