domingo, 11 de janeiro de 2009

'Os Estados Unidos ainda estão sob ameaça'

O Estado de São Paulo

11/01/2009

Bush faz balanço de despedida de seu governo e diz que Obama também terá de dar prioridade à segurança dos EUA

Cal Thomas

Diante do que vem ocorrendo em Gaza, o sr. ainda mantém seu otimismo de que um Estado palestino pode ser criado e existir lado a lado e em paz com Israel?

O único meio de Israel ter uma segurança a longo prazo é a existência de uma democracia na sua fronteira. E a criação desse Estado palestino estava sendo negociada pelo primeiro-ministro Ehud Olmert e o presidente da Autoridade Palestina, Mahmud Abbas. Reconheço que há fatos ocorrendo hoje que tornam difícil para as pessoas imaginar um Estado democrático existindo ali. O que estamos presenciando hoje é o uso da violência com o fim de impedir o avanço das democracias. Mas, agora, a população nos territórios palestinos finalmente poderá decidir de maneira clara se deseja um Estado pacífico ou prefere esse tipo de violência. E esse é também um outro momento de esclarecimento, para as pessoas em todo o mundo, e no Oriente Médio, verem a realidade. E a realidade é que poucos estão usando a violência para destruir os sonhos de muitos. A mesma coisa ocorreu no Iraque. Mas, com o tempo, a situação iraquiana melhorou e a democracia começa a prevalecer. Acho que o mesmo poderá ocorrer em Gaza.

Mas, quando tiveram a oportunidade de expressar sua vontade, votaram no Hamas...

Mas, é bom lembrar, aquela eleição não era para dizer se haveria guerra ou paz. Era uma eleição para escolher quem melhor ofereceria saúde e educação. Vi a eleição como um repúdio da liderança anterior do Fatah (do líder palestino Yasser Arafat, morto em 2004), como também um voto que quis dizer: ‘Vejam, estamos fartos da corrupção e esperamos ser mais bem tratados.’ Disse à liderança do Fatah que deveriam reformular o seu partido e ouvir as demandas da população - e é isso que começa a se verificar na Cisjordânia.

Como o sr. entende o fato de se ensinar continuadamente nas escolas palestinas o “ódio aos judeus”, “ódio do Ocidente”?

Seja o ódio do Ocidente ou dos EUA, o que está ocorrendo é uma guerra de propaganda. Mas ela não se circunscreve à Cisjordânia ou à Gaza, está sendo levada a cabo por extremistas em todo o Oriente Médio. E o único modo de acabar com isso é criar sociedades livres. Temos um grande instrumento à nossa disposição, que é a verdade e a liberdade, que são universais. Afirmei isso consistentemente durante a minha administração. Existe um Deus e esse Todo-Poderoso agraciou cada homem, mulher e criança com a liberdade.

Logo após tomar posse, em 2001, o sr. disse que não estava preocupado com o déficit orçamentário do país porque o déficit deveria controlar os gastos do Congresso. O sr. gostaria de revisar e ampliar essas observações?

Na verdade, isso foi antes dos atentados de 11 de Setembro. Os cortes de impostos foram implementados para combater a recessão e, na verdade, estávamos eliminando o déficit de conta corrente por meio do crescimento de receitas, como resultado de uma maior atividade econômica, mas ao mesmo tempo estávamos financiando nossas tropas e defendendo o país. E outra coisa que eu disse foi que o déficit que precisávamos realmente eliminar não era o da conta corrente, mas da Previdência Social e do Medicare. Esses são os grandes déficits a resolver. Agora, é claro, vai se verificar um aumento a curto prazo desse déficit, por causa das ações necessárias que eu decidi com vista a impedir o colapso da economia e um total derretimento financeiro. Reconheço que agi contra os princípios do livre mercado. Em circunstâncias normais, minha resposta seria esta: se eles tomaram decisões erradas, então que peçam falência. O problema neste caso é que uma falência arruinaria imensamente o trabalhador.

Então para que servem os princípios?

Os princípios servem para se adotar as medidas necessárias para defender o próprio princípio. Em outras palavras, o objetivo foi adotar as ações necessárias para termos um livre mercado no futuro. Acho que existe muita preocupação de que este seja o fim do livre mercado da maneira como o conhecemos; que o sistema da livre iniciativa, que foi tão maravilhoso para os Estados Unidos, vai ser descartado. Discordo disso. Acho que vai ser muito importante que as vozes racionais continuem a falar, à medida que essa economia se recuperar e os ativos que vão garantir nossas posições forem resgatados, que nós sempre lembramos as pessoas das maravilhas do livre mercado e da livre iniciativa.

O sr. vem dizendo, desde o 11 de Setembro, da sua crença na doutrina da ação preventiva. Seu sucessor afirmou que não acredita nisso. Há riscos na sua política?

Acho que a nova administração vai adotar uma visão mais sóbria do mundo em que vivemos e chegar às conclusões necessárias para proteger nosso país. Você sabe, entre outras coisas, o que vai ficar bastante aparente para os futuros presidentes é que existe um inimigo que ainda se esconde e a principal tarefa do presidente é dar segurança à nossa terra.

