segunda-feira, 4 de maio de 2009

A transparência nas estatais

Folha de São Paulo de 4 de maio de 2009

WARREN KRAFCHIK

Brasil precisa ter estatais mais transparentes
Para o coordenador do Índice de Transparência Orçamentária, dados sobre empresas permitem o controle dos gastos públicos pelos cidadãos

FERNANDO BARROS DE MELLO
DA REPORTAGEM LOCAL

Se o Brasil quiser mesmo passar a fazer parte do grupo de países mais transparentes do mundo, precisa aumentar informações sobre estatais, sobretudo o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e a Petrobras, além de aprovar uma lei de acesso a informações.
A opinião é do economista sul-africano Warren Krafchik, coordenador do Índice de Transparência Orçamentária, que avaliou 85 países e no qual o Brasil ficou em oitavo lugar.



FOLHA - Que características em comum podemos encontrar em países que têm problemas com a falta de transparência nos gastos públicos?
WARREN KRAFCHIK - A IBP [sigla em inglês para Parceria Internacional sobre Orçamento] fez uma pesquisa em 85 países e formou um ranking sobre o gasto público. O resultado geral mostra que 40 países são particularmente problemáticos, porque não fornecem ou fornecem poucas informações.
Em países com menos transparência, as oportunidades para corrupção, gastos ineficientes e inapropriados de dinheiro público crescem. As chances são maiores porque as informações são insuficientes. Pouca transparência significa mais pobreza, e isso afeta a todos.

FOLHA - Quais são os exemplos positivos de transparência?
KRAFCHIK - O necessário são documentos disponíveis e de fácil leitura que permitam a compreensão dos estágios do processo orçamentário, da preparação até o pagamento final.
Muitos países acharam meios inovadores de disponibilizar essas informações, na TV, no rádio, no jornal, na internet.
O que importa é como os países ajudam os cidadãos a entender por que o Orçamento e os fundos públicos são importantes.

FOLHA - Os países que fazem isso são os mais ricos?
KRAFCHIK - Não necessariamente. Um país muito interessante é Uganda. Lá, toda vez que o Tesouro faz um pagamento para uma escola ou um hospital, a informação é publicada no jornal e colocada em cartazes pela vila. Todos os cidadãos sabem quando o dinheiro vai para cada lugar, quanto será repassado e qual o propósito. Paralelamente, há ONGs que treinam os moradores das vilas para monitorar os gastos.

FOLHA - Existem exemplos mais próximos?
KRAFCHIK - Há alguns anos, o governo mexicano aumentou os gastos relacionados ao HIV.
Fundos foram repassados para a ONG Provida. Uma organização da sociedade civil pediu, por meio da Lei de Acesso a Informações, a divulgação de todos os recibos. Descobriu-se que a maior parte dos valores não foram gastos em programas de HIV, mas com coisas como lingerie ou canetas Mont Blanc. Uma auditoria oficial apontou que os problemas eram ainda maiores, e a Provida foi proibida de receber verbas governamentais por 15 anos e recebeu multas.

FOLHA - Que lições suas pesquisas podem dar ao Brasil?
KRAFCHIK - O Brasil vai bem no nosso índice, mas isso não significa muito porque vários países que estudamos são ruins quando se trata de transparência, como China, Sudão, República Democrática do Congo. O Brasil ainda não fornece informação suficiente que permitiria aos cidadãos controlar totalmente os gastos públicos.
Se o país realmente estiver interessado em se unir aos mais transparentes do mundo, precisa fazer três coisas. A primeira e mais importante é incluir informações sobre empresas estatais, especialmente BNDES e Petrobras. Elas representam uma parte substancial dos recursos públicos.
A segunda é aprovar uma lei de acesso a informação, pois é preciso garantir que os cidadãos tenham direito de pedir e receber dados. Isso me leva ao terceiro ponto, que é ter um "orçamento cidadão", já que os gastos públicos estão codificados para técnicos.
Se o Brasil quer mesmo combater a pobreza, precisa ir além na transparência. Isso é ainda mais importante nesse período de crise econômica.

FOLHA - Por quê?
KRAFCHIK - Cada centavo é ainda mais importante. O governo precisa tomar decisões, já que o dinheiro não dá para tudo, e a participação da sociedade aumenta as chances de ele ser bem gasto.

FOLHA - Por que as estatais não são transparentes?
KRAFCHIK - Acredito que por falta de vontade. Pelo que pesquisamos nos 85 países, a ausência de transparência não é falta de capacidade de produzir informações. A maior parte dos governos tem muito mais informações do que eles tornam disponíveis. Desses 85, 51 já produzem muitos documentos, mas usam para propósitos internos. A transparência poderia ser aberta imediatamente.

FOLHA - No Brasil também?
KRAFCHIK - Sim. Se o governo e especialmente as estatais tiverem a vontade de serem abertas ao controle público eles já têm informação para fazer uma mudança. O BNDES poderia começar a publicar a lista de operações que tem com empresas privadas, publicar de maneira completa as cidades em que projetos estão sendo implementados e os critérios que o banco usa para escolher que empresas ele decide investir. O mesmo vale para a Petrobras.

FOLHA - O sr. soube dos casos envolvendo uso de passagens aéreas por parlamentares brasileiros?
KRAFCHIK - Acho fácil olhar para esse caso e dizer que é muito pequeno para se preocupar. O importante é que o uso inapropriado de dinheiro público para viagens é um indicador de um problema mais profundo: qual importância o governo dá a esses assuntos.
Na África do Sul houve um episódio muito parecido que ficou conhecido como "travelgate". Em 2003, descobriu-se parlamentares faziam pedidos de viagem que ou não eram feitas ou não eram para trabalho ou eram para parentes.
Duas coisas foram feitas imediatamente: uma auditoria internacional privada foi contratada e a polícia especializada em crime organizado foi acionada. A investigações mostraram que cerca de 150 membros do Parlamento estavam envolvidos. Catorze foram processados e multados em até US$ 15 mil, valor alto na África do Sul.

FOLHA - Todos foram punidos?
KRAFCHIK - Não. Isso aconteceu em 2005 e depois a história morreu. O governo começou a pressionar o Parlamento para jogar tudo para debaixo do tapete. Eles tinham esse poder, já que as pessoas votam no partido, que tem a lista dos que serão eleitos. A investigação nunca foi divulgada por completo.
Além disso, as listas de viajantes foram compradas das agências de viagem e a imprensa não teve acesso. Hoje algumas organizações estão utilizando a Lei de Acesso a Informações para acionar o governo e trazer à luz toda a história.

FOLHA - Quais são as lições?
KRAFCHIK - A África do Sul, assim como o Brasil, tem uma imprensa muito atuante. Então, é bom que casos como este sejam revelados. Contratar imediatamente uma auditoria independente é uma boa atitude. Quanto mais demorar, mais as provas serão encobertas e mais as pessoas irão esquecer.
Não é suficiente dizer que há um problema e que vai alterar a lei, porque você não saberá como melhorá-la se não entender como ela foi transgredida.

FOLHA - Que conclusões o sr. tira sobre o Brasil?
KRAFCHIK - O país não está aproveitando seu potencial. Há setores que devem trabalhar independentemente do governo. Imprensa, ONGs, o Congresso e o Judiciário são os atores que têm a responsabilidade de garantir que os cidadãos compreendam que os gastos públicos não dizem respeito apenas ao governo.

Nenhum comentário: