quinta-feira, 7 de maio de 2009

Na Índia do grande explicador ainda falta o grande executor

Valor Econômico

07/05/2009

Desenvolvimento: Um almoço cultural com Nandan Nilekani, fundador da Infosys.

Por Rahul Jacob, do Financial Times, de Bangalore

Entramos no pequeno restaurante, todo branco, de piso frio que logo elimina o desconforto do calor reinante lá fora. Nandan Nilekani, 53, vice-presidente e um dos fundadores da Infosys, uma das maiores empresas indianas de tecnologia da informação, veste-se informalmente, camisa listrada cinza, calças de algodão e mocassins pretos. Ele me diz que acaba de chegar dos Estados Unidos, onde foi promover, em programas de televisão, seu livro "Imagining India: Ideas for the New Century".

Nos últimos anos, Nilekani tornou-se conhecido por suas entrevistas a respeito da ascensão econômica da Índia e da Ásia, dadas em todo lugar, desde Davos (é membro da alta direção do Fórum Econômico Mundial desde 2006) a "talk shows" nos Estados Unidos. Como ele se tornou uma espécie de Maharishi Mahesh Yogi do mundo corporativo? "Aconteceu naturalmente. Como a Infosys é uma empresa bastante global, boa parte do meu trabalho se dá fora da Índia, em reuniões com CEOs e políticos importantes. Passei a me interessar por essa rotina de explicar a Índia e o que acontece no setor de tecnologia."

Quando Nilekani e seis colegas, inclusive o carismático primeiro executivo-chefe, Narayana Murthy, fundaram a Infosys em 1981, a empresa tinha capital de US$ 250 e funcionava na casa de um deles, em Mumbai. Queriam um negócio conduzido por profissionais, e não por pessoas de uma família, como era a regra na Índia da época. Hoje, a capitalização de mercado da Infosys é da ordem de US$ 17 bilhões e a empresa faz parte de um triunvirato de companhias de terceirização de tecnologia da informação que ajudam a Índia a ser o "back office" do mundo.

Depois de Murthy ter ficado longo tempo como CEO, Nilekani o sucedeu, de 2002 a 2007, antes que o cargo passasse a outros dos fundadores, "Kris" Gopalakrishnan. "Para nós, a empresa é mais importante do que cada um de nós", ele diz, quando pergunto como essas transições puderam dar-se de modo tão suave.

O campus da Infosys, nas cercanias de Bangalore, com ginásios, restaurantes de múltiplas cozinhas e áreas verdes, não pareceria estranho na Califórnia, não fosse por seus edifícios bizarros, inspirados no Louvre, na Ópera de Sidney e mesmo no Titanic. Nilekani me fala de visitantes que perguntam como pode a Infosys ter "esse ambiente assim silvestre e calmo, numa país, como a Índia, que também tem os maiores aglomerados de pobreza do mundo" e como "a Índia tem essa indústria de terceirização, com seus talentosos profissionais de tecnologia, mas também o maior número, no mundo, de crianças sem escola". Um desses visitantes, que lá esteve há cerca de cinco anos, foi Thomas Friedman, o escritor e conhecido colunista do "New York Times".

Quando produzia um programa para a televisão sobre globalização, Friedman entrevistou Nilekani, que lhe explicou como, em consequência da bolha pontocom, enormes investimentos em transmissão de dados ao redor do mundo reduziram o preço das comunicações, a ponto de praticamente não interessar se uma pessoa trabalha em Bangalore ou em São Francisco. Para resumir, ele disse, "as condições estão ficando iguais para todos". Na volta para o centro de Bangalore, Friedman deu-se conta de que o comentário de Nikelani ("The playing field is being levelled"), se lido literalmente ("O campo de jogo está sendo nivelado"), ajudaria a cristalizar a tese de seu livro "The World is Flat" (O mundo é plano), que venderia mais de um milhão de exemplares. Friedman assina a introdução do livro de Nilekani, a quem chama de "o grande explicador".

"Imagining India" faz jus a esse elogio. Nilekani combina uma análise abrangente de tudo, dos desafios de criar sistemas de pensão para os mais idosos à distribuição de cartões inteligentes (em parte, para transferir subsídios diretamente aos pobres), à melhoria do deprintemente inadequado sistema educacional (mais de um terço da população da Índia, de 1,1 bilhão, e mais da metade das mulheres são analfabetas). "O livro estava em minha cabeça havia algum tempo. Eu não podia compreender as contradições da Índia", ele explica. "Quando me faziam aquelas perguntas, eu percebia que não tinha boas respostas para dar."

Uma das teses centrais de "Imagining India" é que o país tem uma vantagem demográfica. Nilekani argumenta que, em vez de famintos e da revolução que os pregadores de desgraças profetizavam nos anos 1960, por causa do enorme crescimento da população, a Índia tem condições de beneficiar-se das taxas mais altas de crescimento do PIB, graças à baixa idade média de sua população.

