segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

A volta do protecionismo: colapso da globalização fase II?

Valor Econômico

19/01/2009

Por Marcilio R. Machado

Muitos acreditam que a globalização seja um fenômeno recente. Não é isso que a história nos mostra. Revendo o período 1870-1913, constatamos que ele foi marcado por uma época de globalização financeira: comércio livre, imigração quase irrestrita e grandes fluxos de capital, que em alguns aspectos ultrapassa a globalização como a conhecemos atualmente. Naquele período, quando ocorreu a primeira globalização, barreiras tarifárias foram removidas. A cadeia de suprimento da época compreendia matérias-primas dos países subdesenvolvidos, transferidas para países industriais para a manufatura e distribuição no mundo. Aquela foi uma época na qual houve grande avanço em bem-estar de um número grande de pessoas no mundo, embora a maioria vivesse num estado penoso de pobreza e no campo. Em 1910, a proporção de comércio internacional em relação ao PIB global era bastante semelhante ao que constatamos atualmente.

A denominada primeira globalização desmoronou devido à fragilidade financeira da época. Os sistemas bancários não tinham redes de segurança, tais como depósitos com cobertura de seguro e instituições como os bancos centrais, que atuariam como último recurso para emprestar dinheiro, e o padrão ouro era intrinsecamente frágil porque os países podiam demandar pagamentos em ouro. Conseqüentemente, o sistema era vulnerável a pânicos, e o perigo aumentava à medida que os mercados financeiros e sistemas bancários cresciam, pois o fornecimento de ouro, que era o ativo de suporte, era fixo. Uma vez iniciado o pânico, era quase impossível detê-lo. Os sistemas bancários entraram em colapso; quebradeiras e deflação aconteceram. A Grande Depressão de 1929 levou o mundo a grande tensão e desemprego. Uma das conseqüências foi a promulgação de medidas pelo Congresso americano aumentando as barreiras protecionistas. O Reino Unido, a França e a Alemanha retaliaram. Na Itália, Mussolini se fortaleceu, apelando para o nacionalismo econômico. O mundo acabou se encaminhando para a Segunda Guerra Mundial.


Nos EUA existe um grande número de pessoas reclamando que o país não perdeu apenas as fábricas para a China, mas também os empregos. Os democratas, que assumiram o poder, têm sido tradicionalmente contra os acordos de livre comércio e já se manifestaram sobre uma revisão do Nafta, acordo que os EUA têm com México e Canadá. Nos últimos anos, os democratas têm ameaçado colocar tarifas adicionais sobre as importações provenientes da China, caso eles não deixem sua moeda valorizar. Existe receio também na Ásia, onde os produtores de têxteis do Camboja, os fabricantes de automóveis da Coréia e as empresas de terceirização da Índia receiam que medidas protecionistas sejam adotadas pelo novo governo americano. Os problemas financeiros e a perspectiva de uma recessão global causam muitas incertezas. Será que os acontecimentos atuais trarão de volta o protecionismo e o colapso da globalização fase II?


Na América Latina, os produtores de aço estão se movimentando para evitar uma provável avalanche de produtos siderúrgicos de origem da China e do Leste Europeu. Empresários do setor de calçados também estão com receio de haver uma invasão de sapatos chineses. Durante recente reunião do Mercosul, o governo brasileiro resolveu aumentar a tarifa de importação de alguns produtos. Empresários brasileiros e representantes do governo discutem a possibilidade de o país incrementar medidas de salvaguardas contra a China, caso o país direcione para o Brasil produtos que originalmente iriam para o mercado dos Estados Unidos. A primeira tentativa de globalização foi achatada pelas duas guerras mundiais e uma grande depressão. Além disso, houve o surgimento de ideologias autoritárias que foram uma tragédia para a humanidade.


Apesar de inúmeras críticas, a recente globalização teve vencedores. Alguns contestadores enfatizaram que apenas os países desenvolvidos iriam se beneficiar da globalização. Entretanto, não foi exatamente o que aconteceu. A China, por exemplo, se transformou na quarta maior economia do mundo. A sua corrente de comércio, soma das importações e exportações, deve ultrapassar US$ 2 trilhões em 2008. A Índia, que era um país fechado, se beneficiou da abertura de mercado ao abraçar as mudanças promovidas pela tecnologia. O Brasil assistiu a sua corrente de comércio saltar de cerca de US$ 43 bilhões em 1980 para aproximadamente US$ 380 bilhões estimados para 2009. O crescimento global fez com que houvesse um aumento maior nos assalariados de renda mais baixa do que naqueles que ganhavam altos salários. O Brasil se tornou, entre os países emergentes, o sétimo maior receptor de investimentos diretos do exterior. Por outro lado, o país se tornou o segundo maior investidor no exterior entre os países em desenvolvimento, com investimentos externos totalizando cerca de US$ 220 bilhões em 2006.


Embora possa ser constatado que o protecionismo possa dar um alívio em curto prazo, a sua conseqüência é um longo período de instabilidade e desaceleração econômica. Os países emergentes, como o Brasil, devem evitar o risco de ceder às pressões de grupos que demandam por protecionismo, pois pode haver risco de retaliação de outros países. Com o aumento de investimentos no exterior, o país avançou com a criação das multinacionais brasileiras, algumas situadas em países como a China e Índia, que não deverão entrar em recessão. São essas multinacionais brasileiras no exterior que poderão puxar a demanda por produtos brasileiros nesse momento de queda de preços de commodities e de recessão nos países desenvolvidos. O retrocesso é muito perigoso, pois a história mostra que foram mais de 70 anos até que a globalização financeira atingisse os níveis semelhantes aos de 1914. É difícil prever os tipos de medidas que poderão ser adotadas para atender a pressões de grupos organizados em sociedades democráticas. Concluindo, caso as negociações da Rodada Doha não avancem, o Brasil precisa refletir sobre a possibilidade de ser mais agressivo na implementação de acordos regionais. Caso contrário, poderá haver um retrocesso nos ganhos que o país obteve com a recente globalização, inclusive a melhora de vida de muitos brasileiros.

Marcilio R. Machado é membro do Conselho de Administração da AEB- Associação de Comércio Exterior do Brasil, diretor da Famex Importadora e Exportadora Ltda e doutor em administração de empresas pela Nova Southeastern University.

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