segunda-feira, 18 de maio de 2009

China e petróleo no futuro do Brasil

Valor Econômico

18/05/2009

Sergio leo

Para felicidade dos que apreciam a inteligência, o professor Antônio Barros de Castro, recém-saído de uma delicada sucessão de cirurgias, volta hoje ao debate público, numa participação de última hora no Fórum Nacional promovido pelo ex-ministro Reis Velloso. Barros de Castro apresentará a última revisão do estudo mostrado pela primeira vez durante a comemoração dos 200 anos do ministério da Fazenda, no ano passado. Ele garante que, apesar da crise financeira, inaugurou-se um novo grande ciclo na economia mundial, puxado pela China e favorável a países ricos em recursos naturais. Como o Brasil.

Na semana em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva visita a China e a Petrobras é ameaçada com uma CPI pela oposição, as teses do professor Barros de Castro ganham um valor especial. O economista, ex-presidente do BNDES, onde hoje é assessor, afirma que, mesmo antes da crise financeira mundial, o mundo vinha deslocando o eixo de sua atividade comercial para a China, onde o recente dinamismo industrial "veio para ficar"; o mercado interno chinês promete ser fonte inesgotável de estímulo e pressão duradoura sobre certos mercados de matérias primas e fontes de energia.

Esse novo ciclo cria desafios para o Brasil, grande produtor de bens primários, que ganharam mais importância com o achado das gigantescas reservas de petróleo na chamada camada pré-sal da costa brasileira. Estudos do BNDES com base nos "preços de referência" projetados pelo Departamento de Energia dos EUA (barril de petróleo a US$ 72 entre 2015 e 2020, e a US$ 78 em 2025) indicam que, deixadas ao sabor das forças de mercado, as exportações brasileiras de petróleo chegariam a 27% do total das vendas externas do país em 2025 e a 28% em 2030; e ultrapassariam 40% se os preços acompanhassem as hipóteses mais fortes, acima de US$ 130 o barril, nesses anos.

O Brasil está bem servido de instituições para lidar com a maior importância do petróleo na economia nacional e distribuição das riquezas e responsabilidades geradas pela exploração do pré-sal, acredita Barros de Castro. Mais complicado é definir políticas a serem aplicadas nesse novo cenário, diz ele. Deixar a exploração de petróleo aos interesses do mercado seria esgotar mais rapidamente esse "bilhete premiado", e aprofundar a dependência da economia brasileira em relação a um recurso natural específico, trazendo efeitos negativos como dívidas e desestímulo à indústria.

Ele cobra uma visão de longo prazo, principalmente na maneira lidar com a forte entrada de recursos estrangeiros, de investimentos e exportações associados ao petróleo - fenômeno que estimula perigosamente o endividamento externo.

"Para que acelerar o avanço da oferta, gerando recursos que não devem e possivelmente não serão proximamente usados?", pergunta Barros de Castro, ao sugerir que o governo controle a expansão da exploração do petróleo e concilie essa atividade com outras mudanças e outros objetivos na estrutura industrial brasileira. O economista prevê um "conflito de interesses" com "ressonâncias no plano interno": de um lado, os interesses de longo prazo do país; do outro, os dos potenciais consumidores e produtores do óleo brasileiro.

Vai ter gente defendendo explorar com intensidade o pré-sal, até com o argumento de que petróleo deixará de ser importante fonte de energia em breve. Essa previsão é, porém, um motivo a mais para evitar que a economia brasileira se subordine à exploração desse recurso esgotável, contra-argumenta ele. Barros de Castro afirma que a descoberta do pré-sal só dramatizou a guinada econômica para a qual o Brasil vem sendo empurrado com a emergência consumidora da China. Uma mudança expressa na crescente importância de commodities na pauta de exportações brasileira.

É preciso entender essa mudança ao promover o apoio governamental ou tomar decisões empresariais no setor produtivo. Há atividades no Brasil fadadas à extinção e outras que merecem apoio e podem ser atropeladas pela pressão sobre os recursos naturais de exportação, alerta Barros de Castro. Forte estímulo à tecnologia e à indústria pode acompanhar o investimento nas commodities, com iniciativas como projetos de automação para equipamentos de águas profundas ou o desenvolvimento de máquinas agrícolas mais apropriadas para as características do campo brasileiro (e africano ou sul-americano).

Barros de Castro dá uma lição importante: as políticas para regiões ou empresas em dificuldades devem basear-se no "potencial por eles apresentado no novo contexto, não por suas qualidades ou problemas no passado recente". Como sempre, o professor vai muito além da velha quizília sobre se o governo deve ou não intervir na economia. Deveriam ouvi-lo mais.

Enquanto isso, na Arábia...

A Arábia Saudita, visitada neste fim de semana pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tem o que se pode chamar de governo baseado numa interpretação radical e anacrônica do Alcorão. O homossexualismo é punido até com decapitação; a única religião permitida é o islamismo, judeus são discriminados e um blogueiro de lá foi preso por revelar que havia se tornado cristão; mulheres não podem votar nem andar desacompanhadas nas ruas (no Irã, podem). Trabalhar ou tirar documentos de identidade, só autorizadas por um homem. Além disso, não há imprensa ou sindicatos livres.

Ao receber o ministro Celso Amorim, na Câmara, na semana passada, deputados como Fernando Gabeira nem notaram a visita de Lula a esse país de regime medieval. Também se calaram os defensores dos direitos humanos que condenam, veementes, a política do Itamaraty para Irã e África. A Arábia, ao contrário do Irã, é aliada dos EUA e não ameaça o monopólio de Israel no domínio da tecnologia nuclear no Oriente Médio.

Amorim ganhou mais um argumento para sua tese de que certos críticos da política externa brasileira parecem guiados pelas agendas internacionais de outros países.

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