Nilekani acredita que a Índia tem melhores perspectivas do que a China, cuja política de filho único vai levar, ele observa, a um rápido envelhecimento da população, o que criará problemas para a economia. Além disso, diz que a China ainda tem que fazer a transição para a democracia, enquanto "nós [fizemos essa transição e] pagamos nosso tributo à democracia". E "a Índia vai ser jovem por mais 30 anos. A demografia, em certo sentido, é destino, concorda?"

Os desafios da Índia são de "execução", ele acrescenta. O livro de Nilekani traz evidências de que a Índia perdeu oportunidades exatamente por causa da baixa capacidade de execução do governo. Por exemplo, 85% dos indianos optam por hospitais e médicos particulares por que o sistema de saúde do governo é deplorável. Ao mesmo tempo, o absenteísmo entre professores em escolas do governo, especialmente no populoso Norte, onde a governança local é deficiente, contribui para elevar as taxas de desistência dos alunos. Metade das crianças indianas deixa a escola aos 14 anos e apenas 13% chegam ao ensino superior. Dos 350 mil estudantes de engenharia que se formam anualmente, perto de metade não são considerados aptos para empregar-se na indústria de tecnologia da informação.

Mas "há vários exemplos de grande transformação em nossa sociedade", diz. Ele se entusiasma com o crescimento das organizações não governamentais, especialmente na área de educação. Nilekani e sua mulher, Rohini, uma colunista e ativa filantropista, doaram US$ 50 milhões para causas tão diversas como reformas urbanas, conservação de água e educação.

Nilekani também comenta mudanças no sistema de votação nas eleições nacionais (670 milhões de eleitores), não mais baseado em cédulas de papel, substituídas pelo voto em urna eletrônica, à prova de fraudes. Também é eletrônico o pregão nas bolsas de valores, com registros "mais rápidos do que o verificado na maioria das bolsas ocidentais".

Há avanços, mas em meio a "uma disputa intensa entre as forças históricas de casta, corrupção e comunalismo [que no contexto indiano está associado ao fundamentalismo religioso] e as forças que tentam criar uma sociedade mais justa e moderna. É fácil dizer que nada vai mudar. Talvez se esteja dando dois passos para a frente e um para trás, mas a realidade está mudando".

Digo a ele que a explosão demográfica na Índia poderá não levar a um milagre econômico, a exemplo do que aconteceu no Leste da Ásia, que em muito se beneficiou da emancipação feminina e da expansão do comércio mundial. Em vez disso, poderá resultar em tensões urbanas. Poderiam repetir-se os ataques, que aconteceram em Mumbai, a motoristas de taxi e outros do Norte do país por membros de um partido chauvinista. Em Bangalore, alguns anos atrás, a morte, por causas naturais, de um ator de cinema fez eclodir manifestações de rua que paralisaram a cidade por dois dias. "É a mesma questão", ele reconhece. "Tem a ver com o desemprego de jovens". Se a Índia não conseguir mais rapidamente prover oportunidades aos milhões que chegam ao mercado de trabalho a cada ano, "poderemos ter um desastre".

Nilekani afirma, no entanto, que o compromisso com a educação básica, que dará outra condição a essa força de trabalho, é coisa estabelecida na Índia. "Não importa qual coalizão de partidos esteja no poder, a educação básica continuará progredindo a toda velocidade." Essa é uma questão que se tornou impermeável àquilo que ele chama de "populismo competitivo" dos políticos indianos.

Um exemplo desse populismo foi a iniciativa, de alguns anos atrás, do atual ministro de recursos humanos, de aumentar substancialmente a reserva de lugares para as castas inferiores em institutos de educação superior. Há alguns anos, Nilekani foi nomeado para a Comissão Nacional para o Conhecimento por Manmohan Singh, o respeitado primeiro-ministro, mas a principal sugestão do organismo, de que a Índia precisava de uma estrutura regulatória melhor, para permitir mais investimento privado em faculdades e universidades, foi rejeitada em março deste ano, o que causou grande insatisfação entre os grupos industriais. Cerca de 1.500 novas universidades serão necessárias, nos próximos seis anos, para acompanhar as necessidades de educação de 550 milhões de indianos com menos de 25 anos, e várias instituições britânicas e americanas estão ansiosas por ajudar. [Nilekani estudou no Instituto Indiano de Tecnologia, em Mumbai, um dos melhores do país.]

Numa das ocasiões de lançamento do seu livro, em Bangalore, perguntaram a Nilekani, mais de uma vez, se ele tem pretensões de tornar-se um político. Não parece ser sua intenção: "A política seria um jogo diferente".

Um comentário:

César Cartegiane disse...

Nilekani,sabe o que diz,fiquei impressionado com a maneira dele explicar as coisas.Que a Índia pregressa assim como a Infosys!
Triste saber que em um pais de mais de 1 bilhão de pessoas 40% das crianças são desnutridas e vivem abaixo da linha da pobreza.