segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Procura-se líder. Nem que seja Blair

Carta Capital

03/08/2009Gianni Carta

Os deputados da União Europeia partiram para suas férias de verão no mínimo inquietos. A má gestão da crise financeira global no bloco desencadeou uma cacofonia entre os 27 países membros, cada qual adotando medidas protecionistas para diversas indústrias ameaçadas em seus países. Isso sem contar a caterva de discursos nacionalistas. Diante de tal quadro o que diria o visionário Victor Hugo, favorável aos Estados Unidos da Europa?

Ao contrário de sua raison d’être, a UE está longe de agir em bloco. Suas fragilizadas instituições, e questionáveis lideranças como a do presidente da Comissão Europeia, o circunspecto português José Manuel Durão Barroso, oscilam ao sabor dos ventos da crise financeira. Uma vez terminado o recesso parlamentar, a primeira tarefa dos divididos deputados europeus será a escolha do novo presidente da comissão (Poder Executivo da UE). Por sua vez, os representantes dos 27 países membros terão de escolher, pela primeira vez, um líder do conselho (espécie de chairman).

O presidente do conselho terá um mandato de dois anos e meio e substituirá o atual sistema, de Presidência rotativa de seis meses. Um dos favoritos ao posto é o midiático ex-premier britânico Tony Blair.

Para que o cargo venha a ser instituído, a República da Irlanda terá de aprovar em referendo, em 2 de outubro, o famoso Tratado de Lisboa. Assinado na capital portuguesa em 2007, o tratado precisa ser ratificado por todos os países da UE. Se o for, entrará em vigor em 1º de janeiro do ano que vem. Em 2008, os irlandeses o rejeitaram, mas, após algumas emendas no texto, aposta-se que o novo referendo seja favorável ao tratado. Entre as concessões à Irlanda está a permissão para que o país mantenha sua lei antiaborto ou a contra o casamento homossexual. Em princípio, os integrantes do bloco seriam obrigados a adaptar suas legislações aos termos do tratado.

De todos os países da UE, o referendo é obrigatório somente na Irlanda, por decisão de sua Constituição. Os demais países já adotaram o Tratado de Lisboa por votações parlamentares. Mas, embora tenha sido aprovado pelos congressos polonês e tcheco, ele ainda precisa ser assinado pelas autoridades máximas desses países. No caso da Polônia e da República Tcheca, seus presidentes, Lech Kacynski e Vaclav Klaus, são os mais conservadores e eurocéticos do bloco.

O ceticismo compartilhado por Kacynski e, entre outros, integrantes do Partido Conservador do Reino Unido, tem algum fundamento. O Tratado de Lisboa contém vários itens da Constituição Europeia rejeitada em referendos na França e na Holanda, em 2005. Seus oponentes temem que o texto crie uma Europa com poderes para eliminar a soberania nacional dos seus membros.

Defensores do tratado argumentam que ele dará à UE um quadro jurídico com maior autonomia para atuar em um mundo globalizado. Além da criação do posto de presidente do conselho com mandato de dois anos e meio, o Alto Comissário de Política Externa, atualmente o espanhol Javier Solana, ganhará maiores poderes. O objetivo é criar uma política externa europeia comum. De fato, é uma área em que a Europa, sem voz única, titubeia. Um caso ruidoso é a política (ou ausência de política) para o conflito entre Palestina e Israel. Ainda de acordo com o tratado, o Parlamento Europeu, em Estrasburgo, ganhará maiores poderes. Idem em relação à Corte Europeia de Justiça.

Os pontos de interrogação são, porém, tão grandiosos quanto uma UE supostamente mais unida. O novo presidente do conselho será de fato o presidente da UE? Ser o porta-voz e o mentor de iniciativas formuladas pelos 27 países parece abrir um mar de outras funções para o presidente do conselho. Mas quais? Essa aparente nebulosidade quanto às funções poderia ter outro objetivo: o primeiro presidente será aquele que dará forma ao cargo.

Donde o nome de Blair, lançado no tablado pela primeira vez por Nicolas Sarkozy, dois anos atrás. Não se sabe bem o motivo, mas atualmente circula o boato de que Sarko defende agora a nomeação de Felipe González, ex-premier socialista espanhol. A chanceler alemã, Angela Merkel, é outro nome lembrado. Mas, tendo em vista sua provável vitória nas eleições gerais na Alemanha em setembro, é difícil imaginar que ela venha a aceitar a indicação.

Blair conta com o apoio de seu ex-rival e sucessor, o também trabalhista Gordon Brown. Homem político por excelência, Blair, claro, daria forma ao cargo. Além disso, por ser uma “celebridade”, teria acesso fácil a todos os líderes do planeta. O ex-primeiro-ministro, dizem, acalenta o posto. Mas evita falar em público de seu interesse por desejar maiores detalhes sobre a magnitude de seu poder e, antes de mais nada, a certeza de que seria eleito caso se lançasse candidato. Sua mulher, Cherie, aparentemente mais interessada no salário do emprego, deu o sinal verde ao marido. O presidente do conselho terá remuneração de 275 mil euros por ano.

Paira no ar uma dúvida: como será a relação do presidente do conselho com o presidente da comissão, aquele que propõe uma agenda e implementa políticas comunitárias? Blair (ou González) ofuscaria Durão Barroso? Certamente. Donde a proposta de candidatura de um personagem menos imponente, Jean-Claude Juncker, premier de Luxemburgo.

Barroso ainda precisa ser eleito para um segundo mandato. A eleição deveria ser realizada em meados de setembro, mas é provável que a escolha, como a do novo presidente do conselho, só ocorra após o referendo irlandês. E embora o ex-maoísta Barroso seja apoiado pela maioria dos deputados conservadores do Partido Popular Europeu (PPE), vencedor das eleições europeias em junho, existe uma forte oposição de socialistas, verdes e liberais à sua candidatura.

Antes do recesso, Daniel Cohn-Bendit, o líder dos verdes, distribuiu camisas em Estrasburgo nas quais se lê: “Stop Barroso”. Além de ter lidado mal com a crise financeira, Barroso, alega Cohn-Bendit, seria manipulado por influentes presidentes. Cohn-Bendit também diz que Blair não pode ser presidente do conselho. Motivo? O ex-premier britânico, como Barroso, apoiou a invasão do Iraque em 2003, e sua visão de Europa é neoliberal. O segundo semestre será acalorado em Bruxelas e Estrasburgo. Menos mal.

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