domingo, 3 de maio de 2009

Conservadores disputam poder no Irã

O Estado de São Paulo

03/05/2009

Muhammad Sahimi
Justo quando as relações entre EUA e Irã pareciam estar melhorando, como resultado da recente abertura do presidente Barack Obama em relação a Teerã, uma nova polêmica surgiu. Roxana Saberi, de 31 anos, jornalista independente americana de ascendência iraniana, foi presa em Teerã, julgada e condenada por espionagem para os EUA.
Qual é a raiz desses desanimadores acontecimentos? Tudo está relacionado à disputa de poder em curso no Irã. Mas, diferentemente do passado, a luta se dá entre as várias facções conservadoras, e não entre reformistas e os linhas-duras.
Aqueles familiarizados com a estrutura de poder iraniana sabem que os conservadores estão muito desunidos e enfrentam grandes dificuldades. O governo do presidente Mahmoud Ahmadinejad mostrou-se incapaz de resolver a montanha de problemas sociais, econômicos e políticos do Irã, e enfrenta oposição interna e externa.
Do ponto de vista interno, os reformistas têm agora diante de si a melhor chance em anos de expulsar os conservadores do Executivo. Do ponto de vista externo, a retórica de Ahmadinejad isolou o Irã.
Isto detonou nos bastidores uma acirrada disputa pelo poder entre os conservadores pragmáticos e os linhas-duras. Apesar do grande esforço empreendido pelos conservadores para ocultar as divergências entre si, as grandes fissuras se tornaram óbvias.
As eleições presidenciais ocorrem em 12 de junho. Serão, talvez, as eleições mais importantes desde a Revolução de 1979, pois as diferenças entre reformistas e conservadores nunca foram tão acentuadas.
Os reformistas apresentaram dois candidatos, Mir Mousavi, ex-premiê nos anos 80, e Mahdi Karroubi, ex-presidente do Parlamento iraniano.
Os conservadores não escolheram um candidato simplesmente porque não conseguem se decidir quem apoiar. Os conservadores mais moderados e pragmáticos não querem a reeleição de Ahmadinejad e preferem indicar um candidato relativamente moderado.
Eles acreditam que, caso contrário, um dos candidatos reformistas acabará eleito, possivelmente com grande vantagem nas urnas. Eles também desejam reduzir as tensões com o governo Obama.
Os linhas-duras, por sua vez, querem manter o apoio a Ahmadinejad e às suas medidas. Apesar de o próprio presidente ter expressado interesse em negociações com os EUA, seus principais partidários suspeitam da abertura oferecida por Obama e se opõem à reaproximação com a Casa Branca.
Entre os eleitores de Ahmadinejad estão a maioria dos funcionários do serviço secreto, parte do alto comando da Guarda Revolucionária e os clérigos linhas-duras, juntamente com seus seguidores.
AMEAÇAS
Há dois motivos pelos quais os partidários de Ahmadinejad se sentem ameaçados por qualquer tipo de reaproximação com os EUA. Em primeiro lugar, a melhoria na relação entre os dois países fortaleceria os reformistas e defensores da democracia no Irã.
Nesse caso, os reformistas não seriam mais acusados de agir contra o interesse nacional do Irã ao defender melhores relações com os EUA. Ao mesmo tempo, cientes da própria impopularidade, os linhas-duras estão apavorados pela perspectiva de uma "Revolução de Veludo". Assim, tentam impedir o contato entre iranianos e americanos, coisa que ocorrerá inevitavelmente caso a relação entre os dois países melhore. A prisão de Roxana Saberi deve ser enxergada nesse contexto.
Em segundo lugar, melhores relações com os EUA implicariam, necessariamente, na suspensão de ao menos parte das sanções econômicas impostas ao Irã por Washington e seus aliados. Isso ameaçaria o imenso poder econômico dos linhas-duras, que controlam parte significativa da economia oficial e clandestina do Irã.
Se as sanções forem suspensas e uma sociedade mais aberta emergir, os linhas-duras perderão muito de seu poder econômico. Além disso, o potencial surgimento de uma imprensa livre provavelmente revelará a profundidade da corrupção, levando à perda de seu poder político. Por isso, os linhas-duras buscam criar uma nova crise com os EUA para evitar uma reaproximação, além de desviar as atenções de suas disputas sectárias.
Roxana é vítima do conflito entre os linhas-duras e os conservadores pragmáticos. As acusações feitas contra ela parecem ter sido fabricadas. A situação enfrentada por Roxana mostra como é significativa qualquer melhoria nas relações entre Irã e EUA. Tais melhorias resultarão, no final, em um Irã mais aberto e democrático, onde o respeito à lei e aos direitos humanos seja absoluto. Isso teria grande impacto na busca pela paz no Oriente Médio.
*Muhammad Sahimi é professor de engenharia química e ciência dos materiais na Universidade do Sul da Califórnia

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