quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Obama precisa sanar economia mundial

Valor Econômico

21/01/2009
Martin Wolf

Martin Wolf é colunista do 'Financial Times'
Apiedemo-nos do presidente Barack Obama. Ele conquistou o poder em parte devido à crise econômica mundial. Ele próprio, a maioria de seus compatriotas e grande parte do restante do mundo concordam em que os EUA quebraram a economia mundial e agora têm o dever de consertá-la. Infelizmente, esse consenso é falso. A crise é um produto da economia mundial. Não pode ser solucionada pelos EUA sozinhos.
Felizmente, Obama tem a autoridade necessária para liderar o mundo rumo a uma solução: suas mãos estão limpas e sua vontade de isentar seu país de culpabilidade é evidente. É também do interesse de seu país e do mundo que a economia mundial seja posta em terreno mais sólido. Se esse esforço fracassar, temo que o resultado será um ressurgimento de protecionismo.
Qual é, então, a inadequação mundial? É a maligna interação entre a propensão de alguns países a praticar um excesso crônico de oferta e a propensão contrária de outros países a um excesso de demanda. Esse é o tema de meu livro "Fixing Global Finance". Mas a principal questão na economia mundial hoje é que a tomada de empréstimos, alimentada a crédito, pelas famílias, que sustentou o excesso de demanda em países deficitários, cessou abruptamente. A menos que isso seja revertido, o excesso de oferta dos países superavitários também precisa cessar. Essa afirmação decorre de simples lógica: em nível mundial, a oferta precisa ser igual à demanda. A questão é apenas como acontecerá o ajuste.
Michael Pettis, da Universidade de Pequim, expôs o argumento no Financial Times de 14 de dezembro de 2008. O professor Pettis vê o mundo dividido em dois campos econômicos: num deles estão os países com sistemas elásticos de financiamento ao consumidor e consumo elevado; no outro, estão países com elevadas poupança e investimento. Os EUA são o mais importante exemplo do primeiro caso. A China é o exemplo mais significativo do segundo. Espanha, Reino Unido e Austrália são miniversões dos EUA; Alemanha e Japão são versões maduras da China contemporânea.
Já argumentei que a força motriz por trás desses "desequilíbrios" foram as políticas dos países superavitários, e especialmente da China, cujos superávits cresceram com particular rapidez. Um câmbio administrado, enormes acúmulos de reservas em moeda estrangeira e a esterilização de suas conseqüências monetárias, apertada disciplina fiscal e elevada retenção de lucros de companhias geraram taxas de poupança nacional bastante superiores a 50% do PIB e superávits em conta corrente superiores a 10%. A poupança domiciliar pareceu gerar menos de um terço da poupança total. Por outro lado, investimentos foram despejados em crescente oferta, inclusive de exportações: a proporção das exportações chinesas em relação a seu PIB cresceu de 38% do PIB no início de 2002 para 67% em 2007.
A visão de que os excessos de países deficitários foram, em parte, uma resposta ao comportamento dos países superavitários é consensual entre alguns autoridades econômico-financeiras, entre elas Hank Paulson, prestes a deixar o posto de secretário do Tesouro americano. Atribui-se a Zhang Jianhua, do Banco do Povo da China, a declaração segundo a qual "essa visão é extremamente ridícula e irresponsável e deriva de uma lógica de "gângsteres"". Dessa perspectiva, o padrão de déficits e superávits mundiais foram causados unicamente pelas autoridades econômico-financeiras ocidentais, especialmente as frouxas políticas monetárias do Fed (Federal Reserve, Banco Central dos EUA) e da expansão desregulamentada do crédito.
Entretanto, seja quem for o principal responsável, uma coisa é certa: enormes bolhas nos preços de ativos tornaram possível o excesso de oferta de alguns países, especialmente a China. Desde a crise financeira asiática de 1997-98, o mundo desenvolvido - e os EUA, em especial - experimentaram sucessivamente a maior bolha no mercado acionário e a maior bolha alimentada a crédito no mercado habitacional em suas histórias. Essa era terminou. Sofreremos com suas conseqüências durante anos.
Então, o que acontecerá agora? A implosão da demanda nos setores privados de países deficitários financeiramente debilitados pode terminar de uma de duas maneiras, por meio de aumentos contrabalançadores da demanda ou mediante brutais contrações da oferta.
Caso venha a ocorrer mediante contrações na oferta, os países superavitários ficarão particularmente em risco, uma vez que dependerão da disposição de países deficitários de manter seus mercados abertos. Essa foi a lição aprendida pelos EUA nos anos 1930. Os países superavitários gostam de criticar seus clientes por seu esbanjamento. Mas quando estes param de gastar, os primeiros são fortemente prejudicados. Se eles tentarem subsidiar seu excedente de oferta em resposta a uma queda na demanda, retaliações provavelmente virão.
Evidentemente, uma expansão da demanda é uma solução muito melhor. A questão, porém, é onde e como? Atualmente, acredita-se que grande parte da expansão virá do orçamento federal dos EUA. Deixemos de lado especulações sobre se isso funcionará. Até mesmo os EUA não podem incorrer indefinidamente em déficits fiscais de 10% do PIB. Boa parte da necessária expansão na demanda mundial deve vir dos países superavitários.
A administração desse ajuste é de longe o maior problema para o grupo de 20 economias avançadas e emergentes, que se reunirá em Londres no início de abril. Obama precisa assumir a liderança. Ele pode - e deveria - dizer que espera que esses ajustes sejam feitos, mas compreende que levarão tempo. Ele pode também promover medidas excepcionais de caráter fiscal e monetário no curto prazo, se os principais parceiros comerciais de seu país fizerem os necessários ajustes de médio prazo em seus gastos. A China, em especial, precisa criar uma economia movida a consumo. Isso é de interesse da China. É também de interesse do mundo.
Entretanto isso não é tudo o que os EUA deveriam propor. Para que a economia mundial seja menos dependente de bolhas destrutivas, mais do capital superavitário mundial precisa afluir como investimento em economias emergentes. O problema, porém, é que esses fluxos também sempre resultaram em crises. É por isso que, nesta década, as economias emergentes puseram-se a acumular vastas reservas em moeda estrangeira. É essencial, portanto, fazer com que a economia mundial dê mais apoio a tomada de empréstimos líquidos por economias emergentes.
O que será necessário para isso é um seguro muito maior e mais eficaz contra riscos sistêmicos do que o atualmente proporcionado pelo FMI. Um passo crucial seria uma reestruturação da governança do FMI, para torná-lo mais solícito às necessidades de tomadores de empréstimos responsáveis. Uma das idéias que Obama deveria propor é o estabelecimento de uma comissão de alto nível para recomendar uma reestruturação radical de instituições mundiais, com vistas a baixar os riscos das crises, em mercados emergentes, que antecederam a era de bolhas nos países avançados.
Sejamos claros sobre o que está em jogo. É essencial limpar a enorme bagunça atual. Mas é também evidente que uma economia mundial aberta será insustentável se continuar dependente de bolhas. Um colapso da globalização não é, hoje, um pequeno risco. Obama está presente à recriação do sistema econômico mundial. É um desafio que ele tem de enfrentar.

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