O Globo
01/05/2009
A maior vítima de Ahmadinejad é o povo iraniano
OSIAS WURMAN
Ouçam a voz da Santa Sé, na pessoa de seu porta-voz, padre Federico Lombardi, que na Rádio Vaticano assim qualificou o discurso do presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, na ONU: “Extremista e inaceitável.” Acrescentem-se as declarações do iraniano, Mahdi Karroubi, ex-presidente do Parlamento, um clérigo moderado que irá disputar a eleição presidencial iraniana de 12 de junho, em chapa de oposição à reeleição de Ahmadinejad.
Disse Karroubi em relação ao presidente iraniano: “O Holocausto é um fato. É óbvio que ele ocorreu, não importando o número de pessoas que morreram, se foram 6 milhões ou 6 mil. Negar o Holocausto não traz qualquer benefício ao Irã.
Foi uma de suas muitas declarações impensadas. Ele chama as resoluções da ONU de ‘papéis sem valor’, causando problemas para o Irã, mas são todos os iranianos que têm de pagar o preço. As declarações do presidente prejudicaram os interesses do Irã.
Durante reuniões privadas, o aiatolá Khamenei (líder religioso supremo do Irã) rejeitou especulações de que ele está apoiando a reeleição de Ahmadinejad.” Somem-se a estas declarações as denúncias de perseguições religiosas promovidas pelo atual governo iraniano, com destaque para as vítimas cristãs, bahais e muçulmanos sunitas. Também a homofobia assumida de forma escandalosa, a prática da lapidação feminina, a execução por apedrejamento em público de supostas adúlteras compõem um quadro sombrio da triste realidade iraniana.
A maior vítima de Ahmadinejad é o próprio povo iraniano, afogado numa inflação anual de cerca de 30%, dependente da quase monocultura petrolífera e cerceado das liberdades fundamentais de opinião e expressão, comprovada pela prisão da jornalista americana Roxana Saberi, condenada, a portas fechadas, a oito anos por suposta espionagem.
Na mesma semana em que ocorreu a reunião de Durban II, os herdeiros de Hitler espalhados pelos quatro continentes comemoraram os 120 anos de seu nascimento. As declarações de Ahmadinejad na ONU, com cobertura midiática global, foi a maneira mais dramática e cruel de demonstrar que Hitler não morreu, pois só morre quem é esquecido, e seu ódio aos judeus foi revivido na injuriosa e repugnante fala antissemita, camuflada de antissionismo.
Esta semana em Brasília, durante homenagem aos 61 anos de independência do Estado judeu, emocionei-me ao ouvir o hino nacional brasileiro, interpretado em espaço territorial de soberania israelense, na presença de brasileiros amigos do Estado de Israel. Emocionei-me por lembrar que meus antepassados poloneses tiveram que fugir de sua terra natal, na década de 30, pois o racismo e o nazismo infiltravamse no coração da Europa, contaminando uma sociedade dita como “intelectual e altamente civilizada”.
Escolheram o Brasil para sua nova pátria, uma opção acertada de país acolhedor e povo hospitaleiro.
Passados quase 80 anos, vivo o pesadelo de ver o solo brasileiro, onde estão sepultos meus quatro avós e minha mãe, imigrantes poloneses, naturalizados brasileiros, na iminência de ser pisado pelo maior negacionista, em nossa geração, da História e do Holocausto. Um inimigo mortal do Estado de Israel, com quem o governo e o povo brasileiro mantêm relações de amizade e cooperação há 61 anos. Um inimigo da paz, que insiste em desenvolver a energia nuclear, à revelia da comunidade internacional, esquivando-se das inúmeras sanções aplicadas pela ONU aos seus planos.
O povo brasileiro é pacífico e refratário ao racismo, comprovado pela tradicional convivência árabe-judaica em nosso país. Somos um exemplo de democracia a ser seguido pelos verdadeiros amantes da paz e da justiça.
O presidente Lula, fiel amigo da comunidade judaico-brasileira, declarou publicamente, no evento do Dia em Memória das Vítimas do Holocausto, instituído pela ONU, que, mesmo que não houvesse judeus no Brasil, ainda assim ele seria um convicto combatente do antissemitismo e de todas as formas de racismo. Também lembrou a memória dos irmãos da Força Expedicionária Brasileira que tombaram na Itália, na luta contra o nazismo.
No próximo dia 6 de maio, Ahmadinejad chega ao Brasil. Uma indesejável visita!
OSIAS WURMAN é jornalista.
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