Carta Capital
17/08/2009
A direita apela a teses paranoides para trocar o debate racional pela manipulação dos medos inconscientes de populações atrasadas
POR ANTÔNIO LUIZ M. C. COSTA
A popularidade do presidente dos EUA, Barack Obama, está em queda. Segundo a média de várias pesquisas calculada pelo site RealClearPolitics, em 10 de fevereiro Obama tinha a aprovação de 65,4% e era desaprovado por apenas 22,6%. Em 10 de agosto, a aprovação estava em 53,5% e a desaprovação, em 41%. Claro que há causas para desapontamentos, mas é provável que a maior parte da insatisfação seja pelos motivos errados.
Grande parte da desaprovação está ligada à condução da economia e da saúde, enquanto sob outros aspectos, notadamente a política externa e relações raciais, o governo tem mais aprovação. À parte conservadores e libertarians dogmáticos e inamovíveis, para os quais a política de Obama, independentemente dos resultados, é ruim por ser intervencionista, a parcela relevante da insatisfação em relação à economia vem da continuação das demissões e dos altos índices de desemprego, após sete meses de governo, socorros trilionários ao setor financeiro e pacotes de estímulo multibilionários.
Nada que o governo Obama pudesse fazer evitaria a crise ou a encerraria em seis meses. As medidas efetivamente tomadas visaram evitar o prolongamento da recessão por muitos anos de depressão. O economista Paul Krugman avalia que os indicadores já se deterioram mais lentamente e o pior foi evitado. Não é como na depressão dos anos 30, quando os indicadores continuavam a desabar depois de um ano terrível. Talvez o otimismo desse notório democrata seja prematuro, mas por natural que seja a impaciência com as dificuldades econômicas, ninguém que entenda do assunto poderia realisticamente esperar resultados melhores nesta altura dos acontecimentos.
Há, por outro lado, muito a criticar no socorro aos grandes grupos financeiros. A Casa Branca ofereceu recursos públicos ilimitados para capitalizar bancos quebrados e garantir títulos podres e investimentos fracassados sem intervir na administração nem exigir quase nada em troca. Os grandes bancos nem sequer tiveram de limitar as milionárias gratificações aos executivos que os quebraram, enquanto a GM e a Chrysler, em situação comparável, foram radicalmente reorganizadas e mesmo estatizadas.
Ainda que faça pouca diferença em relação ao atual desempenho da economia, a ausência de medidas mais duras de intervenção e regulamentação no setor financeiro pode ser interpretada como um convite a mais irresponsabilidades futuras. Pode até atrasar desnecessariamente a recuperação, pois organizações como o Citibank e o Bank of America, que se fossem estatizados estariam formalmente ao abrigo da falência, podem vir a necessitar de novos socorros, ter dificuldades em inspirar confiança e causar novos sustos ao mercado financeiro.
A timidez das medidas de Obama em relação a Wall Street - como também, por exemplo, em relação à política externa que continua a promover interesses imperiais na América Latina e no Oriente Médio, apenas sob uma retórica mais amigável - mostram menos "Mudança" em relação à era Bush Júnior e mais concessões aos lobbies econômicos, militares e políticos tradicionais do que anunciou em campanha. E compreensível que seus eleitores mais progressistas e otimistas estejam desapontados. Entretanto, a oposição mais exaltada está à direita e acredita, pelo contrário, que a mudança é demais.
Um caso extremo é o do radialista e cineasta Alex Jones, cujo (pseudo) documentário The Obama Deception acusa o atual presidente (como o anterior) de servir a uma conspiração de financistas que teriam planejado e financiado Lenin, Stalin, Hitler, Mão, o assassinato de Kennedy, o 11 de setembro e a crise financeira que o elegeu. Seria uma etapa de um plano maligno para implantar uma Nova Ordem Mundial, um "Império Anglo-Americano" na forma de ditadura e uma moeda global única. Faz parte do projeto nacionalizar a saúde, racionar o acesso a recursos médicos, restringir direitos à expressão e porte de armas, criar uma polícia política e unir Canadá, México e EUA em um só Estado com uma só moeda, o "amero" (por analogia com o "euro"). O logo do filme, Obama como o Coringa de O Cavaleiro das Trevas, virou ícone da oposição.
