Agência Brasil
08/08/2009
Paulo Machado, Ouvidor Adjunto da EBC
Brasília - Onde fica mesmo Honduras? Para muitos de nós brasileiros esse é um país que, como tantos outros, provavelmente, passaria despercebido a vida toda, tal é a sua distância de nossa realidade sóciopolitica, geográfica, econômica e cultural. Para muitos leitores da Agência Brasil ele passou a ser objeto de especial atenção a partir de 28 de junho em face dos acontecimentos que marcarão sua história para sempre. Naquele dia, às 13:13, a ABr noticiou Presidente de Honduras é detido por militares e levado para a Costa Rica, com base em informações da Telesur e de agências noticiosas internacionais como a Telam da Argentina, a Lusa de Portugal e a britânica BBC Brasil.
Naquela matéria os leitores foram informados que: “O presidente de Honduras, Manuel Zelaya, foi detido hoje (28) por um grupo de militares, horas antes de o país iniciar uma consulta pública para reformar a Constituição, o que daria ao presidente a possibilidade de reeleição.” A fonte desta informação, não identificada na notícia, sugeria, desde o primeiro momento, que o motivo do golpe seria a possibilidade de reeleição.
Quando ocorre um golpe de Estado como esse, a primeira pergunta que os leitores fazem é: por que derrubaram um governo constitucionalmente eleito pelo povo? Na Agência Brasil os leitores encontraram a seguinte resposta: “A origem da crise política em Honduras foi uma tentativa de Zelaya de realizar um referendo para perguntar à população se apoiava mudanças na Constituição, abrindo caminho para uma possível reeleição”.
Num total de 74 matérias publicadas pela Agência Brasil entre os dias 28/06 e 01/08 sobre o assunto, 17 (23%) fazem referencia ao motivo do golpe como sendo a suposta intenção de Zelaya de alterar a Constituição para possibilitar a própria reeleição. Essa informação é reafirmada sem identificar sua fonte, salvo raras exceções.
Note-se que a “oposição”, denominada nas notícias, transformou-se em golpista sendo portanto, a justificativa para o golpe apresentada pela Agência Brasil, uma alegação daqueles que derrubaram o governo. E o outro lado? Qual é a explicação do governo deposto? Se ele tivesse sido ouvido, teríamos, necessariamente, até aí, pelo menos duas versões para explicar os acontecimentos. Mas ao não divulgar a versão do governo Zelaya, a ABr adotou e difundiu apenas a versão dos golpistas para seus leitores.
Nas mesmas páginas eletrônicas da BBC Brasil de onde a Agência Brasil tirou a explicação golpista, havia uma matéria, publicada duas horas antes do golpe, que relatava a situação política em Honduras. Sob o título: Presidente de Honduras promete realizar polêmico referendo, publicada dia 28 de junho às 08:57, informava que: “No sábado [27], o presidente Zelaya disse em uma coletiva de imprensa que 90 por cento dos problemas foram superados e que o referendo iria acontecer. O presidente disse ao jornal espanhol El País que um plano para retirá-lo do poder foi abandonado depois que o governo americano negou apoio. ‘Estava tudo no lugar para o golpe e, se a embaixada americana houvesse aprovado, teria acontecido. Mas eles não aprovaram (...) Eu estou no cargo ainda apenas graças aos Estados Unidos’, disse Zelaya, que é aliado do presidente venezuelano Hugo Chávez. O presidente disse ainda que não tem intenção de concorrer novamente ao cargo, mas que quer apenas que presidentes futuros tenham essa chance.” Essas informações não constam nas matérias da ABr.
O governo golpista de Micheletti, que se apossou do poder após o golpe, foi designado nas matérias da Agência como “ governo interino” sendo que o atributo da interinidade só se caracteriza quando o titular tem algum impedimento legal para governar. No caso, o impedimento foi o próprio golpe de estado, que não tem nada de legalidade, e que precede e se sobrepõe a qualquer outro tipo de impedimento que justificasse uma interinidade legalmente prevista. Portanto, tratar o governo golpista como “interino” não seria elevá-lo a uma categoria não prevista constitucionalmente? Isso não pode ser considerado como uma tentativa semântica de revestir de legalidade um golpe repudiado mundialmente? Aliás, esse foi o entendimento da diplomacia brasileira em suas declarações, não medindo palavras para classificar os golpistas. Mas parece que a ABr tem seus próprios critérios editoriais para estabelecer terminologias e seria muito proveitoso para o debate democrático da comunicação pública que os divulgasse publicamente.
Talvez seja por isso que o leitor Celso Martins da Silveira Júnior escreveu: “Vocês estão muito tímidos na cobertura do golpe em Honduras. Vocês sabem o que está acontecendo lá? Estão acompanhando a Rádio Globo, cujos profissionais se acham sitiados no prédio da emissora? Vocês têm acompanhado a Telesur? Ou estão indo atrás dos jornais El Heraldo e La Prensa? É o que parece... ”.
Quais são as razões geopolíticas que levaram ao golpe de Estado? Honduras não é um país isolado debatendo-se em disputas políticas locais como dão a entender as matérias da Agência Brasil. O país está sobre forte influência da diplomacia norte-americana que tem, entre outros, interesses estratégicos em manter uma base militar na região depois que perdeu o apoio logístico do Panamá para sediar suas tropas e armamentos. As negociações para o uso do aeroporto da capital Tegucigalpa vinham se arrastando há anos. Primeiro entre Zelaya e Bush e agora com Obama, a disputa caminhava para um impasse, daí a tentativa do governo de buscar recursos e apoio financeiro na Alba. Como essa aproximação do governo hondurenho de seus parceiros latino-americanos, liderados por Hugo Chavez, influenciou e precipitou os acontecimentos levando ao golpe de Estado? O que aconteceu com o apoio da embaixada norte-americana? Com a interdependência que vigora no mundo atual pós-globalização, é praticamente impossível tratar das questões nacionais fora de um contexto internacional.
Para desmontar a versão apresentada pelos golpistas bastava a Agência Brasil ter analisado o teor da Consulta Popular, não vinculante, convocada para 28 de junho e constatar que a reeleição do presidente não constava entre os assuntos propostos, mas que incluía sim, a reforma do aeroporto de Tegucigalpa, afetando a atual disposição física da Base Militar de Soto Cano, controlada por forças militares dos EUA, ali estacionadas.
Quase um mês após o golpe, a ABr enviou um repórter para a região. Sua primeira matéria data de 23 de julho. Depois disso, apesar da cobertura factual trazer mais detalhes de certos acontecimentos, como a tentativa de Zelaya de voltar a seu país, a questão da falta de contexto não mudou. As limitações de um repórter sem um forte apoio editorial e logístico para saber para onde, quando e como se locomover e que informação deve buscar, em um país à beira de uma guerra civil, com barreiras policiais em todas as estradas, são evidentes.
As notícias continuaram veiculando versões de agências internacionais, como a da argentina Telam e ignorando os veículos de comunicação dos movimentos populares de Honduras como, por exemplo, o site: http://www.movimientos.org/honduras.php. Ali seria possível encontrar o outro lado das informações para contrabalançar a cobertura oficiosa das agências internacionais, inclusive narrando a reação da sociedade civil que tem organizado a resistência desde o primeiro momento, narrando também a repressão com a prisão e morte de diversos manifestantes, a perseguição de militantes e lideranças populares, o fechamento de veículos de comunicação que não apoiaram o golpe, os bloqueios nas estradas, as marchas sobre a capital e as manifestações por todo o território nacional. Uma boa leitura crítica das dezenas de matérias ali postadas permitiria uma cobertura diversificada dos fatos que, apesar das dificuldades em apurá-los, talvez pudessem trazer para o público leitor brasileiro uma visão mais realista e eficaz da guerra de informações que cerca esse tipo de acontecimento. Por que então a ABr se restringe a reproduzir informações das agências internacionais? Seriam elas mais críveis do que as populares? Quais são os critérios editoriais para tal escolha?
Esse e outros sites constituem as novas mídias que quebram a barreira do isolamento imposto pelas ditaduras. Por meio do jornalismo cidadão, do qual falamos em nossa coluna anterior, os movimentos e organizações da sociedade civil mostram versões que a mídia convencional não consegue ou não quer divulgar.
Naquele endereço os leitores encontrarão, por exemplo, a notícia sobre o provável fechamento nas próximas horas da Rádio Globo, citada por Celso Martins, como uma das fontes alternativas de informação e um dos únicos veículos de comunicação que ainda resistem ao golpe.
Fora de um contexto mais global que leve em conta o processo histórico em curso e as correlações de forças e de interesses que agem na região torna-se quase impossível o leitor compreender quais são os fatores que influenciaram os acontecimentos e a sua dimensão para a democracia na América Latina e no mundo. Com essas informações talvez o cidadão possa entender que Honduras não está tão distante de nós quanto parece.
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