segunda-feira, 11 de maio de 2009

Sérgio Cabral e o urbanismo do medo

Jornal do Brasil

11/05/2009

Coisas da Política

Rodrigo de Almeida

A resposta constrangida na ONU do secretário nacional de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, sobre os muros destinados a cercar 11 favelas do Rio de Janeiro, mostra o quanto o assunto está mal resolvido no governo federal. Mas é sobretudo o governador Sérgio Cabral, mentor da ideia, quem ainda deve uma explicação minuciosa, longa e profunda sobre suas razões. Cabral deveria aproveitar que os integrantes do COI já deixaram há tempos a cidade e encarar para valer as insistentes críticas ao seu projeto. Diria mais do que platitudes como "falar mal do muro é demagogia barata" – uma das poucas declarações que deu sobre o tema. Jogaria um jogo saudável e democrático.

No fim da semana passada, porém, coube a Vannuchi pagar o preço pelo silêncio brasileiro. Enquanto começavam as obras para erguer os muros da Rocinha – a segunda favela da série iniciada com o Dona Marta – peritos da ONU sabatinavam duramente representantes de 13 ministérios sobre programas sociais do país. Um deles questionou: "Estão fazendo muros entre as favelas e os bairros ricos. O que está sendo feito contra esses projetos?". Se seguisse a tática de Cabral, Vannuchi chamaria a pergunta de demagoga. Desconcertado, fingiu-se de desinformado.

O assunto é rumoroso desde que se anunciou a construção de 14 quilômetros de muros de três metros de altura cercando 11 comunidades da Zona Sul do Rio. A justificativa proclamada pelo governo é evitar a destruição da mata e controlar a expansão das favelas. Essa patranha já foi desmistificada: números do Instituto Pereira Passos, o centro de pesquisas da prefeitura carioca, informam que, entre 1999 e 2008, a expansão física das favelas do Rio foi de 6,9%. Pode ser muito, mas as comunidades escolhidas por Cabral cresceram apenas 1,2%. A Dona Marta, a primeira da lista, encolheu 1%. Resumo da obra: Cabral só quer murar comunidades encravadas na Zona Sul.

Isso leva o sociólogo Ignácio Cano, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, a suspeitar que "há um elemento de segurança pública no muro", escondido pelo governo para não aumentar a polêmica. Difícil achar quem discorde da suspeita de Cano. Para deixar claro: o professor e todos os críticos que já levantaram a voz contra a proposta de Cabral sabem que é importante impedir o crescimento (horizontal e vertical) das favelas, preservar o verde e barrar o adensamento e suas consequências para a qualidade de vida. Como disse o economista Sergio Besserman, não precisa ser da turma de dom Helder Câmara ou de Leonel Brizola para concordar com essa necessidade. O que se discute é o como.

Cabral tem o direito de achar que construir muros de três metros em algumas favelas da Zona Sul é uma medida inteligente. Não é surpresa para quem já classificou a Rocinha como "fábrica de produzir marginal". Mas agride a inteligência alheia quando resume as críticas a uma demagogia barata e ao fazer seus auxiliares insistirem nos argumentos exibidos até aqui. Recorrendo de novo a Sergio Besserman: as favelas escolhidas têm tido pouco crescimento horizontal, e com a mais moderna tecnologia há outras formas de contê-lo. Já o crescimento vertical de fato tem sido comum nessas áreas, mas em quê o muro vai barrá-lo?

Se o governador quisesse apenas demarcar a mata e evitar a expansão das favelas, o muro não precisaria ter três metros de altura. Bastariam 30 centímetros. Se a meta é impedir o crescimento horizontal das favelas, deveria começar o trabalho onde o problema está de fato grave: nas favelas e loteamentos irregulares da Barra da Tijuca e na Zona Oeste da cidade. Essas áreas, como lembra Besserman, não só dominam as estatísticas de expansão como têm provocado destruição ambiental nos manguezais, no Parque Estadual da Pedra Branca e no Parque Municipal Chico Mendes, entre outros espaços verdes. Mas lá não se fala em murar.

O professor Ignácio Cano sugere que o mesmo objetivo de demarcação de território poderia ser conseguido com uma intervenção menos agressiva, que não tivesse um custo econômico tão alto e não produzisse um impacto paisagístico e simbólico tão forte. E sem associar os moradores de favela à ideia de gueto. Ok, os muros não impedirão o ir e vir nas comunidades, como argumentam os defensores do projeto, mas inevitavelmente vão virar mais um símbolo do Rio – e um símbolo suficientemente nocivo para enlamear a imagem da mais bela cidade do mundo. Esse urbanismo do medo constrói a ideia de um demônio a eliminar. Em nome da utopia de um Rio sem favelas (ou sem os seus moradores).

Um comentário:

Unknown disse...

Não façamos muro então. Deixemos que as favelas sitiem a cidade, como veio acontecendo nas gestões de Cesar Maia.
Na cidade do México há favelas cercadas por muros e a população hoje apóia.
Enxergo tanto uso político nessa critica aos muros...