quinta-feira, 7 de maio de 2009

Uma recessão prolongada pode desintegrar a cooperação

Gazeta Mercantil

07/05/2009
Jean-Pierre Lehmann, Fabrice Lehmann e Sophie Coughlan


7 de Maio de 2009 - Um desafio ambicioso encerrou a Cúpula de Liderança Responsável realizada no IMD em fevereiro: "Como pode a liderança empresarial reafirmar a fé em nossas habilidades coletivas de confrontar os obstáculos enfrentados pela comunidade global?" O sistema econômico global tem sido abalado por uma série de desequilíbrios e crises que trouxeram para a frente preocupações veementes com a ética nos negócios, o desalinhamento entre os retornos para o setor privado e as recompensas para a sociedade, a má gestão do risco, e a má distribuição de capital. A auto-regulamentação e o interesse próprio "bem informado" dos atores do mercado privado têm sido inadequados para prevenir os defeitos grosseiros do mercado e uma série de declínios sistêmicos que terão consequências duradouras sobre o ambiente no qual a atividade empresarial global é conduzida. O contrato social entre os governos, mercados e a sociedade civil estão se desafazendo.

Uma das lições da história é que a cooperação internacional pode se desintegrar sob as pressões de uma recessão prolongada. À medida que a crise financeira se transforma em um severo declínio econômico, as fontes de discórdia latente são múltiplas. As ansiedades pré-existentes relacionadas ao processo de integração global, sustentado em pilares políticos e sociais frágeis, estão sendo estimuladas; resultados mais justos, com entendimento mais profundo da criação de valor, são urgentemente necessários no momento em que a tolerância cívica pela injustiça evapora. Os objetivos empresariais e as necessidades da sociedade devem se inclinar, visivelmente, na direção de maior convergência se uma retração for evitada. Não há dúvida de que essa crise representa o primeiro grande teste de estresse realmente sério da globalização contemporânea.

Sob essas circunstâncias, a comunidade empresarial, junto com os governos e as organizações da sociedade civil, tem a responsabilidade de aprimorar a prestação de contas corporativa, sustentando uma sensação de convicção nos ideais, e mudando os modelos ou as práticas insustentáveis por meio da inovação e liderança com integridade. Isso exigirá força moral para se opor aos lucros rápidos, aos interesses egoístas, e aos incentivos perversos que com frequência demais premiaram a omissão enquanto orientavam o comportamento pessoal na direção errada de um ambiente de tomada de risco demasiadamente competitivo e insuficientemente regulamentado.

Um recente editorial do Financial Times criticando a mentalidade que conduziu à presente crise é condenatório, "essa não é a falência de um sistema social, mas a omissão intelectual e comportamental daqueles que estavam encarregado dele: uma omissão para a qual não há desculpas". Se uma série de comentaristas expressa diferenças com o primeiro texto do veredito, poucos terão dúvidas sobre o segundo. Na tentativa de entender o papel da liderança empresarial na presente crise global, há claras omissões de responsabilidade e prestação de contas. O resultado é uma dissolução de confiança no longo prazo da qual depende uma economia eficiente e justa.

A tese que deu sustentação para as transações empresariais e financeiras nos trinta últimos anos tem sido que se concentrar em nada mais além de lucros corporativos, desde que "envolvam competição livre e aberta, sem truques ou fraudes", é uma traição de sua única responsabilidade social. A erosão gradual da supervisão regulatória acompanhou esse princípio organizacional. Uma manifestação fundamental dessa doutrina tem sido a maximização do retorno para os acionistas no curto prazo baseada nos relatórios trimestrais, os pressupostos questionáveis que envolvem a eficiência dos mercados de capital, e as absurdas estruturas de remuneração associadas com a teoria do agente diretor - isto é, o problema de criar incentivos para induzir os agentes (funcionários) a agirem nos interesses de seus diretores ( patrões). Muitas dessas suposições têm sido consistentemente (embora insuficientemente) contestadas devido ao entendimento intrínseco de uma necessidade intensa por ações individuais e obrigações morais que vão além da motivação do lucro.

Se as preocupações estruturais - as instituições e os mecanismos que informam nosso comportamento - são da maior importância quando se tenta corrigir as falhas de responsabilidade e de prestação de contas, o debate em nossa mesa redonda deu mais atenção para o tema de agência. Necessitamos de instituições apropriadas e de estruturas de incentivos, mas dentro delas também necessitamos dos indivíduos certos capazes de desenvolver liderança responsável. O que se necessita não é só o talento funcional despachado pelas faculdades de administração de negócios e pelos departamentos administrativos do mundo inteiro, mas de uma consciência profundamente integrada de práticas éticas. Uma forma de sabedoria, obtida da extensão plena de recursos culturais e filosóficos à nossa disposição, que estende uma visão bem mais ampla de responsabilidade e estudo histórico do que o tipo de especialização funcional de vista curta responsável por produzir modelos insustentáveis baseados nas projeções de curto prazo e em recompensas materiais infladas.

Em uma recente análise das informações profundas tiradas das obras de Adam Smith e Arthur Cecil Pigou sobre a importância das instituições não relacionadas ao mercado e dos valores não relacionados aos lucros, o acadêmico Amartya Sen observa que, "já que o sofrimento das pessoas mais desprovidas em cada economia - e no mundo - exige a mais urgente atenção, a função da cooperação positiva entre o mundo empresarial e o governo não pode parar só com a expansão conjuntamente coordenada de uma economia. Há uma necessidade crítica de prestar atenção especial para os desfavorecidos da sociedade no planejamento de uma resposta para a presente crise, e em ir além das medidas para produzir expansão econômica geral".

Os líderes políticos progressistas entenderão a prioridade de lidar com as desigualdades não resolvidas pelo mecanismo de mercado e a solidificação das instituições de bens públicos negligenciados como a assistência à saúde, educação, infraestrutura e conservação ambiental. Os líderes empresariais responsáveis, dispostos a serem responsabilizados plenamente por suas decisões, serão sensíveis à necessidade urgente de utilizar a capacidade de inovação e a eficiência de suas corporações para incorporar a pobreza, as práticas éticas na decomposição de cadeias de valor, e a mudança climática nos seus sistemas de administração e modelos de negócios.

A crise econômica global inegavelmente exige medidas imediatas e combinadas para prevenir uma queda vertiginosa num futuro despótico. Mas também exumou um fórum público no qual as convenções estabelecidas podem ser fervorosamente discutidas, e o poder de atração das regras existentes sobre obrigações e liberdades reavaliada. Os líderes empresariais e os empreendedores responsáveis devem participar ativamente nessas reconciliações com o objetivo de alcançar um mundo econômico mais decente, organizado para empreender soluções de longo prazo para os desafios, aparentemente intimidadores, enfrentados pela comunidade global.

* Professor de Economia Internacional do IMD e diretor fundador do The Evian Group

** Pesquisador associado

do The Evian Group

**kicker: Não há dúvida de que essa crise representa o primeiro grande teste de estresse realmente sério da globalização contemporânea

(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 11)(por Jean-Pierre Lehmann, Fabrice Lehmann e Sophie Coughlan - Pesquisadora associada do IMD)

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