segunda-feira, 4 de maio de 2009

Paraguai rejeita propostas para acordo sobre Itaipu

Valor Econômico

04/05/2009

Relações externas: País já juntou argumentos para pedido de arbitragem

Daniel Rittner, de Brasília

O governo do Paraguai rejeitou a última proposta brasileira para um acordo nas negociações da usina hidrelétrica de Itaipu e já montou as principais linhas de argumentação para um eventual pedido de arbitragem em corte internacional. A base da contestação está na suposta "ilegitimidade" da dívida assumida na década de 1970 para construir a hidrelétrica. O presidente Fernando Lugo e seus auxiliares diretos, que chegam quinta-feira ao Brasil, estão convencidos que pelo menos US$ 4,193 bilhões da dívida - em valores de 1996, sem atualização - são irregulares.

O engenheiro Ricardo Canese, principal negociador Lugo para Itaipu, disse ao Valor ter "esperança" de celebrar um acordo com o Brasil até o fim de 2009, mas confirmou a intenção paraguaia de recorrer à arbitragem internacional se não conseguir um entendimento. Canese ressaltou que o Paraguai não aceita um reajuste "tão pequeno" do valor que a Eletrobrás se dispõe a pagar pela energia de Itaipu.

O governo brasileiro ofereceu um aumento de US$ 45 para US$ 47 por megawatt-hora (MWh) pela eletricidade que o país vizinho tem direito e não usa. Isso geraria receita adicional de US$ 115 milhões anuais ao Paraguai. Além disso, o Itamaraty e o BNDES prometeram até US$ 1,5 bilhão no financiamento de projetos, segundo Canese. Para ele, essa oferta será analisada à parte e não influenciará as discussões de Itaipu. "Temos propostas do BID e de outros países. Se for vantajoso, aceitaremos, mas não tem a ver com a negociação de Itaipu."

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva orientou a equipe do Ministério de Minas e Energia a estudar uma nova proposta, mas o negociador paraguaio frisou que, mesmo às vésperas de nova rodada de discussões, não recebeu nenhum sinal de avanço.

A argumentação de "ilegitimidade" a que se refere Canese tem base em documentos de 1985 e 1986, segundo ele, quando a Eletrobrás e a diretoria financeira de Itaipu Binacional calcularam a necessidade de uma tarifa de US$ 17 por kWmês, "de forma constante e até 2023" (quando o tratado bilateral deverá ser revisado), para a amortização da dívida. No entanto, sustenta Canese, as estatais Furnas e Eletrosul fixaram à época uma tarifa de US$ 10 kWmês, abaixo dos custos da hidrelétrica e impediram a queda da dívida do ritmo projetado.

O assessor de Lugo aponta ainda que entre 1988 e 1990, por estar produzindo toda a energia necessária para atender à demanda nacional, o Brasil deixou de contratar a potência instalada de Itaipu, contrariando obrigatoriedade definida pelo tratado firmado em 1973. Essas duas medidas teriam acarretado a dívida "ilegítima" de US$ 4,193 bilhões.

O Paraguai também pode denunciar o artigo 9 do tratado. Na avaliação dos vizinhos, ele gera dúvidas ao estabelecer que os recursos necessários à construção e operação da usina "serão supridos" pelas partes contratantes ou "obtidos pela Itaipu mediante operações de crédito". Para os paraguaios, se o endividamento da binacional foi tomado junto às próprias partes contratantes, é condenável a incidência de juros sobre ela. Canese, entretanto, critica as taxas usadas - de 12% ao ano ou mais, sempre superiores à Libor - e alerta sobre evidências de "muito" superfaturamento na construção da hidrelétrica. "Temos conhecimento que houve."

Hoje a dívida total de Itaipu está em cerca de US$ 18 bilhões. A usina tem potência instalada de 14 mil megawatts (MW), depois da recente instalação de mais duas turbinas, e entrega anualmente 75 mil GWh de "energia assegurada" - ou seja, com menos de 5% de falha no suprimento, devido a secas e esvaziamentos do reservatório. Essa energia é vendida por US$ 41,6/MWh.

