quinta-feira, 7 de maio de 2009

O fim da era do dólar

Folha de São Paulo

07/05/2009

Roberto Luis Troster
TENDÊNCIAS/DEBATES


NO PERÍODO entre as duas guerras mundiais, o centro financeiro internacional se deslocou de Londres para Nova York e a moeda norte-americana substituiu a libra esterlina como o lastro mais importante das trocas internacionais.
A mudança foi motivada por falhas da política adotada pelos ingleses e pela nova dinâmica da economia dos EUA. Marcou o nascimento de uma época. O acordo de Bretton Woods, em 1944, legitimou o papel do dólar, e a pujança da economia norte-americana nos anos seguintes o consolidou.
A partir da década de 1970, começaram os sinais de esvaziamento do papel do dólar. O primeiro foi o fim de sua conversibilidade em ouro, no governo Nixon. O choque de juros do Fed -banco central norte-americano- na década de 1980 teve um impacto adverso no resto do mundo, inclusive no Brasil. Isso motivou o aparecimento de projetos para escolher outra moeda reserva internacional.
O mais conhecido foi o de Robert Mundell, Nobel de Economia, e o mais recente foi o do presidente do Banco Central da China, Zhou Xiaochuan, no G20, propondo uma nova moeda reserva. O ponto é que a era do dólar está chegando ao fim.
A atual crise mostrou a importância, para o bem e para o mal, que a solidez financeira mundial tem. E deixou claro que os conflitos de interesses do Fed entre administrar a taxa de juros interna e a liquidez global são consideráveis e prejudicam o resto do mundo em determinadas situações.
A bem da verdade, uma das causas dos problemas enfrentados pelo mundo atualmente foi o endividamento, além do razoável, dos EUA, que foi possível apenas por ser o emissor da moeda reserva internacional.
As perspectivas para a economia norte-americana são de enfraquecimento, com juros mais elevados e crescimento moderado, um lastro mais fraco para sua moeda. O privilégio dado ao dólar perdeu alguns fundamentos e é conveniente a mudança.
A proposta chinesa é usar o direito especial de saque (DES), uma moeda escritural que é valorizada em função da cotação do dólar, do iene, da libra esterlina e do euro e é administrada pelo FMI. Seria um avanço, pois apresentaria menos volatilidade cambial e menos dependência da condução da política econômica dos EUA. É uma boa base para iniciar o debate sobre qual é a mudança mais conveniente.
O dólar já está sendo deslocado na prática. O iene, o yuan e o euro estão ocupando espaços. O Brasil já tem um tratado em vigor com a Argentina para usar apenas o real e o peso e está negociando usar no comércio com a China o yuan e o real.
Se a substituição do dólar por outras moedas elimina um problema, ela também cria outros. A existência de muitas moedas dificulta desnecessariamente o comércio e os fluxos financeiros. Não interessa nem ao comércio nem às finanças uma volatilidade das moedas. A realidade pede a construção de uma moeda reserva global mais estável que o dólar.
É tarefa complicada. Duas construções globais mostram que é possível. O acordo da Basileia nos anos 1980 globalizou a regulamentação prudencial. Um conjunto de propostas informais de uma dezena de banqueiros centrais se transformou em leis bancárias em mais de 150 países uma década depois. Homogeneizou e aprimorou as normas de controle de risco, com contribuições adicionais de todos os países, inclusive do Brasil.
A outra construção que deu certo foi o euro. O tratado de Maastricht, em 1992, resultado de anos de debates, se propunha a usar uma única moeda nos países signatários. A perda de soberania monetária seria mais que compensada por menor volatilidade cambial, fluxos financeiros mais estáveis e uma dependência menor da flutuação da moeda norte-americana.
Embora o ceticismo com o euro fosse considerável, ele hoje substitui com sucesso o marco alemão, o franco francês etc. A moeda europeia já tem um papel de destaque nos fluxos financeiros globais. Poder-se-ia pensar num projeto análogo para uma moeda internacional.
Interessa ao Brasil e aos demais emergentes um arranjo monetário mais adequado aos novos tempos.
Não é a primeira crise causada nos países emergentes pela condução da política monetária norte-americana.
O processo de mudança deve começar, e a construção de uma nova moeda reserva é complexa e demorada. O Brasil tem que ser um ator nessa tarefa e se posicionar estrategicamente em relação ao tema.

ROBERTO LUIS TROSTER , 58, doutor em economia pela USP, é sócio da Integral Trust. Foi economista-chefe da Febraban (Federação Brasileira dos Bancos), da ABBC e do Banco Itamarati.

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