Veja
04/05/2009
Duda Teixeira, da Cidade do México
Pânico
Um novo vírus da gripe paralisou o México e mostrou que os países estão levando a sério a previsão de que cedo ou tarde teremos uma pandemia mortal.
Mas é improvável que seja desta vez
Uma onda de medo se espalhou pelo mundo na semana passada à medida que uma epidemia de gripe registrada no México começou a se alastrar por outros países. A gripe suína, assim batizada por ter o porco como principal hospedeiro do vírus que a dissemina, é do tipo mais perigoso. Caso o paciente não receba tratamento adequado em 48 horas, é quase certa a incidência de uma pneumonia. Os pulmões ficam severamente comprometidos e a insuficiência respiratória torna impossível caminhar. O vírus é transmitido de pessoa para pessoa, e pode-se contraí-lo simplesmente ao apertar a mão de alguém infectado. Até a quinta-feira passada, no México, a gripe suína havia feito, oficialmente, oito vítimas fatais e levado aos hospitais outras 3 000. Foram relatados mais de 170 casos de contaminação em outros onze países (veja o mapa). Nos Estados Unidos, registrou-se o primeiro caso de morte pela gripe fora do México. Na quarta-feira, a Organização Mundial de Saúde elevou para 5 – numa escala de 1 a 6 – seu grau de alerta de que a onda de gripe suína pode se converter em pandemia, ou seja, uma epidemia que se dissemina por todo o planeta. Aos poucos, o medo se transformou em pânico. Por toda parte ressurgiu o espectro da pior epidemia do século XX, a gripe espanhola, que matou 50 milhões de pessoas nos cinco continentes.
As semelhanças realmente existem. A gripe espanhola de 1918 também eclodiu em um período de globalização, com os grandes navios transatlânticos e ondas migratórias sucessivas. Mas as diferenças são significativas. Naquele tempo, a informação se propagava mais lentamente que os vírus. Por isso, nos estágios iniciais, muitos países foram pegos de surpresa pela disseminação da doença.
Hoje, ao contrário, a informação viaja mais rapidamente que os vírus influenza, os causadores da gripe. Assim que correu a notícia da disseminação da gripe suína, muitos governos, incluindo o do Brasil, instituíram a fiscalização nos portos e aeroportos, identificando passageiros suspeitos de contaminação pela doença. Vários aeroportos na Ásia contam com aparelhos como o scanner termal, que permite detectar um dos primeiros sintomas da gripe – a febre. Graças aos esforços internacionais para conter a propagação da gripe aviária, em 2003, a Organização Mundial de Saúde está mais apta a lidar com esse tipo de ameaça. Dispõe, por exemplo, de um estoque com 5 milhões de antivirais, como o Tamiflu, que podem ser distribuídos nas áreas mais críticas. Essas drogas são cruciais para evitar que os doentes contaminem outras pessoas, já que o desenvolvimento de uma vacina contra a gripe suína vai levar alguns meses. Acordos entre os países-membros da OMS permitem o compartilhamento rápido de amostras do vírus, necessárias para que se possa identificá-lo em pacientes. No Brasil, essas amostras desembarcaram na noite de quarta-feira. Todas essas providências facilitam uma resposta global à doença.
Um mundo preparado para enfrentar uma ameaça de pandemia é um dos fatores citados pelo médico americano Marc Siegel, da Universidade Nova York e autor do livro False Alarm: The Truth about the Epidemic of Fear (Alarme Falso: a Verdade sobre a Epidemia do Medo), para duvidar que a gripe suína deixe o mesmo rastro de destruição que as pandemias anteriores. Disse ele a VEJA: "É impossível prever como o vírus vai se comportar daqui para a frente, já que ele é mutante por natureza. Mesmo assim, há boas razões para não inchar as expectativas com relação a essa pandemia". Siegel lista outros dois motivos para seu otimismo. O primeiro é que, embora o vírus da gripe suína seja produto de uma mutação genética nova, ele é composto por partes de outros vírus já conhecidos pelo organismo humano (veja o quadro). Isso significa que há fragmentos de memória imunológica contra esse agente. Justamente por isso, o vírus da gripe espanhola é hoje um dos mais fracos em circulação. O segundo motivo citado pelo médico é que a gripe suína tem se mostrado pouco perigosa até o momento. Os infectados que detectaram a doença com antecedência estão sendo tratados, com sucesso, com remédios antivirais. No México, a maior parte das vítimas fatais apresentava sintomas de pneumonia – sinal de que a gripe estava em estágio avançado. Ainda assim, apenas oito morreram. A gripe aviária, em comparação, matou 257 das 421 pessoas que foram infectadas, ou 61% do total.
