Carta Capital
18/05/2009
Wálter Fanganiello Maierovitch
Durante a ditadura, praticou-se no Brasil o “terrorismo de Estado”. O poder central e dominante da sociedade fazia emprego sistemático e político da violência. Nos estertores do regime, cuidou-se de deixar uma “lei de anistia”, cuja legitimidade não resiste a uma isenta análise técnico-jurídica. Da expressão régime de la terreur, da época de Robespierre (1793-1794), chegou-se, diante dos horrores do fascismo e do nazismo, ao termo “terrorismo de Estado”.
Outra espécie de terrorismo é aquela direcionada a atacar o Estado Democrático de Direito. Ela se dá quando indivíduos ou organizações clandestinas secretas promovem imprevisíveis atentados com escopo político. Alexander Schmidt, um dos maiores estudiosos do fenômeno, frisa que esse tipo de terrorismo visa gerar um sentimento de medo na população. E acrescenta: “O alvo direto da violência não é o alvo principal. As vítimas imediatas da violência são geralmente escolhidas ao acaso (alvos de oportunidade) ou de modo seletivo (alvos representativos ou simbólicos) entre os cidadãos, e têm a função de comunicar mensagens específicas”.
Não é difícil perceber que, na ditadura militar brasileira, houve “terrorismo de Estado” e legítima reação de grupos de resistência. Nos chamados anos de chumbo na democracia da Itália, verificou-se um terrorismo de matrizes diversas: fascista (terrorismo nero), esquerdista radical (terrorismo rosso) ou anarquista. Na Itália, o terrorismo matou 378 pessoas.
As organizações eversivas procuraram, pelas armas e não pela força do voto, derrubar o sistema democrático italiano, em que o Partido Comunista Italiano (PCI), o segundo maior, crescia de modo a preocupar os fascistas, apoiados pela CIA, e os pró-soviéticos, que não aceitavam os fundamentos do eurocomunismo.
O aumento de atentados terroristas em solo italiano e o golpe militar chileno de 1973, impulsionado pela CIA, levaram o secretário-geral do PCI, o saudoso Enrico Berlinguer, a relançar uma proposta de aliança entre massas comunistas e católicos, para “prevenir tentações autoritárias”. Assim, celebrou-se o chamado Compromisso Histórico.
O ministro Tarso Genro, que se tornou o principal defensor do assassino Cesare Battisti, é incapaz de perceber as diferenças entre Brasil e Itália. Ao igualar situações diversas, erra. Pior, abre caminho para garantir a impunidade, quer a assassinos comuns (terroristas), quer aos que estiveram a serviço da ditadura brasileira, no período 1964-1985.
Nesta semana, perante a Comissão de Relações Exteriores da Câmara, Genro produziu a seguinte pérola: “Battisti não será bode expiatório na Itália”. Mutatis mutandis, seria como se um ministro da Justiça italiano dissesse: o coronel Brilhante Ustra, chefe dos torturadores do DOI-Codi, é nosso refugiado político e não será bode expiatório no Brasil”. Mais: a nossa decisão é soberana.
Apenas para lembrar, Battisti está condenado definitivamente por quatro assassinatos. Para usar da definição de Schmidt, supracitada, fez de alvos diretos da violência (o alvo mediato, principal, era o Estado Democrático italiano) um açougueiro de periferia, um joalheiro de subúrbio, um policial e um carcereiro de presídio regional, onde cumpria pena por roubo, antes de se engajar na organização Proletários Armados para o Comunismo.
Para Genro, Battisti é inocente. Pior, sustentou que correrá risco de perder a vida, caso seja entregue à Itália. Em sessão da mencionada Comissão da Câmara, falou em insuficiência das provas e que nenhum juiz, hoje, condenaria Battisti. Ou seja, Genro tornou-se o juiz dos juízes, ou melhor, o julgador dos acertos da Justiça italiana. E ele julga, também, a Corte de Direitos Humanos da União Europeia, que não considerou os processos condenatórios arbitrários ou nulos. Ainda, a Justiça da França, que concedeu a extradição de Battisti, virou bode expiatório na visão de Genro.
Tarso Genro destacou na Comissão que os crimes atribuídos a Battisti são políticos. O coronel Brilhante Ustra e os assassinos de Rubens Paiva devem achar o mesmo. Aplicada a “doutrina Genro”, poder-se-ia dizer que cometeria crime político o matador do próprio Genro, em território brasileiro e por ideologia diversa. Para Schmidt, isso seria crime comum (terrorismo). Pelo direito internacional e convenções, delitos de sangue consumados em Estados democráticos nunca são crimes políticos, mas crimes comuns (terrorismo).
O presidente da Itália, Giorgio Napolitano, humanista, comunista histórico e subscritor do Compromisso Histórico, não aceitou a sugestão de Genro para a Itália adotar uma lei de anistia: ele é contrário. Napolitano, no sábado 9, dia nacional de memória às vítimas do terrorismo, recebeu os familiares dos assassinados. Sobre o caso Battisti, e certamente a pensar em Genro e Lula, que ao abraçá-lo emocionado já o chamou de “companheiro Napolitano”, disse ser “injustificável a indulgência brasileira” com Battisti.
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