O Globo
24/01/2009
NOVA YORK. Para não haver dúvida de que o conceito de "poder inteligente" ("smart power"), defendido pela secretária de Estado americana, Hillary Clinton, ao assumir o posto, não descarta o uso do "poder forte" ("hard power"), os dois primeiros mísseis da nova administração Obama contra supostos esconderijos da Al Qaeda no Paquistão foram lançados ontem. A manutenção da estratégia, que já matou cerca de oito dos principais líderes da organização terrorista desde julho do ano passado, mostra que nada mudou essencialmente no combate ao terrorismo, embora a procura da negociação seja uma prioridade.
O próprio professor de Harvard Joseph Nye, autor da expressão "smart power" num livro de 1990 chamado "Destinado a liderar" ( "Bound to lead"), explica que o "poder inteligente" é a combinação do "poder forte" com o "poder suave", e não descarta, portanto, o uso da força militar quando necessário.
A decisão de fechar a prisão de Guantánamo e de proibir a tortura formalmente corresponde à linha geral do novo governo de dar o exemplo interno para incentivar uma nova visão da sociedade americana de valorizar conceitos básicos da democracia, como os direitos humanos.
Mas pode gerar, depois de mais de sete anos de uma política antiterrorismo que sacrificou esses valores em troca de uma suposta maior segurança da sociedade, inquietações e críticas por parte dos conservadores.
O candidato derrotado, John McCain, já saiu na frente, acusando o governo Obama de ter sido "apressado" na decisão. E o anúncio de que o segundo homem da escala de poder da Al Qaeda no Yemem é um prisioneiro de Guantánamo, liberado depois de um programa de recuperação na Arábia Saudita, fez crescer o temor de que a nova política seja ingênua diante da ameaça terrorista.
A tese do "smart power" corresponde ao propósito de Barack Obama expresso em seu discurso de posse, de continuar a liderar o mundo, mas pela negociação e pelo convencimento em vez da coerção.
Joseph S. Nye Jr, que trabalhou nos governos Carter e Clinton, nas secretarias de Estado e de Defesa, abordou pela primeira vez o conceito para falar sobre o novo papel dos Estados Unidos com o fim da Guerra Fria e a mudança que já detectava no mundo onde, defendia, o poder, além de econômico e militar, teria uma terceira dimensão, a que chamou de "soft power", a habilidade de conseguir o que se quer através da atração em vez da coerção.
Segundo ele, esse poder pode ser cultivado através de relações com aliados, assistência econômica e intercâmbios culturais. Isso resultaria em uma opinião pública mais favorável e maior credibilidade externa dos Estados Unidos.
A teoria de Nye só fez crescer de importância nos últimos 20 anos, e Obama parece se movimentar nessa direção quando admite que o mundo mudou e os Estados Unidos têm que mudar também.
E que novos polos de poder estão em ascensão num mundo multipolar, que não comporta mais a imposição da hegemonia de apenas um parceiro do jogo internacional, mesmo que seja a maior potência econômica e militar do planeta, apesar da crise.
Neste mundo em que novos polos de poder surgem, os Estados Unidos não deixarão de ser muito influentes. Barack Obama parece concordar com a tese de que o poder dos Estados Unidos hoje depende muito mais de seu "soft power" do que de seu poderio militar, que causou estragos à imagem dos Estados Unidos nos últimos oito anos da Era Bush.
A própria vitória de Obama na eleição presidencial seria uma demonstração de que a sociedade americana estava em busca de uma mudança de rumo, e o amplo apoio internacional ao candidato democrata revela a ânsia por uma mudança de relacionamento com a maior potência do mundo.
Seria a manifesta vontade de dialogar, mesmo com os adversários, em busca de uma saída para crise como a do Oriente Médio, ou a do Paquistão, juntamente com os valores democráticos da sociedade americana reforçados pela atuação do novo governo, por exemplo, que evitaria que os terroristas recrutassem apoio entre as maiorias moderadas.
Mas o "hard power" continua a ser um recurso crucial num mundo em que grupos terroristas e estados-marginais continuam querendo impor suas ideias pela força.
Em artigo recente, Joseph Nye detalhou as fontes do "soft power": cultura, valores, desde que estimulados internamente como exemplo, e políticas inclusivas, que sejam valorizadas como tais e não pareçam intromissão indevida.
Enquanto a imagem dos Estados Unidos vem sendo desgastada pelos últimos anos do governo Bush, Joseph Nye diz que seu conceito vem sendo compreendido cada vez mais, mas não pode ser reduzido, como alguns fazem, transformando-o em apenas a influência dos jeans, da Coca-Cola e do poder do dinheiro.
