domingo, 11 de janeiro de 2009

A luta pela construção da democracia

Jornal do Brasil

11/01/2009

Marsílea Gombata

Larry Diamond
Especialista da Universidade de Stanford avalia as perspectivas do governo de Barack Obama e faz um balanço sobre atuais desafios para a comunidade internacional

Um dos principais nomes da Universidade de Stanford, na Califórnia, Larry Diamond fala sobre a relação íntima entre política externa e processos democráticos em outros países para analisar o próprio caminhar dos EUA, de países como Venezuela e Rússia, e as perspectivas de mudança com Barack Obama. Em entrevista ao
JB , o especialista avalia erros e acertos da comunidade internacional e vislumbra uma relação mais próxima entre Brasil e EUA sob nova gestão.
De que se trata o espírito da democracia?
­ O espírito da democracia é aquele ligado a compromisso, coerência, comprometimento com as regras constitucionais. E espera-se que as normas da democracia em si sejam uma caminho em prol da participação e igualdade política, e dos direitos individuais.
Esse espírito é o mesmo em países mais pobres de regiões como América Latina ou Oriente Médio e nos EUA ou Europa, por exemplo?
­ Eu diria que se manifesta de maneiras diferentes. São expressões diferentes na Europa, América Latina e Oriente Médio. O traçado vem em pacotes diferentes, mas quanto mais se praticar, mais esta democracia será estável.
Quais governos estariam va- cilantes neste processo? Como analisaria, por exemplo, os processos na Rússia e Venezuela?
­ Nos dois países tem havido perdas democráticas e se está mais distante da democracia. São resultados de leis e regras autoritárias, embaladas por projetos populistas. E tem sido mais sério na Rússia do que na Venezuela. Hugo Chávez permite um pluralismo político maior do que se faz na Rússia. É possível até mesmo que venha a ser derrotado nas próximas eleições presidenciais. Hoje, as regulamentações partidárias são extremamente hegemônicas na Rússia. O país se tornou, de fato, um regime de caráter autoritário. Mas, vale lembrar, em cada caso a riqueza do petróleo ajudou os líderes acabar de forma significativa com as liberdades individuais e a competição política.
Em que fase se encontra o pro- cesso de democracia nos Estados Unidos? Quais as perspectivas para o governo Obama em relação a isso?
­ Acho que a democracia nos EUA foi fortemente vigorada com a eleição de 2008. Primeiramente, se tem um contexto de novas tecnologias, com o uso intenso da internet e de pequenas doações pela Rede, assim como participações organizadas de jovens e outros americanos em um número sem precedentes, e ferramentas como o Facebook para organizar grupos e apoiar candidatos. Houve uma participação significativa de pessoas trabalhando em campanhas políticas e, por um lado, o retorno da esperança sobre o civilismo no processo político. Na minha opinião, a administração de oito anos representou o abuso, a contenção da opinião pública e das normas internacionais, o desrespeito no trato com os detentos. Violou muitos dos direitos humanos, as normas democráticas dentro e fora de casa e, decisivamente, levou ao repúdio nas eleições do ano passado. Finalmente, temos um americano de origem africana como presidente dos EUA. Devemos nos perguntar se seria possível isso na União Européia e em outras democracias do mundo. Portanto, é muito inspirador dizer que se trata de um grande passo em direção à democracia nos EUA. É claro que ainda precisamos alcançar igualdade política, social e econômica para as minorias raciais. E para que haja inspiração para o processo político há uma nova geração cheia de idéias.
A bandeira da "democracia americana" foi usada como propósito de invasões, conflitos e guerras, como no Afeganistão, por exemplo. Até que ponto isso pode ser legitimado?
