Jornal do Brasil
27/01/2009
Emir Sader,filósofo e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro(UERJ)
Foi em 2000, quando começamos a pensar em transformar as manifestações anti-Davos – que se faziam, cercando ao balneário que tinha sido cenário de A montanha mágica, de Thomas Mann, agora conspurcado pelos agentes e pops do neoliberalismo e da globalização, no auge do inverno suíço – em um Fórum Social Mundial contraposto ao Fórum Econômico Mundial. O final da década parecia confirmar os presságios tanto do "pensamento único", quanto do Consenso de Washington. Afinal, se o modelo neoliberal tinha nascido pelas mãos de Pinochet, Thatcher e Reagan, tinha recebido as bênçãos de "modelo inevitável" pela geração seguinte, já não mais de ultra direita, mas de uma nova direita: Blair, Clinton, Felipe Gonzalez, Mitterrand, FHC, Carlos Andrés Perez, o PRI, Menem, entre outros, originários de correntes social democratas e nacionalistas. Governar não era mais abrir estradas - como se dizia antes de Getúlio -, mas abrir economias à globalização, "virar a página do getulhismo", como diria a versão cabocla – com pé na cozinha francesa, como ele esclareceria depois – da moda neoliberal.
Mas a velha toupeira fazia seu trabalho subterrâneo e não tardaria a irromper à superfície. No momento em que FHC tomava posse e assumia a versão nativa do neoliberalismo e o México assinava o Tratado de Livre Comércio da América do Norte, explodia neste país a primeira crise do neoliberalismo, atendida imediatamente por um gigantesco empréstimo dos EUA, temeroso da sua propagação, e os zapatistas davam seu "grito contra o neoliberalismo".
Em plena década de ouro do neoliberalismo, os movimentos sociais começavam a articular sua resistência – dos zapatistas ao MST, dos movimentos indígenas equatorianos aos bolivianos. Uma plácida e rotineira reunião da OMC, em 1999, numa das mecas da posmodernidade – Seattle – de repente se viu bloqueada por uma imensa manifestação convocada pela internet, a que se seguiram outras tantas na Europa, na Ásia, por onde a OMC tentasse se reunir, até que estes se refugiaram em Dubai.
Não cheirava bem a virada do século para o neoliberalismo. Apesar da América Latina ter sido transformada no paraíso neoliberal, sintomas preocupantes para os gurus do Consenso de Washington se acumulavam, até que Hugo Chavez se elegeu presidente na Venezuela, em 1998, seguiu-se a crise brasileira, de 1999 – umas das três vezes que FHC quebrou o país em um tempo recorde – e a argentina, de 2001/2002, completando o trio de ferro da economia do continente, infectado pelo vírus do "livre comércio", das privatizações, desregulamentações, precarizações laborais.
A passagem da ultima década do século passado à primeira desta representa uma das viradas históricas mais impressionantes na história do continente – que eu caracterizo como mais um trabalho d´"A nova toupeira", como eu intitulo o livro que estou publicando pela Boitempo, para falar da trajetória, dos dilemas e do potencial da esquerda latinoamericana neste novo século. De laboratório de experiências neoliberais a elo mais frágil da cadeia neoliberal.
O Fórum Social Mundial foi contemporâneo desse movimento. Nasceu no momento de resistência dos movimentos sociais ao neoliberalismo, multiplicou a força dessa resistência, como espaço múltiplo de encontro de todos os que lutam por "um outro mundo possível", contra um modelo precocemente envelhecido, comprometidos com a criação de um modelo de prioridade do social, dos direitos, do humano contra a ditadura dos mercados, que levou o mundo a uma imensa regressão.
Realizado inicialmente em Porto Alegre, pelo papel que o Brasil passou a ter na nova esquerda mundial e que a capital sulina expressou através dos extraordinários governos centrados no orçamento participativo, o Fórum Social cresceu exponencialmente, transferiu-se para a Ásia e a África, para retornar a Porto Alegre e agora a Belém, no coração da Amazônia. Realiza-se no momento em que tudo o que era previsto se realizou de forma mais dramática ainda, com o desmentido cabal dos discursos apologéticos do mercado como "melhor alocador de recursos" e do Estado "como o problema e não a solução", como costumava dizer Reagan. Não por acaso o ponto alto do FSM será um grande ato com 5 dos principais presidentes latinoamericanos envolvidos na construção do "outro mundo possível" – Evo Morales, Fernando Lugo, Lula, Hugo Chavez, Rafael Correa – no dia 29 à noite, em Belém, revelando como o FSM passou da resistência à construção concreta de alternativas pósneoliberais.
