domingo, 11 de janeiro de 2009

O desejo que falta

Folha de São Paulo

11/01/2009

É unânime a convicção de que a preliminar para a paz é a criação do Estado Palestino; ainda assim, os EUA pouco falam nele

A NOVIDADE que Barack Obama pode trazer à situação no Oriente Médio, se de fato desejar uma atitude inovadora, é só esta, simples e precisa: o desejo real de acabar com o que, até hoje, nenhum envolvido direto e indireto desejou mudar.
Cada acordo de trégua ou "de paz", na farta sequência que vem de meado do século passado, esteve munido de armadilhas -em geral, criadas pelos próprios patrocinadores dos entendimentos- que em pouco lhes condenariam a vigência. Quando não os esvaziaram antes mesmo de vigorar. Não são necessariamente, porém, traições e reversões inesperadas: são partes do jogo de interesses não declaráveis, mas bem conhecidos pelos jogadores.
Um pormenor do projeto de acordo agora encabeçado pelo mal disfarçado ditador egípcio, Housni Mubarack, ilustra a técnica sistemática.
A abertura permanente do posto fronteiriço Egito-Gaza e a área dos pequenos túneis ali abertos, para passagem de bens e armas, precisam de vigilância isenta e também permanente. Claro. Vigilantes mais indicados que os de forças da ONU? Impossível. O próprio Egito, no entanto, introduz no projeto uma referência, de aparente lógica e quase insignificância, que dificulta tudo o mais: "O Egito não pode aceitar, por sua soberania, a presença de estrangeiros no seu território".
Estrangeiros podem até ser donos de pedaços do Egito, podem explorar riquezas do Egito, podem valer-se do trabalho egípcio, mas não podem cumprir a missão pacificadora de vigilância em nome da maior instituição internacional, a ONU integrada pelo próprio Egito. O projeto de acordo já vem com o seu impasse. E não único, é só raspar um pouco a superfície para encontrar outros que ericem Israel em tal parágrafo, o Hamas naquele.
É unânime a convicção de que a preliminar para a paz é a criação do Estado Palestino verdadeiro. Ainda assim, não é à toa que os Estados Unidos pouco falem nesse Estado.
O fim, ou uma grande redução, do desequilíbrio conflituoso na área, que divide os próprios países islâmicos, confunde-se com o risco de uma futura unidade desses países, na região que o petróleo torna a mais sensível para os Estados Unidos. O desentendimento generalizado sempre aumenta a força do mais forte.
Para Israel, embora não com tanta relevância para o petróleo, o problema é o mesmo. Com a criação do Estado Palestino e o esperável fim das hostilidades agudas, a população atual de Israel receberia o benefício mais ansiado e justo. A estratégia nacional israelense, não. Mesmo que abdicando do pouco falado plano do Grande Israel, a anemia palestina e as dissensões islâmicas são melhores, na concepção estratégica, do que a perspectiva de um vizinho sem fraternidade, mais organizado e em convivência familiar com os outros vizinhos. No caso de Israel, há ainda as motivações da política interna, na qual a hostilidade aos palestinos, e aos islâmicos em geral, é uma força tão poderosa que termina por sujeitar até seus opositores, como o hoje presidente Shimon Peres, para terem ou manterem o poder.
Os jogos da política interna, nos países islâmicos, não são diferentes dos israelenses senão por serem muito mais intensos e baixos. Para os poderes políticos e religiosos de vários desses países ("vários", no caso, é só uma precaução), os palestinos e Israel são recursos retóricos, cuja revalidação não requer mais do que um ou outro ato pequeno e ligeiro. A defesa alegórica dos irmãos é fonte de poder.
Os europeus? Ah, que conforto, não os perturbem. E que divertido ver os Estados Unidos corroendo cada vez mais sua preponderância mundial, com as tantas mancadas. Iraque, Afeganistão, Paquistão, palestinos, Irã, Israel, Cuba e Guantánamo, Hugo Chávez e agora a própria casa destelhando-se.
O que disse ou dirá Barack Obama não interessa. Importa o quanto mostre, ou não, da preliminar que é o desejo real.

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