O Estado de S. Paulo
26/05/2009
Jamil Chade
Desigualdade, moradia e educação ainda são problemas graves
Os programas adotados no governo de Luiz Inácio Lula da Silva ainda não são suficientes para lidar com problemas de desigualdade, reforma agrária, moradia, educação e trabalho escravo, informou ontem a Organização das Nações Unidas. Comitê da ONU pelos direitos econômicos e sociais pede uma revisão do Bolsa-Família, uma maior eficiência do programa e sua "universalização". Por fim, constata: a cultura da violência e impunidade reina no País.
"O comitê está preocupado pelo fato de, apesar de contribuições significativas para a redução da pobreza, o Programa Bolsa-Família estar sujeito a certas limitações", diz o relatório final. A ONU sugere que o Brasil amplie o Bolsa-Família para camadas da população que não recebem os benefícios, incluindo os indígenas. E cobra a "revisão" dos mecanismos de acompanhamento do programa para garantir acesso de todas as famílias pobres, aumentando ainda a renda distribuída.Há duas semanas, o comitê sabatinou membros do governo em Genebra. O documento com as sugestões é resultado da avaliação dos peritos do comitê que inclui o exame de dados passados pelo governo e por cinco relatórios alternativos apresentados por organizações não-governamentais.
Os peritos reconhecem os avanços no combate à pobreza, mas insistem que injustiça social "prevalece". Um dos pontos considerados como críticos é a diferença de expectativa de vida e de pobreza entre brancos e negros. A sugestão da ONU é que o governo tome medidas "mais focadas". Na visão do órgão, a exclusão é decorrente da alta proporção de pessoas sem qualquer forma de segurança social, muitos por estarem no setor informal da economia.
ESCRAVIDÃO
Para a ONU, há um número elevado de brasileiros trabalhando em condições similares à escravidão, e acusa o uso dessas práticas nas plantações de cana-de-açúcar, em expansão pelo comércio de etanol, e no setor madeireiro. Um dos alertas é que o trabalho escravo está atingindo jovens nas famílias mais pobres. Já no trabalho infantil, os peritos pedem um maior esforço nessa questão, além de processos judiciais contra os autores dos crimes. Outro fenômeno que preocupa é o elevado número de crianças ainda vivendo nas ruas.
O combate a esse e a outros crimes poderia ser mais eficiente não fossem as ameaças contra ativistas de direitos humanos e sindicalistas, sem que ninguém seja responsabilizado pelos atos, a existência de milícias formadas até por agentes públicos de segurança e a falta de treinamento de policiais e investigação de casos de violações por agentes públicos.
A política de moradia do governo também é colocada em questão. "O comitê alerta, com preocupação, que mais de 6 milhões de pessoas no País vivem em condições urbanas precárias, que um número elevado de sem-teto existe e que a migração rumo às grandes cidades piorou a situação", afirmou. A ONU admite o esforço do governo nessa área, mas se diz "preocupada com a falta de medidas adequadas para garantir moradia às famílias de baixa renda".
Uma das promessas do governo Lula, a reforma agrária também é questionada. A ONU criticou o ritmo do processo, considerado como "lento". A demarcação das terras indígenas é igualmente alvo de críticas e a ONU lembra que, já em 2003, alertou que o processo deveria ser concluído com urgência.
Em outro trecho, a ONU alerta que 43% das crianças entre 7 e 14 anos não completam o ciclo primário em uma idade adequada. A ONU alertou para as dificuldades de mulheres, pobres e negros de terem acesso às universidades. "Há uma disparidade significativa no acesso à educação universitária."
No fim do relatório, a ONU alerta que o acesso à cultura ainda é limitado aos "segmentos afluentes" da sociedade, e os recursos para a cultura estão concentrados nas grandes cidades.
A sabatina do órgão ocorre a cada cinco anos com cada um dos governos que fazem parte da ONU. Os peritos querem que o Brasil traga os resultados dessas recomendações em sua próxima sabatina, em 2013.
TEMAS
OS PROBLEMAS APONTADOS PELA ONU NO BRASIL NA ÁREA SOCIAL
Bolsa-Família
Para a ONU, o programa está sujeito a limitações. Sugere que o Brasil amplie o Bolsa-Família
Desigualdade
A ONU afirma que o Brasil precisa "intensificar" seus esforços para reduzir as
"persistentes desigualdades" entre regiões e pessoas
Trabalho escravo
Diz que é "grande número de brasileiros trabalhando em condições desumanas e em situações similares à escravidão, ou sujeitos ao trabalho forçado"
Trabalho infantil
A ONU alerta que o trabalho infantil continua a ser generalizado. Outra preocupação é o elevado número de crianças nas ruas
Violência
O comitê da ONU afirma estar "profundamente preocupado com a cultura da violência e impunidade que prevalece no País"
Direitos Humanos
As Nações Unidas apontam o "fracasso das autoridades brasileiras em garantir a
segurança de defensores de direitos humanos"
Moradia
O comitê alerta "com preocupação" que mais de 6 milhões de pessoas vivem em condições urbanas precárias e que há muitos sem-teto
Índios
A ONU pede a inclusão de índios no Bolsa-Família. E lembra que, já em 2003, alertou que o processo de demarcação deveria ser concluído com urgência
Reforma agrária
Comitê critica o ritmo da reforma agrária, considerada "lenta", e se diz "preocupada" com o processo
Educação
A ONU alerta que 43% das crianças entre 7 e 14 anos não completam o primário em
idade adequada. E pede políticas para facilitar acesso de grupos marginalizados à universidade
Mulheres
O comitê da ONU afirma estar "preocupado" com a representação das mulheres no Brasil como "objetos sexuais".
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