Folha de S. Paulo
03/08/2009
Janaina Lage, de Nova York
Diretora do Pnud para a região teme ainda retrocesso em conquistas democráticas
A diretora para América Latina e Caribe do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), Rebeca Grynspan, diz que a crise econômica mundial trará de volta um dos velhos problemas da região: o aumento da pobreza.
Grynspan chega ao Brasil hoje para participar de um simpósio sobre desenvolvimento social. Especialista em políticas de desenvolvimento, ela já foi vice-presidente da Costa Rica.
FOLHA - Os bancos brasileiros disseram que a recessão acabou no Brasil. Isso é válido para a região também?
REBECA GRYNSPAN - A informação que temos hoje é bem mais otimista do que no início do ano. Isso é verdade para o Brasil e para o resto do mundo. O Brasil é um exemplo de políticas contracíclicas. A pobreza caiu nas principais regiões metropolitanas mesmo com a crise. De março de 2008 a março deste ano, ela caiu 1,7% em São Paulo, Rio, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife e Salvador.
FOLHA - O que explica a queda da pobreza?
GRYNSPAN - Duas medidas: a expansão do Bolsa Família e o aumento do salário mínimo. Países que têm políticas de transferência de renda precisam fortalecer os benefícios e incluir mais pessoas vulneráveis à crise, você não deve esperar o empobrecimento delas.
FOLHA - Quais serão os efeitos sociais da crise para a América Latina?
GRYNSPAN - A pobreza, em média, vai subir. Deve haver alguma reversão nas melhoras em mortalidade infantil, desnutrição e abandono escolar. É o que normalmente acontece em uma crise. Evitar esses fatores é o melhor investimento no longo prazo porque você não se recupera nunca destas coisas. Se um jovem abandona a escola, é muito difícil voltar e os efeitos disso para a economia se perpetuam por anos. As medidas adotadas no Brasil funcionam como estabilizadores automáticos.
FOLHA - E a desigualdade?
GRYNSPAN - Tende a aumentar na região, em geral. Antes da crise, Brasil e Chile apresentaram os resultados mais sólidos de redução da desigualdade. Nesse caso, a reversão é menos provável. Isso mostra que quando você reduz a desigualdade, fortalece a performance econômica do país.
FOLHA - De que modo a crise afeta o perfil do desemprego?
GRYNSPAN - Os grupos mais vulneráveis são mulheres e jovens. Na América Latina, dos jovens de 14 a 24 anos, 66% estão subempregados, desempregados ou fora do mercado de trabalho e da escola. Essas pessoas nasceram na década de 1980, a década perdida. Não podemos deixar que isso se repita, precisamos de políticas mais concentradas nos jovens. No caso das mulheres, ainda há um descasamento entre a realidade do mercado de trabalho e o bem-estar das famílias.
FOLHA - Quais países da região vão pagar de fato a conta da crise?
GRYNSPAN - Os pequenos países mais dependentes do comércio foram os mais afetados. As economias do México e da Costa Rica foram bastante afetadas. No caso do México há ainda o efeito da gripe suína. Países onde as remessas têm peso significativo na economia também estão em um período difícil.
FOLHA - A sra. diz que as crises econômicas na região estão ligadas a ciclos políticos. O golpe de Honduras é só o começo?
GRYNSPAN - Espero que não, mas precisamos evitar isso. É muito importante a posição da comunidade internacional.
FOLHA - O que motivou as reações, como a suspensão do país pela Organização dos Estados Americanos?
GRYNSPAN - Penso que nos tornamos intolerantes a golpes militares. O exercício da democracia criou novos valores, e somos hoje contra qualquer forma de ditadura e autoritarismo. É uma conquista importante.
Muitos têm dito que as reformas econômicas foram o que aconteceu de mais importante na região na década de 1990, mas vejo que o mais relevante foi o fortalecimento da democracia e as melhoras em relação a direitos humanos e cidadania. Seria uma tragédia perder isso.
Nenhum comentário:
Postar um comentário