quinta-feira, 7 de maio de 2009

Governo pode guardar ossada de militante, diz perícia

Jornal do Brasil

07/05/2009

Vasconcelo Quadros

Parecer sugere que restos são compatíveis com perfil de guerrilheiro
BRASÍLIA
Parecer emitido pelo perito gaúcho Domingos Tocchetto, a pedido da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, aponta "probabilidade técnica e científica" de que uma das ossadas guardadas num armário da Secretaria Especial de Direitos Humanos, no Anexo do Ministério da Justiça, em Brasília, corresponda aos restos mortais do ex-guerrilheiro Bérgson Gurjão de Farias _ primeiro militante do PCdoB morto, em 2 de junho de 1972, na Guerrilha do Araguaia e ex-estudante de química da Universidade Federal do Ceará.

Tocchetto analisou relatórios, fotografias e um documento denominado informe antropológico forense, produzido por uma equipe de peritos argentinos, que recolheu corpos de supostos guerrilheiros no Araguaia. Segundo ele, detalhes como a arcada dentária e lesões na mastóide e num dos braços da ossada analisada coincidem com informações prestadas por familiares dos ex-guerrilheiro aos argentinos, que deram ao corpo retirado do Cemitério de Xambioá a identificação de X2.

Lido ontem durante sessão da comissão na Câmara pelo deputado Pompeo de Mattos (PDT-RS), ex-presidente da CDH, Tocchetto sugere a nomeação de uma junta de peritos especializados em análise forense e o recolhimento de informações sobre o histórico de Bérgson Gurjão Farias para realizar um confronto através dos métodos antropométricos e somatométricos.

Ele também afirma que, apesar do tempo, ainda é possível fazer o teste de DNA, que seria extraído dos dentes ainda preservados da ossada e confrontado com o sangue colhido pela Comissão de Mortos e Desaparecidos, ligada à Secretaria Especial de Direitos Humanos, de três familiares de Bérgson. A assessoria do ministro dos Direitos Humanos, Paulo Vannuchi informou, no entanto, que o Instituto Genomic, contratado pelo governo, realizou vários testes, mas nenhum deles deu positivo. Segundo a assessoria, os outros exames realizados foram inconclusivos.

Tocchetto sustenta, no entanto, que seus colegas argentinos recuperaram, em 2003, 21 dentes da arcada dentária dos ossos retirados, em 1996, de uma cova do Cemitério de Xambioá onde os moradores dizem que Bérgson Farias foi enterrado. Segundo ele, alguns dentes estavam em bom estado de conservação e poderiam também ser confrontados com a ficha dentária do ex-guerrilheiro que, antes de seguir para o Araguaia, fez tratamento com um dentista em São Paulo. Os peritos argentinos apontam no informe que dez dos 21 dentes examinados à época passaram por tratamento.

Além de indicar o nome de outros cinco especialistas em perícia forense, Domingos Tocchetto sugere a busca de vários documentos sobre o histórico do militante do PCdoB: atestado médico que indicaria o tratamento da mastóide – segundo a família a lesão foi provocada por um confronto de rua com a polícia cearense, em 1968 –, dados pessoais e antropométrico a ser fornecido pela Federação Cearense de Basquete (ele foi jogador), o certificado de alistamento militar do Centro de Preparação de Oficiais da Reserva (CPOR) do Ceará, a ficha individual datiloscópica, relatórios militares e o álbum dos pelotões com informações e fotografias do militantes que atuaram na Guerrilha do Araguaia.

– Concluímos que ainda existe a possibilidade técnica e científica de se identificar a pessoa a quem corresponde o esqueleto denominado X-2, e se essa pessoa é Bérgson Gurjão Farias – sustenta Tocchetto. O guerrilheiro foi morto numa emboscada, depois de trocar tiros com um pelotão de para-quedistas e acertar um tiro no então tenente Álvaro Pereira, hoje general da reserva e um dos ideológos das Forças Armadas. Revoltada com a ousadia, o resto da tropa trucidou o guerrilheiro. O deputado José Genoíno (PT-SP), ex-guerrilheiro e companheiro de Bergson no movimento estudantil cearense, diz que o corpo, já sem vida, foi perfurado a estocadas de baioneta e, depois, pendurado de cabeça para baixo em uma árvore da base militar em Xambioá.

– Identificar e sepultar o Bérgson é o sonho da vida de minha mãe – diz a farmacêutica Ielnia Farias Johnson, irmã do guerrilheiro. A mãe do militante do PCdoB, Luiza Farias, tem 94 anos, mora em Fortaleza e, segundo Ielnia, aguarda com ansiedade notícias sobre o filho desaparecido há 36 anos. A irmã conta que há cerca de um ano e meio, uma integrante da Comissão de Mortos e Desaparecidos, Iara Xavier, esteve em Fortaleza, recolheu o sangue de sua mãe e de dois irmãos, mas que depois nada mais se soube das providências. A comissão montou um banco de sangue para fazer o confronto de DNA, mas até hoje não identificou por esse método nenhum dos 59 guerrilheiros desaparecidos.

– O que fez a Comissão de Mortos? Deu-se a colher sangue e material salivar de mães idosas sem conhecimento científico adequado. O Ministério da Defesa e o Ministério da Justiça devem cobrar explicações de porque uma comissão de leigos poderia ser responsável por identificações – disse Pompeo de Mattos ao apresentar a conclusão do perito na Câmara. O deputado cobrou do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a imediata transferência das ossadas recolhidas no Araguaia – e que se encontram num armário da Comissão de Mortos e Desaparecidos – para um laboratório adequado. Também pediu que o governo determine a imediata investigação dos ossos cujos indícios apontam pertencer ao ex-militante do PCdoB.

O deputado também pediu que o caso seja apurado pelo Ministério Público Federal e pela juiza Solange Salgado, autora da sentença que obriga o governo a apontar aonde foram parar os corpos dos guerrilheiros. Ele disse estranhar que depois de o JB ter noticiado o pedido de análise e a existência de ossadas na SEDH, o Ministério da Defesa ter publicado portaria criando um grupo de trabalho, coordenado pelo comandante do Exército, Enzo Peri, para realizar novas buscas no Araguaia. – Fica a dúvida: buscar mais corpos para que? Para aumentar o acervo da Comissão de Mortos e Desaparecidos já existentes em seu armários? – pergunta Pompeo de Mattos. Ele diz que entregará o relatório aos ministros Nelson Jobim, da Defesa, Tarso Genro, da Justiça, e Paulo Vannucchi, da SEDH, dos quais cobrará providências. A eventual identificação de Bérgson pode indicar que também são de guerrilheiros as 12 ossadas guardadas no armário da SEDH.

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