domingo, 31 de maio de 2009

Novos rebeldes desafiam poder na China

Folha de S. Paulo

31/05/2009

Raul Juste Lores
Jovens, que não aprenderam na escola o que houve há 20 anos na praça da Paz Celestial, reavivam contestação ao governo

Ícones do movimento, ainda modesto, são garçonete que matou político que tentava estuprá-la e rapaz que se vingou de torturadores

O site Youtube está bloqueado na China, e imagens do estudante que tentou impedir sozinho a chegada de tanques à praça da Paz Celestial são desconhecidas pela maioria no país.
O massacre que reprimiu os protestos por democracia, em Pequim, deixando 241 mortos, segundo cifras oficiais, ou até 7.000, de acordo com algumas estimativas independentes, faz 20 anos nessa quinta-feira e se tornou o maior tabu nacional.
A China é outra: a renda per capita cresceu dez vezes e a luta por democracia desapareceu dos grandes debates nacionais.
Mas, às vésperas do aniversário da tragédia, multiplicam-se os casos de rebeldia de jovens contra os abusos do poder.
Uma geração que nunca aprendeu na escola o que aconteceu naquela praça começa a organizar "passeatas virtuais" na internet, apesar da censura. É ação de uma minoria, que destoa da despolitização da juventude chinesa após 1989.

Heroína instantânea
A garçonete Deng Yujiao, 21, virou heroína instantânea para milhares de jovens depois de matar, há duas semanas, um figurão do Partido Comunista que tentava estuprá-la em um karaokê na Província de Hubei, centro-leste da China.
A moça foi presa na hora -a polícia disse que havia remédios antidepressivos em sua bolsa, que o crime havia sido premeditado, e autoridades cassaram a licença dos advogados que queriam defendê-la.
A novidade é a reação à atitude da polícia e da Justiça chinesas. Estudantes da Universidade das Mulheres, de Pequim, fizeram uma performance em homenagem a Deng.
O vídeo da performance na internet recebeu 100 mil comentários a favor de Deng até anteontem. A pressão tomou proporção tal que, na véspera, Deng já havia sido solta.
No início do mês, um rapaz de 25 anos foi morto enquanto cruzava uma faixa de pedestres, atropelado por estudantes que disputavam um racha.
Os criminosos são filhos de ricas famílias de Hangzhou, com bons contatos no Partido Comunista. A polícia disse que os carros iam a "apenas 70km/ h", e o Departamento de Propaganda local determinou que a mídia ignorasse o assunto.
Grandes vigílias exigindo justiça foram organizadas e centenas de blogs se encarregaram de espalhar o encobrimento.
Em 2008, Yang Jia, 28, matou seis policiais com um punhal -ele alegou que havia sido preso e torturado por não ter a licença de sua bicicleta. Antes, tentou entrar com um processo contra os policiais, arquivado imediatamente.
Yang condenado à morte -o escritório dos advogados que tentaram defendê-lo foi fechado pela Justiça, e a mãe de Yang, testemunha da tortura, ficou detida por seis meses. Só foi libertada depois que seu filho foi executado. Manifestações no tribunal e milhares de comentários em blogs defenderam a ação violenta de Yang contra o abuso policial.

Mais cínicos
"É perigoso que uma sociedade inteira seja obcecada por política, mas é patético quando toda a sociedade é alienada", disse à Folha o advogado Pu Zhiqiang, 44.
Pu foi um dos líderes da greve de fome que os estudantes organizaram em maio de 1989 na praça da Paz Celestial, que angariou apoio ao movimento pró-democracia e ajudou a desencadear a reação do governo que acabaria no massacre. "Ficamos cínicos, mas a demanda por mais justiça é animadora."
A elite universitária deixou de ser foco de agitação pró-democracia 20 anos depois.
O diretor do Centro de Estudos Chineses e Globais da Universidade de Pequim, Pan Wei, diz que a democracia com eleições e múltiplos partidos "só traria caos e agitação à China".
"Não temos grandes tensões entre ricos e pobres, patrões e proletários, zona urbana e rural. Mas uma campanha eleitoral precisa de agitação, levanta tensões adormecidas. Nosso sistema é melhor", afirma.
Mesmo com a ação dos novos rebeldes, algumas coisas não mudam. Na última semana, 12 advogados reconhecidos por defender os direitos humanos tiveram suas licenças cassadas.

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