Segundo ele, os Estados Unidos podem ser um "poder inteligente" investindo em bens públicos mundiais, promovendo desenvolvimento, melhorando a saúde pública e lidando com a questão climática.
Também estaria nessa linha a promoção dos direitos humanos e a democracia, mas pelo exemplo, e não pela imposição, como alegava querer o governo Bush.
O próprio professor de Harvard Joseph Nye, autor da expressão "smart power" num livro de 1990 chamado "Destinado a liderar" ( "Bound to lead"), explica que o "poder inteligente" é a combinação do "poder forte" com o "poder suave", e não descarta, portanto, o uso da força militar quando necessário.
A decisão de fechar a prisão de Guantánamo e de proibir a tortura formalmente corresponde à linha geral do novo governo de dar o exemplo interno para incentivar uma nova visão da sociedade americana de valorizar conceitos básicos da democracia, como os direitos humanos.
Mas pode gerar, depois de mais de sete anos de uma política antiterrorismo que sacrificou esses valores em troca de uma suposta maior segurança da sociedade, inquietações e críticas por parte dos conservadores.
O candidato derrotado, John McCain, já saiu na frente, acusando o governo Obama de ter sido "apressado" na decisão. E o anúncio de que o segundo homem da escala de poder da Al Qaeda no Yemem é um prisioneiro de Guantánamo, liberado depois de um programa de recuperação na Arábia Saudita, fez crescer o temor de que a nova política seja ingênua diante da ameaça terrorista.
A tese do "smart power" corresponde ao propósito de Barack Obama expresso em seu discurso de posse, de continuar a liderar o mundo, mas pela negociação e pelo convencimento em vez da coerção.
Joseph S. Nye Jr, que trabalhou nos governos Carter e Clinton, nas secretarias de Estado e de Defesa, abordou pela primeira vez o conceito para falar sobre o novo papel dos Estados Unidos com o fim da Guerra Fria e a mudança que já detectava no mundo onde, defendia, o poder, além de econômico e militar, teria uma terceira dimensão, a que chamou de "soft power", a habilidade de conseguir o que se quer através da atração em vez da coerção.
Segundo ele, esse poder pode ser cultivado através de relações com aliados, assistência econômica e intercâmbios culturais. Isso resultaria em uma opinião pública mais favorável e maior credibilidade externa dos Estados Unidos.
A teoria de Nye só fez crescer de importância nos últimos 20 anos, e Obama parece se movimentar nessa direção quando admite que o mundo mudou e os Estados Unidos têm que mudar também.
E que novos polos de poder estão em ascensão num mundo multipolar, que não comporta mais a imposição da hegemonia de apenas um parceiro do jogo internacional, mesmo que seja a maior potência econômica e militar do planeta, apesar da crise.
Neste mundo em que novos polos de poder surgem, os Estados Unidos não deixarão de ser muito influentes. Barack Obama parece concordar com a tese de que o poder dos Estados Unidos hoje depende muito mais de seu "soft power" do que de seu poderio militar, que causou estragos à imagem dos Estados Unidos nos últimos oito anos da Era Bush.
A própria vitória de Obama na eleição presidencial seria uma demonstração de que a sociedade americana estava em busca de uma mudança de rumo, e o amplo apoio internacional ao candidato democrata revela a ânsia por uma mudança de relacionamento com a maior potência do mundo.
Seria a manifesta vontade de dialogar, mesmo com os adversários, em busca de uma saída para crise como a do Oriente Médio, ou a do Paquistão, juntamente com os valores democráticos da sociedade americana reforçados pela atuação do novo governo, por exemplo, que evitaria que os terroristas recrutassem apoio entre as maiorias moderadas.
Mas o "hard power" continua a ser um recurso crucial num mundo em que grupos terroristas e estados-marginais continuam querendo impor suas ideias pela força.
Em artigo recente, Joseph Nye detalhou as fontes do "soft power": cultura, valores, desde que estimulados internamente como exemplo, e políticas inclusivas, que sejam valorizadas como tais e não pareçam intromissão indevida.
Enquanto a imagem dos Estados Unidos vem sendo desgastada pelos últimos anos do governo Bush, Joseph Nye diz que seu conceito vem sendo compreendido cada vez mais, mas não pode ser reduzido, como alguns fazem, transformando-o em apenas a influência dos jeans, da Coca-Cola e do poder do dinheiro.
Segundo ele, os Estados Unidos podem ser um "poder inteligente" investindo em bens públicos mundiais, promovendo desenvolvimento, melhorando a saúde pública e lidando com a questão climática.
Também estaria nessa linha a promoção dos direitos humanos e a democracia, mas pelo exemplo, e não pela imposição, como alegava querer o governo Bush.
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