­ Não acho que deveríamos, pri- meiramente, forçar ou pressionar para promover a democracia. E o que se usa para forçar em território estrangeiro é para defender nossa própria segurança nacional ou sob pressupostos internacionais da segurança coletiva ou o que chamamos de responsabilidade de proteger, no sentido da violação dos direitos humanos. Acho que podemos ser justificados quando usamos a força para dar fim ao genocídio em Ruanda. Acredito, ainda, que seríamos ainda mais justificados se a comunidade internacional usasse de mais força para remover o regime de Robert Mugabe, no Zimbábue. O mesmo se conseguíssemos usar a comunidade internacional para dar fim às mortes em Darfur.
Como a política externa ame- ricana afeta a democracia em países do exterior?
­ Positivamente, na assistência de- mocrática em vários lugares, com organizações não-governamentais, partidos políticos, governos, agências. Em casos de uso da pressão diplomática, para tentar melhorar a situação dos direitos humanos e dar início a mudanças democráticas gradualmente. Os esforços americanos são particularmente importantes em conjunção com os aliados democráticos, mas acho que podemos fazer mais. É preciso fazer com que a política externa abrace a causa contra regimes autoritários. Reafirmar a preocupação com os direitos humanos e mudanças democráticas graduais devem ser colocadas como as mais altas prioridades.
Quais perspectivas de mudan- ça para a política externa no governo de Barack Obama?
­ Vamos ver mais moderação den- tro de uma profunda mudança, marcada por mais cooperação internacional e multilateralismo, para lidar com ameaças e a recessão global. Talvez uma nova história, com G-8, G-15, não sei. Essas decisões incluem o peso de países como China, Índia e Brasil, e acho que poderemos ver Obama tentando encorajar um movimento nesta direção. Ele também se engajará em renunciar ao uso da tortura, fechar Guantánamo e renunciar ao uso dos princípios que incluem a força para promover a democracia. Isso sem faltar nas prioridades óbvias, como Iraque, Afeganistão, o envolvimento do Paquistão no Afeganistão, um potencial conflito entre Índia e Paquistão, além do programa nuclear iraniano e da Coréia do Norte. Chega a ser inacreditável a quantidade de desafios que Obama tem pela frente, só comparáveis a um contexto como a Segunda Guerra. Ele estará de olho em novos caminhos de cooperação internacional para alcançar reduções significativas na pobreza mundial.
Em relação à questão pales- tinos-israelenses. Será o mesmo tom do governo Bush ou terá mais abertura?
­ Realmente não posso dizer o que acontecerá. Israel tem razão para existir, e nos EUA há um forte senso compartilhado em relação a isso. As pessoas apóiam cada passo ou tática militar feita por Israel. Mas uma coisa podemos apostar ­ Obama vai buscar um acordo de paz. Será um ponto de prioridade extrema logo no início de seu governo, em vista que há muito tempo essa região está sem qualquer acordo neste sentido.
O que falta para um en- tendimento entre o islã e o Ocidente?
­ Acredito que o maior desafio tanto para os EUA e a Europa é poder enxergar como o islamismo é complexo e diversificado.
Há algum outro ponto que não abordamos em relação ao futuro governo de Obama e você considera importante?
­ Acho importante sublinhar que a relação Brasil-EUA é de extrema importância. O Brasil é um mercado emergente muito significante e o mais populoso da América Latina. O Brasil agora pode estar mais conectado conosco, pois, além de tudo, é um país multiracial. Estamos falando de uma parceria que poderia render frutos de forma extraordinária nos próximos anos que estão por vir.

Perfil
Larry Diamond
Ex-conselheiro sênior do governo americano para a Autoridade Provisória da Coalizão, no Iraque, é autor de livros como The spirit of democracy: the struggle to build free societies throughout the world, editor do Journal of democracy e leciona sociologia e ciência política em Stanford.
Arquivo pessoal
ESTADO ­ Para Diamond, a Rússia vem perdendo valores democráticos O Brasil é um mercado emergente significante. Estamos falando de uma parceria, com os EUA, que poderia render frutos de forma extraordinária

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