O Globo
13/01/2009
Deborah Berlinck
GUERRA EM GAZA
Ex-subsecretário da ONU critica EUA e Europa e diz que extremismo sai fortalecido do Marrocos à Indonésia
PARIS. Considerado o "homem para situações difíceis" da ONU, sobretudo no período sob o comando de Kofi Annan, o argelino Lakhdar Brahimi, que já foi subsecretário-geral, sabe do que está falando quando o assunto é Oriente Médio: entre suas várias missões, foi ele quem presidiu a conferência que criou o governo pós-regime talibã no Afeganistão, em 2001. Brahimi classifica o ataque a Gaza de "guerra de exterminação", chama europeus de confusos e silenciosos, diz que os americanos não são intermediários honestos, pois apoiam tudo o que faz Israel, e alerta que o ataque a Gaza vai reforçar o extremismo islâmico "do Marrocos à Indonésia".
Deborah Berlinck
Israel justifica o ataque a Gaza como autodefesa, invocando o artigo 51 da Carta da ONU. O senhor acha que os mísseis do Hamas justificam isso?
LAKHDAR BRAHIMI: Certamente não. A história não começa em junho de 2008, no momento em que foi feito um acordo de cessar-fogo (entre Israel e o Hamas). É preciso resolver o problema fundamental, que vem desde 1967: a ocupação dos territórios palestinos por Israel. Esqueceu-se muito rápido que o Hamas aplicou um cessar-fogo unilateralmente durante 18 meses. O acordo de junho de 2008 exigia um compromisso dos dois lados: do Hamas, de parar com os mísseis, e de Israel, de suspender o embargo e deixar passar alimentos e medicamentos. Israel não cumpriu nada disso.
Por que Israel ataca Gaza? O Hamas é uma desculpa, então?
BRAHIMI: Todo mundo reconhece hoje, mesmo em Israel, que isso tem a ver com as eleições (israelenses, em fevereiro). Os partidos no governo sabem que estão perdendo para o Likud (principal partido de direita israelense) e que (a ofensiva de Gaza) é uma forma de ter uma chance de ganhar as eleições ou de não perder de forma humilhante. Outro motivo é que não acho que Israel esteja interessado em paz.
Com cerca de 900 palestinos mortos, entre eles, muitos civis, e o impedimento de ajuda humanitária, pode-se falar em crime de guerra?
BRAHIMI: A Cruz Vermelha Internacional anunciou que não estão deixando a organização fazer seu trabalho. Há histórias de crianças que durante quatro dias foram abandonadas ao lado dos cadáveres de suas mães. Os civis são claramente mais da metade dos mortos.
Mas pode-se falar em crime de guerra?
BRAHIMI: Há certamente violação do direito internacional e do direito humanitário. Isso é crime de guerra, contra a Humanidade, os dois? Cabe a uma investigação determinar ou o recurso a uma corte internacional e, por que não, a um tribunal criminal internacional.
O Hamas e outros grupos extremistas da região vão sair fortalecidos ou destruídos?
BRAHIMI: Li no "Haaretz" (jornal israelense) dois artigos dizendo que, na História de Israel, operações como esta nunca contribuíram para enfraquecer extremistas. Acontece exatamente o contrário: saem reforçados. Escrevem os israelenses que o Hamas estaria ganhando terreno na Cisjordânia. Mahmood Abbas e o Fatah estão cada vez mais encabulados, confusos. Vários dirigentes do Fatah admitem que estão perdendo terreno. É certo que o movimento islâmico vai se reforçar do Marrocos à Indonésia, em todos os países. A raiva e o sentimento de frustração diante das imagens empurram os muçulmanos na direção dos islamistas.
Barack Obama vai continuar a apoiar todas as ações de Israel, como no governo Bush?
BRAHIMI: No início de sua campanha, Obama fez declarações que pareciam indicar que ele compreende bem a situação no Oriente Médio e sabe que Israel não tem razão em 100%. Depois mudou suas declarações de forma radical. E num momento assumiu uma linguagem muito mais extremista pró-israelense do que seus predecessores. Agora vamos ver como ele vai fazer. O que estou escutando sobre os nomes que vão assumir o dossiê do Oriente Médio não é encorajador, pois são pessoas que fracassaram nos governos Clinton e Bush, que não fizeram nada e mostraram total parcialidade a favor de Israel. Não vou citar os nomes porque terei que falar com estas pessoas mais tarde.
Os EUA ainda podem ser um intermediário honesto?
BRAHIMI: Não, eles não são intermediários honestos. Acho que eles deveriam assumir que estão claramente do lado de Israel, mas como um papel que, defendendo o interesse de Israel, vai aconselhar Israel a fazer a paz com os vizinhos.
Depois disso tudo, pode-se negociar a criação de um Estado palestino?
BRAHIMI: Está cada vez mais problemático. Mahmoud Abbas está descredenciado. Ele negociou, e confiou nos americanos e no governo israelense durante anos e não conseguiu absolutamente nada para a população. O muro de Israel está crescendo e roubando cada vez mais terras dos palestinos, a repressão continua na Cisjordânia.
Os dias do Fatah e de Abbas estão contados? O Hamas vai inevitavelmente tomar o poder na Cisjordânia?
BRAHIMI: Se a situação atual continuar, não há dúvida que isso vai acontecer. E os que dizem isso são os dirigentes do Fatah.
A Europa pode ter um peso?
BRAHIMI: O presidente Sarkozy (França) tomou iniciativas e foi à região. Mas francamente a atitude da Europa é profundamente decepcionante. A Europa econômica existe, a política talvez, mas a Europa diplomática não existe muito. Os países estão divididos e paralisados e não aplicam o que pregam. Os europeus não têm mais o direito de falar nem em direitos humanos ou democracia.
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