A tarifa não dá lucro nem prejuízo à binacional. É suficiente apenas para pagar o serviço da dívida, os gastos de operação e os benefícios (royalties e ressarcimentos). Como o Paraguai consome somente 5% de toda a energia gerada por Itaipu, embora tenha direito à metade dela, exporta o restante ao Brasil. Por isso, além dos US$ 41,6/MWh, recebe mais US$ 3,1/MWh a título de "compensação", o que totaliza praticamente US$ 45 por MWh.

Além da energia assegurada, a hidrelétrica gerou, nos últimos dez anos, uma média de 15 mil GWh de "energia adicional". Ela não é contabilizada pelas autoridades do setor elétrico para garantir o suprimento de eletricidade, já que pode não ser produzida em função do volume de armazenamento do reservatório, mas é sempre exportada para o Brasil quando está disponível.

Pela energia adicional, a Eletrobrás paga US$ 5,2/MWh em benefícios (royalties e ressarcimentos) e US$ 3,1/MWh pela parte paraguaia, totalizando US$ 8,3 por MWh. O Paraguai quer igualar o valor das duas modalidades e, em nome de uma "compensação justa", busca o preço praticado no mercado regulado brasileiro. Canese calcula que isso pode elevar em US$ 800 milhões a receita anual do país. Por outro lado, se a dívida for reduzida à metade, reconhecendo-se sua parte "ilegítima" e mantendo-se a tarifa atual, o Paraguai elevaria em US$ 1,3 bilhão sua arrecadação com a venda de sua energia para o Brasil.

"Para que a compensação seja justa, o preço deve ser o do mercado regulado do Brasil e o serviço da dívida não pode incluir a sua parte ilegítima", argumenta Canese. O impacto para o consumidor brasileiro será de US$ 3/MWh, calculam os paraguaios.

Para comparação, o preço do MWh da usina de Jirau, no rio Madeira, será de R$ 71,4 - cerca de US$ 33 na cotação atual - quando ela entrar em funcionamento, em 2013. O Paraguai alega que, construindo uma linha de transmissão ao Chile, cuja matriz elétrica é essencialmente térmica, já recebeu sinalizações de que o país andino estaria disposto a pagar até US$ 120/MWh. Em resposta, o governo brasileiro disse que não pode pagar mais pelo preço da energia de Itaipu, segundo Canese, inclusive porque ela é mais cara do que a futura eletricidade do rio Madeira.

Na sua busca por "soberania hidrelétrica", o governo do Paraguai quer liberdade para vender metade da energia de Itaipu a qualquer país, dando ao Brasil apenas um "direito de preferência". Canese, no entanto, ressalta que está adotando uma postura de flexibilidade e aceita atingir seu objetivo "gradualmente": no início, podendo exportar livremente somente sua cota de energia adicional, chegando à liberdade total em 2023, ano em que está prevista a revisão do Tratado de Itaipu. A partir de então, também a energia assegurada poderia ser vendida a países como Argentina e Chile, nas pretensões do presidente Lugo e sua equipe.

O Paraguai pleiteia nomear o diretor técnico e o diretor financeiro de Itaipu Binacional, o que tem sido uma prerrogativa do Brasil nos últimos 35 anos. "Seria um gesto muito apreciado por aqui", diz Canese, confiante na boa vontade de Lula para avançar nas negociações e chegar a um acordo. Mudanças no tratado, segundo o paraguaio, não são necessárias. "Basta a sua correta interpretação", conclui Canese.

O Paraguai também "exige" a construção de uma subestação de energia e obras de navegação que propiciem o restabelecimento do tráfego hidroviário interrompido pelo reservatório. A respeito do pacote de US$ 1,5 bilhão do BNDES para financiar projetos de infraestrutura e a abertura de um fundo de desenvolvimento de US$ 100 milhões, Canese é taxativo: "Não vamos confundir isso com as discussões de Itaipu."

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