quinta-feira, 14 de maio de 2009

Araguaia

Folha de São Paulo




São Paulo, quarta-feira, 13 de maio de 2009




Perito identifica ossada de guerrilheiro
Corpo descoberto em 1996 tem as mesmas características de Bergson Gurjão Farias, morto pelo Exército no Araguaia em 1972

Será preciso fazer um novo exame de DNA nos restos mortais para tornar oficial o reconhecimento feito na perícia pedida pela Câmara

SERGIO TORRES
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA

Exumado há 13 anos em Xambioá (norte de Tocantins), o esqueleto batizado de X-2 pelo governo federal e por peritos que o examinaram apresenta características idênticas às do guerrilheiro Bergson Gurjão Farias, morto no Araguaia, cujo corpo jamais foi localizado.
Para tornar oficial o reconhecimento, é preciso fazer novo exame de DNA nos restos mortais em posse da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos da Presidência da República, recomenda perícia recém-concluída, encomendada pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados.
Autor do relatório, o perito Domingos Tocchetto, professor de criminalística da Escola Superior de Magistratura, lista no documento coincidências entre as conclusões dos exames nos ossos recolhidos em 1996 e as características físicas de Jorge (codinome de Farias), primeiro guerrilheiro morto na região do Araguaia (sudeste do Pará, norte de Tocantins, então Goiás, e sul do Maranhão).
Perito de casos famosos, como os assassinatos de PC Farias (1996) e da jornalista Sandra Gomide (2000), Tocchetto, 65, estudou o "Informe Antropológico Forense", preparado por especialistas argentinos contratados pela Comissão de Mortos e Desaparecidos.
O relatório foi comparado com documentos relacionados a Jorge antes de aderir à guerrilha do Araguaia, no início dos anos 70, organizada pelo então clandestino PC do B. A documentação foi coletada pelo então presidente da Comissão de Direitos Humanos, deputado Pompeo de Mattos (PDT-RS).
Em sua análise -documental apenas, pois não teve acesso aos ossos-, Tocchetto aponta evidências de que a ossada é de Jorge, líder estudantil na década de 60 no Ceará, morto em 2 de junho de 1972 por militares que combatiam a guerrilha.
Ao examinar o esqueleto, a perícia argentina encontrou fraturas ósseas antigas, outras ocorridas pouco antes da morte e até algumas após a morte.
Segundo os argentinos, chefiados pelo antropólogo Luis Fondebrider, da equipe que achou e identificou na Bolívia, em 1997, os restos mortais de Che Guevara, o crânio desenterrado no Araguaia tinha alteração na mastóide direita (osso atrás da orelha). Espancado em 1968 num protesto estudantil, Jorge lesionara a área, segundo relatos passados a Tocchetto.
O fêmur direito tinha fratura sofrida quase na hora da morte. Guerrilheiros que testemunharam a emboscada e soldados que viram o corpo contam que Farias teve as pernas metralhadas. Como antes de morrer ele baleara um oficial, após a morte teve o corpo espancado com violência e perfurado por baionetas, segundo testemunhas. Os peritos apontaram fraturas pós-morte na face, além da clavícula e do braço esquerdos.
A ossada tem as mesmas características de Farias -um homem branco, entre 25 e 33 anos, de 1,74 m a 1,85 m de altura. Os dentes do guerrilheiro tinham obturações antigas -10 tinham sinais de tratamento.
A secretária-executiva da Comissão de Mortos e Desaparecidos, Vera Rotta, disse que dois exames de DNA feitos na ossada foram inconclusivos. Segundo ela, os ossos estão sob guarda do governo à espera de avanços que possam levar à identificação. Rotta diz que há mais seis ossadas em poder da comissão, não identificadas.
Dos desaparecidos no Araguaia, o único corpo identificado foi o de Maria Lúcia Petit, exumada em cova vizinha à do corpo que pode ser o de Jorge.

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