terça-feira, 12 de maio de 2009

Itaipu, Canal do Panamá do Brasil?

O Globo

12/05/2009

RUBENS BARBOSA

O atual governo gosta de apresentar o Brasil como potência emergente global e como um país líder no contexto regional. A liderança e o papel protagônico no cenário externo trazem prestígio e benefícios, mas também ônus e responsabilidades, que devem ser enfrentados com agilidade e com clareza em relação aos interesses do país, sem ideologia ou partidarização.

O aprendizado brasileiro para esse novo papel no cenário internacional tem sido demorado e difícil, como demonstram a forma como o Brasil está lidando com os problemas que surgem no relacionamento com nossos vizinhos e também alguns fatos isolados, como os equívocos e o fiasco que cercaram o convite e o cancelamento da visita do presidente do Irã.

No que diz respeito à América do Sul, o governo brasileiro ainda não encontrou o tom correto, nem um estilo adequado para superar os problemas que estão se repetindo e que contestam essa pretensão de liderança. O precedente da tímida reação por parte de Brasília à violência no episódio da nacionalização das refinarias da Petrobras na Bolívia serviu de estímulo ao Equador, à Argentina e agora ao Paraguai, que, sem a menor cerimônia, se sente no direito de questionar um tratado firmado em 1973. Os formuladores de nossa política externa aceitam como natural e consideram legítimo que todos esses países tomem medidas na defesa de seus interesses, mas mostramse relutantes na hora de tomar decisões para defender nosso interesse nacional arranhado e contrariado.

Desde a campanha presidencial, Fernando Lugo levantou a bandeira da renegociação do Tratado de Itaipu para ganhar apoio da opinião pública contra o Partido Colorado, no poder havia mais de 61 anos. A “pauta de reivindicações” inclui a revisão do Tratado de Itaipu, um preço justo para a venda da energia excedente de Itaipu e o cancelamento da dívida contraída pelo Paraguai com a construção da hidrelétrica.

Para que a soberania energética seja respeitada, Lugo ameaça recorrer à Corte de Haia para solicitar uma arbitragem internacional, caso o Brasil não concorde com essas reivindicações.

O Brasil, aprendiz de potência emergente, encolhe-se, mantém-se na defensiva e quase pede desculpas por defender o interesse nacional, quando corretamente recusa a principal reivindicação de Lugo, a modificação do Tratado de Itaipu, abertamente apoiada pelo MST e por Hugo Chávez.

Para tentar contornar os pleitos paraguaios, o governo brasileiro, hesitante, sem uma posição interna coesa, apresentou propostas, como mais um desdobramento da diplomacia da generosidade, para aumentar as transferências em cerca de US$ 1,7 milhão a título de compensação e para programas sociais e de investimento em infraestrutura. Essas propostas foram rejeitadas, de forma inaceitável, publicamente, pelo negociador paraguaio ao qualificar, pela imprensa, de “piada” algumas das propostas apresentadas. As autoridades brasileiras se mostraram “espantadas e chocadas” com a reação...

O pedido de arbitragem internacional acenado pelo Paraguai deveria ser aceito, sem confrontação e de comum acordo, para terminar de uma vez por todas com essa questão. O Brasil está respaldado por um tratado internacional livremente aceito, apesar de agora os novos dirigentes paraguaios o considerarem ilegítimo por ter sido assinado no tempo em que, nos dois países, se vivia o regime militar.

Afastado temporariamente o obstáculo da modificação do tratado, toda a agenda bilateral poderia ser discutida e resolvida com menos estresse: o programa de ajuda econômica do Brasil, a situação dos 300 mil brasiguaios, plantadores de soja, ameaçados de expulsão pela expropriação de suas terras e o controle dos ilícitos na fronteira.

Muitos, nos anos 70, quando a hidrelétrica foi construída, previram que Itaipu poderia representar para o Brasil o que o Panamá significou para os EUA (contencioso em virtude da abertura do canal entre o Atlântico e o Pacífico).

A História está provando que essa análise era correta.

RUBENS BARBOSA é presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da Fiesp.

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