sexta-feira, 1 de maio de 2009

“Desconforto” entre Israel e o Brasil

Correio Braziliense

01/05/2009

Viviane Vaz e Silvio Queiroz

O Itamaraty trava com Israel uma discreta e polida queda de braço em torno da visita do presidente iraniano, Mahmud Ahmadinejad, que virá a Brasília na próxima quarta-feira com uma comitiva de 130 integrantes — entre ministros, funcionários e empresários. Depois de a chancelaria ter chamado o embaixador brasileiro, Pedro Motta, para manifestar seu desconforto pela decisão brasileira de receber Ahmadinejad, ontem o presidente do Parlamento enviou cartas aos presidentes da Câmara e do Senado para reforçar as objeções à aproximação do Brasil com um governante que nega o Holocausto e fala em “riscar Israel do mapa”.

“Nós ouvimos e tomamos nota das preocupações”, disse ao Correio um diplomata brasileiro, “mas sabemos que essa é a praxe deles, fazem sempre o mesmo”. Há duas semanas, Israel chamou para consultas seu embaixador na Suíça em protesto pela reunião do presidente Hans-Rudolf Merz com Ahmadinejad, na véspera do dia em que são lembradas as vítimas do Holocausto. O Itamaraty não considera provável a repetição da medida com o Brasil, que divulgou nota censurando as posições do presidente iraniano e antecipando que o presidente Lula abordará o tema com o colega. “Não estamos recebendo Ahmadinejad para referendar as posições dele sobre essas questões.”

O embaixador do Irã no Brasil, Mohsen Shaterzadeh, falou ontem à imprensa sobre a visita do presidente, a primeira de um chefe de Estado iraniano em 100 anos de relações diplomáticas. “É a maior delegação do Irã em visita a um país estrangeiro”, destacou o embaixador. Ahmadinejad e Lula tratarão principalmente das relações bilaterais, sobretudo de comércio e parcerias na área energética. Também deve ficar acertada uma viagem de Lula ao Irã até o fim do ano.

Em entrevista exclusiva ao Correio (leia abaixo), Shaterzadeh adiantou que o governo de Teerã abriu uma linha de crédito de US$ 200 milhões para investimentos no Brasil. Empresários de mais de 65 companhias participarão de um seminário na Fiesp, em São Paulo, onde a presença de Ahmadinejad está motivando a organização de protestos da comunidade judaica.
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Entrevista - MOHSEN SHATERZADEH
Teerã quer lugar no “triângulo do Sul”

O embaixador do Irã no Brasil, Mohsen Shaterzadeh, falou com exclusividade ao Correio sobre os principais temas que serão tratados na visita do presidente Mahmud Ahmadinejad e no encontro com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Investimentos
O Brasil é o melhor lugar para a reexportação dos produtos iranianos para a América Latina, e o Irã é o melhor lugar para a reexportação dos produtos brasileiros para a Ásia Central e o Oriente Médio. Podemos usar a linha de crédito (aberta pelo governo iraniano, com fundos de US$ 200 milhões) para as reexportações entre os dois países. Esse valor é um primeiro passo, mas a longo prazo poderá chegar a bilhões de dólares. Os bancos brasileiros também são bem-vindos no Irã. E também convidamos as empresas de seguro iranianas para vir ao Brasil.

Petrobras no Irã
Certamente, a Petrobras é uma parte importante e já está presente em Tusan, no sul do Irã. Qualquer novo investimento será muito bem-vindo. E o Irã também pode cooperar, não só na área de petróleo, como também em petroquímica e refinarias. O Brasil tem grande experiência em hidrelétricas, e o Irã, na construção de termelétricas. Há projetos de usinas em terceiros países nos quais o Brasil poderia colaborar.

Brasil na Opep
O presidente Lula, baseado nas novas descobertas de petróleo, desejava que o Brasil fosse membro da Opep. Esse interesse da parte brasileira é muito bem recebido pelo Irã, para fortalecer a cooperação Sul-Sul. Na Opep existem países exportadores de petróleo, e até o Brasil chegar a esse nível levará muito tempo, mas a presença brasileira ajuda no fortalecimento da organização. E até no triângulo Ibas (Índia, Brasil e África do Sul), a necessidade que esses povos têm de energia favorece a cooperação. Talvez pudéssemos fazer um quarteto do qual participe o Irã.

Cooperação nuclear
Essa questão é muito importante, mas não tem prioridade neste momento. Cada país tem um modelo, e o Irã está tentando desenvolver um modelo de desenvolvimento próprio, diferente do ocidental, do oriental e de outros. Tenho certeza de que no Brasil também há um modelo nacional, que responde ao desenvolvimento do país. O desenvolvimento da ciência nuclear no Irã é baseado no slogan da Revolução Islâmica: independência. Isso significa autosuficiência em todas as áreas: economia, ciências, tecnologia.

América Latina
No governo do presidente Ahmadinejad, há duas prioridades de política externa: dar mais atenção à África e desenvolver as relações com a América Latina. Essa política é baseada na ideia de melhorar a cooperação entre os países do sul, onde existem grandes riquezas e força de trabalho. É uma região que procura a justiça social, luta contra a pobreza e a exclusão social. Sentimos que são nossos amigos.

Diálogo com Obama
Houve operações e injustiças por parte dos americanos, antes e depois da Revolução Islâmica, basta olhar para a história contemporânea para ver a interferência dos americanos nos assuntos internos do Irã (cita o asilo concedido ao xá e o apoio a Saddam Hussein na guerra contra o Irã, entre outros episódios). Existem bilhões de dólares, dinheiro iraniano, confiscados pelos EUA, que não são devolvidos. Os EUA não diminuíram o embargo contra o povo iraniano. Apesar de tudo isso, o povo iraniano é muito generoso. Mas ainda não verificamos nenhuma mudança prática, o que chega são palavras. Para mostrar boa vontade, penso que o primeiro passo seria suspender o embargo ao Irã. O uso da ciência e tecnologia é um direito de cada povo. Esperamos dos EUA mudanças mais práticas.

Ahmadinejad e o Holocausto
No Irã, até a oposição apoiou o presidente (durante conferência das Nações Unidas, na semana passada, Ahmadinejad questionou o genocídio dos judeus na Alemanha nazista). Mas queria fazer uma pergunta: será que os direitos humanos são diferentes para os europeus e para os africanos, ou será que são valores universais? Penso que o discurso do presidente Ahmadinejad, a palavra dele foi a das pessoas injustiçadas, sofridas, pobres. Penso que a violação dos direitos humanos é maior nos países defensores desses “direitos humanos” do que em outras partes do mundo. Basta olhar para os imigrantes nesses países. Será que não temos direito de falar? Na Conferência em Genebra, havia mais de 4.500 pessoas (quando Ahamdinejad falou). Quantas ficaram e quantas deixaram a sala?

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