quinta-feira, 7 de maio de 2009

O Brasil longe de um FMI por fora

O Estado de São Paulo

07/05/2009

Roberto Macedo

A atual crise econômica internacional teve bons e maus antecedentes. Entre os primeiros destacou-se o grande crescimento da economia internacional e do seu comércio entre 2003 e 2008, o que mudou radicalmente a situação das contas externas brasileiras. Em particular, permitindo ao País acumular grandes reservas e escapar das tradicionais dificuldades cambiais que marcaram a maioria de suas crises econômicas no passado. Na sequência, também sumiu do noticiário nacional a tradicional referência à chamada escassez de divisas, que por décadas marcou nossas contas externas com sérios impactos no crescimento econômico. Era também um argumento muito usado em pedidos de financiamento ao BNDES e voltados para substituir importações mediante produção local.
Os maus antecedentes vieram da proliferação de produtos exóticos no mercado financeiro internacional, com excesso de alavancagem e má avaliação de riscos, daí sucedendo as dificuldades financeiras que levaram à contração internacional do crédito e trouxeram a crise ao Brasil.
Impulsionado pelos bons antecedentes, o Brasil hoje está longe do Fundo Monetário Internacional (FMI). E, numa situação ainda mais insólita, dispondo-se a emprestar recursos a essa instituição. Nessa situação o País deixou de passar pelas humilhações a que se submeteu no passado. Quando participei de negociações com o FMI, elas me lembraram mais minha experiência de bancário do que o aprendizado e o trabalho como economista. Sem nada de sofisticação, o Brasil lá chegava como um cliente a dizer que estava sem dólares e precisava de um empréstimo para reforçar o caixa. Sendo um país soberano, não cabiam garantias materiais, mas acabava se sujeitando a uma série de condicionalidades para obter o dinheiro, o que arranhava a sua soberania na condução da política econômica.
Com o FMI distante, a sensação que se tem é de que ele anda meio por fora dessa crise. E não só aqui, pois o noticiário financeiro continua dominado pela questão da fragilidade do sistema bancário dos EUA. A grande figura financeira do momento é o secretário do Tesouro americano, Timothy Geithner, e não o diretor-gerente do FMI, Dominique Strauss-Kahn. O primeiro, recém-lançado às manchetes, já acumula 3,9 milhões de referências no Google. O segundo, no posto desde novembro de 2007, tem 1,3 milhão.
Vez por outra, entretanto, o FMI surge na imprensa, como aconteceu na reunião do G-20 realizada em Londres no início de abril, na qual seu papel foi sintomático também de um novo quadro. Em lugar de oferecer dinheiro, quem precisou reforçar seu caixa foi o FMI, às voltas com uma série de países que na esteira da crise bateram às suas portas, em particular os da Europa Oriental e o México, que, reconheça-se, ele vem ajudando e cumprindo seu papel.
Mais recentemente, no final de abril, o FMI voltou às manchetes com a realização de mais uma de suas reuniões periódicas. Nela, meio que chovendo no molhado, o sr. Strauss-Kahn voltou a dizer que a crise só será vencida quando o balanço dos bancos estiver limpo. Além de trivial, essa observação significa um papel secundário para o FMI, pois essa limpeza é tarefa dos governos nacionais, sobretudo o dos EUA.
O FMI tem também recebido atenção por força de previsões suas que levantam sobrancelhas. Quando a economia internacional ia bem, vendia otimismo, mas agora parece carregar nas tintas negras em dosagens crescentes. Numa dessas previsões, conforme relatou Rolf Kuntz, deste jornal, enviado especial à reunião, há um ano o FMI estimou em US$ 1 trilhão as perdas financeiras ligadas a ativos de natureza local. Em outubro essa estimativa subiu para US$ 1,4 trilhão. Depois, em janeiro, ela subiu para US$ 2,4 trilhões e a estimativa atual é de US$ 2,7 trilhões, com o potencial de chegar a US$ 4 trilhões se contadas as perdas de todo o sistema financeiro mundial.
Também recentemente vieram novas previsões para o desempenho da economia mundial e mereceu destaque a previsão de uma queda de 1,3% para o produto interno bruto (PIB) brasileiro em 2009. Ora, é uma previsão que pode ter até fundamentos "técnicos", como alguma projeção da queda recente da economia brasileira, mas para o futuro o número carece de credibilidade, pois a ciência econômica não permite, particularmente em condições de tanta incerteza como as de hoje, chegar a números inteiros e muito menos a casas decimais confiáveis para o nosso PIB no fim do ano. Em contraste com esse número do FMI, no final do mês passado os analistas que trabalham no mercado financeiro brasileiro previam uma queda de 0,3%, segundo o levantamento semanal do Banco Central. Mas quem quiser acertar precisa ser mais humilde e trabalhar com intervalos, como o de uma taxa entre zero e 1%.
Noutra previsão, em novembro de 2008, o mesmo diretor afirmou que em 2009 o preço médio do barril de petróleo deverá alcançar US$ 100. Desde o início do ano o preço esteve bem abaixo disso e, mesmo recentemente subindo, ontem estava em cerca da metade, e vai precisar crescer muito para chegar a essa média.
A sensação que se tem é de que, sem muito espaço para atuar nas questões mais relevantes, como a do sistema bancário americano, o FMI procura ganhar atenção utilizando essas formas de aparecer na imprensa, que as colhe com seu tradicional viés pelo insólito.
Insistindo em previsões que, embora apoiadas por cálculos de todo tipo, não passam, nas condições atuais, de "educated guesses", ou adivinhações educacionalmente embasadas, mas ainda assim adivinhações, o FMI corre o risco de arranhar a sua credibilidade. Esperemos que a imprensa, que tanto espaço vem dando à divulgação delas, se dê também ao trabalho de conferi-las.
Roberto Macedo, economista (USP e Harvard), professor
associado à Faap, é vice-presidente da Associação Comercial de São Paulo.

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