Os democratas e liberais o atacaram de modo implacável, chamando-o até de “o pior presidente da história”. Por que o sr. não reagiu?

Acredito que existe uma maneira de nos conduzirmos na vida pública sem recorrer a insultos.

Isso não o aborrece?

Realmente, não. Há dois aspectos na agenda de um presidente. Primeiro, durante a campanha, disse o que pretendia fazer. E, é claro, você também tem de lidar com o inesperado. Esse é o outro lado da função. Precisamos lidar com eventos inesperados de maneira resoluta, muito firme. Não fomos atacados de novo, pelo que estou muito grato. Mas não porque o inimigo não tentou de novo. Foi o resultado das medidas que adotamos.

O sr. disse que a sua fé o sustentou durante o seu mandato. Seus detratores dizem que o senhor tem uma linha direta com Deus - e nos envolveu no Iraque . Sua decisões políticas são necessariamente preceitos específicos de Deus?

Eu tenho explicado, quando indagado, que a oração é algo muito pessoal. O problema é que as pessoas procuram caracterizar a minha religião de modo que se ajuste à visão delas do mundo.

Vejamos se consigo ir mais a fundo nisso: antes de uma decisão importante, antes de iniciar a derrubada de Saddam, o sr. pediu: ‘Deus, se não estiver tomando a decisão certa, interfira e examine - e contenha-me’?

Para mim, a oração é sabedoria e força, protege minha família, protege as tropas. Veja, você adota a melhor decisão possível no momento, e ouve muitos assessores que estão ali para lhe dar o melhor e mais sensato conselho. Sou espiritual, não um místico. Significa que não ouço vozes. Sei que tenho de tomar decisões duras, baseadas nas circunstâncias presentes. E é por isso que, para mim, a oração é um assunto muito pessoal.

O seu sucessor solicitou algum parecer do sr.?

Não, realmente. Tive um encontro muito bom com o presidente eleito. Fiquei impressionado com a sua conduta e seu amor pela família. E disse-lhe que estou disponível, depois de deixar o cargo, caso ele se interesse por minhas opiniões.

E o que ele disse?

Achou excelente. Disse: ‘Com certeza.’ Acho que ele vai perceber que se cercará de tantas opiniões que vai ter de escolher quais as mais confiáveis, quando começar a examinar os diferentes assuntos que vai enfrentar.

O que ele espera que não poderia estar esperando?

É evidente que estamos numa era em que nosso país está sob ameaça e isso vai ficar bastante claro para ele à medida que o tempo passar. Estou certo de que isso já está claro para ele. E, assim, o que é preciso se preocupar, no nosso caso, é não esperar que o inimigo queira nos atingir, mas sobre como eles vão tentar nos atacar. E, inevitavelmente, vai surgir uma crise em alguma parte e os Estados Unidos vão se envolver nela. Vão ocorrer desastres naturais - impossível dizer por quantos furacões eu passei - tornados, incêndios. Portanto, ele precisa estar pronto para lidar com tudo isso.

O que o sr. vai fazer após deixar o cargo?

Vou escrever um livro e fundar um instituto na Southern Methodist University, em Dallas, para falar sobre muitos dos ideais que discutimos nesta entrevista. Estou preocupado com um país que acha que o isolamento é bom - não é - ou que o protecionismo é o caminho a seguir a partir de uma perspectiva econômica. Preocupo-me com as pessoas dizendo: ‘Não devemos estar na liderança em certos assuntos’. Pretendo usar o instituto como um local onde trataremos das reformas educacionais no Oriente Médio, por exemplo, de modo que o povo americano possa ver algumas das coisas positivas que estão ocorrendo ali. Para continuar a promover as iniciativas baseadas na fé em nosso país. Estou muito interessado em me envolver com a iniciativa que visa o controle da malária, para mostrar ao povo americano que estamos vivendo o provérbio: “Quem muito recebe, muito lhe será pedido.”

Retrospectivamente, o que o sr. faria novamente?

Provavelmente teria insistido mais na reforma das leis de imigração, após a eleição em 2004, e na reforma da Previdência Social. Fiz campanha pela reforma da previdência. Muitos políticos ignoram isso porque têm medo do alto risco político - o risco, porém, é não falar dela. Sempre tive um forte desejo de pedir ao Congresso para pensar sobre um plano de contribuição bem definido que modernize a previdência. E se eu tivesse de fazer isso novamente, provavelmente cuidaria primeiro da política de imigração, como parte de uma campanha que levasse em conta o trabalhador sazonal e a segurança das fronteiras. Eu acho que um sistema que é tão rudimentar a ponto de os humanos se tornarem contrabando é um sistema que realmente tem de ser reexaminado com seriedade. Por outro lado, não vejo como se pode ter uma ampla segurança nas fronteiras sem um programa que reconheça que há pessoas fazendo trabalhos que os americanos não estão dispostos a fazer e, portanto, deve existir um meio para elas chegarem temporariamente aqui, de maneira comprovada, e que não precisem se esconder, pagar um “coiote” ou viajar num caminhão abarrotado de gente, ou tentar atravessar o deserto e morrer.

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