Na quinta-feira, autoridades da área de saúde dos países da União Europeia concluíram que não há motivo para pânico por causa da gripe suína. Isso porque, mesmo que ela se torne pandêmica e se espalhe pelo mundo, dificilmente provocará uma quantidade elevada de vítimas fatais. "O fato de termos nos preparado para um problema como esse nos últimos anos nos proporciona enormes vantagens sobre a gripe", disse a comissária de saúde da UE, a cipriota Androulla Vassiliou. No Brasil, a preocupação dos médicos infectologistas é que, caso a febre suína chegue ao país, seja devidamente diagnosticada, e não confundida com uma gripe comum. "O maior problema não é a rede pública, mas o consultório médico", afirma Juvencio Duailibe Furtado, presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia. "Se o médico não desconfiar da presença da gripe, qualquer plano de governo para combatê-la vai falhar", ele conclui. Até a quinta-feira, não havia sinal de brasileiros com a gripe suína.
A primeira vítima oficial da gripe suína foi o menino Edgar Hernández, de 5 anos, morador de La Gloria, pequena cidade do estado mexicano de Veracruz. Hernández conseguiu recuperar-se, mas outras duas crianças da cidade – que fica a 10 quilômetros de uma fazenda de porcos – não tiveram a mesma sorte. A ameaça de pandemia, anunciada pela imprensa e convertida em pânico e desinformação pela internet, levou os mexicanos a exigir de seu governo soluções e garantia de ordem pública. A resposta oficial serviu mais para alimentar o medo do que para colocar alguma ordem no caótico sistema de saúde do México. Em apenas uma semana, as informações e providências desbaratadas paralisaram a Cidade do México e deflagraram uma paranoia coletiva.
Para evitar concentrações, que favorecem a disseminação do vírus, o governo proibiu o funcionamento de bares, restaurantes, cinema e teatros. Os jogos de futebol do campeonato mexicano são agora realizados a portas fechadas, sem torcida. Ninguém mais se cumprimenta com beijos ou apertos de mão. Cartões de visita não são mais trocados, apenas mostrados. Apertar um botão de elevador ou abrir a janela do carro são motivos de preocupação, já que o vírus pode estar em qualquer superfície. A forma de contágio mais comum é passar a mão em um local onde esteja o vírus e, em seguida, coçar a boca, o nariz ou os olhos. A máscara cirúrgica tornou-se um acessório indispensável para sair à rua. Ela oferece uma proteção mais simbólica que efetiva. O microscópico vírus passa livremente pela trama do tecido das máscaras.
Calcula-se que a paralisação de parte da economia do país esteja causando um prejuízo diário de 55 milhões de dólares apenas na capital. O México é o único país latino-americano a figurar na lista dos dez principais destinos turísticos do mundo, com 21 milhões de visitantes estrangeiros por ano, quatro vezes o que recebe o Brasil. Segundo um relatório do Fundo Monetário Internacional divulgado há duas semanas, o México é o país da América Latina mais afetado pela crise financeira, com uma queda de 3,7% do PIB neste ano. Com a gripe suína, economistas mexicanos estimam que a queda do PIB possa chegar a 4,8%. Só haverá solução à vista quando as medidas profiláticas adotadas contra a doença derem resultado – e o pânico se dissipar.
Com reportagem de Thomaz Favaro, Gabriela Carelli, Leandro Beguoci, Renata Moraes e Carolina Romanini.
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