Foi em 2000, quando começamos a pensar em transformar as manifestações anti-Davos – que se faziam, cercando ao balneário que tinha sido cenário de A montanha mágica, de Thomas Mann, agora conspurcado pelos agentes e pops do neoliberalismo e da globalização, no auge do inverno suíço – em um Fórum Social Mundial contraposto ao Fórum Econômico Mundial. O final da década parecia confirmar os presságios tanto do "pensamento único", quanto do Consenso de Washington. Afinal, se o modelo neoliberal tinha nascido pelas mãos de Pinochet, Thatcher e Reagan, tinha recebido as bênçãos de "modelo inevitável" pela geração seguinte, já não mais de ultra direita, mas de uma nova direita: Blair, Clinton, Felipe Gonzalez, Mitterrand, FHC, Carlos Andrés Perez, o PRI, Menem, entre outros, originários de correntes social democratas e nacionalistas. Governar não era mais abrir estradas - como se dizia antes de Getúlio -, mas abrir economias à globalização, "virar a página do getulhismo", como diria a versão cabocla – com pé na cozinha francesa, como ele esclareceria depois – da moda neoliberal.
Mas a velha toupeira fazia seu trabalho subterrâneo e não tardaria a irromper à superfície. No momento em que FHC tomava posse e assumia a versão nativa do neoliberalismo e o México assinava o Tratado de Livre Comércio da América do Norte, explodia neste país a primeira crise do neoliberalismo, atendida imediatamente por um gigantesco empréstimo dos EUA, temeroso da sua propagação, e os zapatistas davam seu "grito contra o neoliberalismo".
Em plena década de ouro do neoliberalismo, os movimentos sociais começavam a articular sua resistência – dos zapatistas ao MST, dos movimentos indígenas equatorianos aos bolivianos. Uma plácida e rotineira reunião da OMC, em 1999, numa das mecas da posmodernidade – Seattle – de repente se viu bloqueada por uma imensa manifestação convocada pela internet, a que se seguiram outras tantas na Europa, na Ásia, por onde a OMC tentasse se reunir, até que estes se refugiaram em Dubai.
Não cheirava bem a virada do século para o neoliberalismo. Apesar da América Latina ter sido transformada no paraíso neoliberal, sintomas preocupantes para os gurus do Consenso de Washington se acumulavam, até que Hugo Chavez se elegeu presidente na Venezuela, em 1998, seguiu-se a crise brasileira, de 1999 – umas das três vezes que FHC quebrou o país em um tempo recorde – e a argentina, de 2001/2002, completando o trio de ferro da economia do continente, infectado pelo vírus do "livre comércio", das privatizações, desregulamentações, precarizações laborais.
A passagem da ultima década do século passado à primeira desta representa uma das viradas históricas mais impressionantes na história do continente – que eu caracterizo como mais um trabalho d´"A nova toupeira", como eu intitulo o livro que estou publicando pela Boitempo, para falar da trajetória, dos dilemas e do potencial da esquerda latinoamericana neste novo século. De laboratório de experiências neoliberais a elo mais frágil da cadeia neoliberal.
O Fórum Social Mundial foi contemporâneo desse movimento. Nasceu no momento de resistência dos movimentos sociais ao neoliberalismo, multiplicou a força dessa resistência, como espaço múltiplo de encontro de todos os que lutam por "um outro mundo possível", contra um modelo precocemente envelhecido, comprometidos com a criação de um modelo de prioridade do social, dos direitos, do humano contra a ditadura dos mercados, que levou o mundo a uma imensa regressão.
Realizado inicialmente em Porto Alegre, pelo papel que o Brasil passou a ter na nova esquerda mundial e que a capital sulina expressou através dos extraordinários governos centrados no orçamento participativo, o Fórum Social cresceu exponencialmente, transferiu-se para a Ásia e a África, para retornar a Porto Alegre e agora a Belém, no coração da Amazônia. Realiza-se no momento em que tudo o que era previsto se realizou de forma mais dramática ainda, com o desmentido cabal dos discursos apologéticos do mercado como "melhor alocador de recursos" e do Estado "como o problema e não a solução", como costumava dizer Reagan. Não por acaso o ponto alto do FSM será um grande ato com 5 dos principais presidentes latinoamericanos envolvidos na construção do "outro mundo possível" – Evo Morales, Fernando Lugo, Lula, Hugo Chavez, Rafael Correa – no dia 29 à noite, em Belém, revelando como o FSM passou da resistência à construção concreta de alternativas pósneoliberais.
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