Daí para o delírio do suprematista branco James von Brunn, que assassinou um guarda do Museu do Holocausto enquanto acusava o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, de ser um produto fabricado pelos judeus, há quase apenas uma mudança de ênfase. É lugar-comum entre os conspirólogos com tendência ao antissemitismo ("o socialismo dos tolos", para August Bebel), do tipo que tem os fraudulentos Protocolos dos Sábios de Sião na cabeceira, identificar grandes financistas judeus, como George Soros, Richard Fuld (ex-Lehman Brothers), Maurice Greenberg (ex-AIG) ou Sanford Weill (ex-Citi), como os senhores da Nova Ordem Mundial - mesmo se suas políticas e ambições enquanto empresários não os distingam de financistas de origem cristã como Charles Prince (sucessor de Weil) e Martin Sullivan (sucessor de Greenberg), de hindus como Vikram Pandit (sucessor de Prince e atual presidente do Citigroup) ou de qualquer outra religião ou grupo étnico.
Em outra versão, fundamentalista evangélica, trata-se da ascensão do Anti-cristo - Obama seria seu precursor, ou o próprio -, com uma agenda baseada em promover, ao mesmo tempo, o Islã, o aborto, o ateísmo e a homossexualidade, liquidar Israel e o cristianismo e implantar a moeda mundial única como passo para o "sinal na mão direita, ou na fronte, para que ninguém pudesse comprar ou vender, senão aquele que tivesse o sinal, ou o nome da Besta, ou o número do seu nome", anunciado pelo livro do Apocalipse.
A azeitona na empada das teorias da conspiração é o movimento birther, que alega que a certidão de nascimento havaiana de Obama é falsa - ele teria nascido no Quênia, não seria estadunidense nato e, portanto, sua candidatura, posse e governo seriam inconstitucionais - mesmo se, além do registro público, dois jornais de Honolulu terem atestado o nascimento já em 1961.
Uma pesquisa de julho da Research 2000 mostrou que, embora só 11% dos pesquisados acreditassem que Obama nasceu fora dos EUA e 12% estivessem incertos, entre republicanos essas porcentagens saltavam para 28% e 30% e entre sulistas brancos de qualquer tendência, a 31% e 40%, respectivamente. Cinco deputados e dois senadores republicanos (do Alasca e Oklahoma) flertam com a "dúvida" e em 2 de agosto, uma dentista apareceu na tevê mostrando uma "certidão queniana" de Obama, obviamente falsa, emitida por uma "República do Quênia" inexistente em 1961.
Por trás desses delírios percebe-se a ansiedade de conservadores brancos e ignorantes, na maioria sulistas e com mais de 30 anos, com a concretização de possibilidades impensáveis na sua juventude, para não falar do tempo de seus pais e avós - tais como ter um negro de nome africano na Casa Branca e ver legalizado o casamento homossexual -, enquanto os valores e realidades que tinham como sólidos se desmancham no ar. Para eles, só pode ser um pesadelo ou uma conspiração - se comunista, fascista, judaica, islâmica, ateísta ou diabólica, ou todas as coisas ao mesmo tempo, pouco importa. Comunicadores e políticos ultraconservadores como Rush Limbaugh e Sarah Palin não hesitam em manipular os grupos que neles acreditam com insinuações dirigidas a seus temores mais absurdos. O primeiro compara Obama com Hitler (para ele, "socialista"), Lenin e um (falso) Messias. A ex-candidata a vice postou no Facebook, com todas as letras, que a reforma da Saúde quer julgar o direito à vida e promover a eutanásia dos improdutivos: "A América que conheço e amo não é uma na qual meus pais ou meu bebê com síndrome de Down terão de se apresentar ao 'tribunal da morte' de Obama!"
O resultado visível é uma sucessão de histéricos senhores brancos que, na Flórida e outros estados do Sul, invadem reuniões em câmaras municipais aos berros, impedem os partidários da reforma da Saúde de falar e agitam cartazes com Obama pintado como Coringa ou com bigode de Hitler e o associam com suásticas e águias nazistas.
No imaginário, o vago receio dos idosos de terem de competir pelo acesso à saúde pública com os mais jovens (a reforma expandiria o atendimento público gratuito, hoje restrito a maiores de 65 anos, à maior parte da população não coberta por planos privados) é transformado em projeto de extermínio, associado a rumores lunáticos e usado para manipular cidadãos ignorantes e preconceituosos, com medo de verem diluídos seus parcos privilégios.
Por meio deles, a direita republicana quer sabotar a reforma da Saúde e, por tabela, desmoralizar o governo Obama e inviabilizar propostas ecológicas e liberais que ameaçariam muitos interesses que incluem os dos planos de saúde privados, mas vão muito além. Para entender a política dos EUA hoje, não basta estudar Maquiavel, Tocqueville ou Norberto Bobbio. E pode-se esquecer Jürgen Habermas e seu otimismo sobre a racionalidade do debate público nas democracias ocidentais. Mais vale estar a par do que há de mais ridículo e delirante em filmes B, tablóides e quadrinhos.
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