O Estado de São Paulo
27/01/2009
Rubens Barbosa, consultor de negócios, presidente do Conselho de Comércio Exterior da Fiesp, foi embaixador em Washington
Para discutir o futuro das relações entre o Brasil e os EUA de Barack Obama, o Instituto de Estudos sobre o Brasil do Woodrow Wilson Center, em Washington, realizou, em dezembro, importante encontro com a participação de autoridades, políticos, acadêmicos, empresários brasileiros e americanos.
Houve concordância entre os participantes de que, nos últimos 15 anos, as relações bilaterais se mantiveram em excelente nível e que são bem amplas as perspectivas de cooperação. Formou-se consenso, igualmente, de que haverá, em larga medida, na nova administração, continuidade na política externa dos EUA. Nesse contexto, o Brasil poderá ter uma relação diferenciada com Washington, embora a América Latina continue fora da tela dos radares da comunidade dos formuladores de decisões em Washington, exceto quando interesses concretos dos EUA possam ser afetados.
As relações entre os dois países podem ser caracterizadas como um processo complexo, mas dinâmico. Procurei mostrar no encontro as bases em que as relações poderão evoluir nos próximos anos, ressaltando três desafios: como conectar os interesses dos dois lados, a mudança de percepção sobre o Brasil nos EUA e como o Brasil deseja desenvolver suas relações com os EUA.
O primeiro desafio será o de conectar os interesses dos dois lados. No curto prazo, a tarefa é ainda mais árdua, pelo fato de o novo governo de Washington estar fortemente concentrado na estabilização e recuperação da economia, nas questões da guerra no Iraque e no Afeganistão, no conflito no Oriente Médio e no terrorismo. Do lado do governo brasileiro, há pouca chance de que haja uma modificação na visão do mundo dos atuais ocupantes da Chancelaria e na prioridade aos países em desenvolvimento (Sul-Sul) na política externa.
O segundo diz respeito à gradual mudança da percepção que os EUA têm até aqui sobre o Brasil. Reconhecido como uma potência regional emergente, o Brasil começa a ser visto em Washington como um país com peso econômico global e com papel importante em alguns dos principais temas da agenda internacional. O fato de o País ter hoje uma economia sólida e em crescimento, que poderá emergir da atual crise global ainda mais forte e mais ativo internacionalmente, contudo, ainda não é apreciado em todas as suas implicações. O establishment norte-americano reconhece e valoriza a convergência de valores e interesses entre os dois países na região, no sentido de promover a redução das desigualdades, a estabilidade econômica, a democracia e a segurança regional. O mesmo ocorre na área bilateral, e que energia (biomassa e petróleo), mudança de clima e cooperação em instituições multilaterais são identificadas como áreas de interesse comum. O tratamento diferenciado em relação aos demais países da América Latina, que parece estar-se delineando na política externa dos EUA, poderá levar, a médio prazo, a uma nova percepção sobre o País, reforçando a tendência de descolamento do Brasil do restante da América Latina.
O terceiro é saber o que o Brasil quer de suas relações com os EUA. Nos próximos dois anos, dificilmente se alterará a atitude defensiva do Itamaraty, que sintetiza as relações com os EUA como "pragmáticas e de respeito mútuo", o que no jargão diplomático muito não significa. A evolução do relacionamento entre os dois países se fará de forma incremental e com base em temas concretos. Menos retórica e mais realismo. Nada de aliança ou relações especiais ou estratégicas, de grandes projetos ou iniciativas retumbantes.
Sendo basicamente desconhecido nos EUA, o conhecimento e a compreensão da realidade brasileira e o reconhecimento da importância internacional relativa do Brasil talvez sejam o primeiro pré-requisito para o desenvolvimento de uma agenda construtiva entre os dois países. A discussão de temas de real e comum interesse tornará o Brasil importante para a política externa dos EUA. A mudança de percepção virá naturalmente, com base no interesse norte-americano, e, nesse sentido, o Brasil deveria aproveitar o início do governo Barack Obama e tomar a iniciativa de propor formas de ampliar a cooperação, especialmente nas áreas de energia, de comércio e da indústria de defesa.
A mecânica para essa parceria em novas bases já está criada pelos dois países. Desde 2003 foi tomada a decisão de institucionalizar uma cooperação mais desenvolvida e sofisticada. Durante a visita do presidente Lula a Washington foi criado um conjunto de mecanismos - encontros presidenciais com seus ministros, grupos de trabalho nas áreas mais importantes, cooperação hemisférica e em temas globais de interesse mútuo. Esses mecanismos poderão ser ativados e ampliados (como anunciado agora com a criação de grupo na área da defesa e dos diálogos estratégicos nas áreas econômica e política). No âmbito do setor privado, foi criado o fórum de presidentes de empresas para a discussão de uma agenda positiva a ser recomendada aos dois governos.
Do ponto de vista da política externa brasileira, o grande desafio do momento é o de identificar e definir nosso interesse no contexto da globalização e da crise internacional. O Brasil terá de assumir suas responsabilidades como potência econômica emergente e como poder político regional. Isso não quer dizer que o País deva adotar uma acomodação passiva ou reativa às transformações em curso, mas sim um movimento de antecipação a elas, tendo sempre presente o interesse nacional.
Nos próximos dois anos estarão sendo lançadas as bases que criarão condições para um salto qualitativo nas relações entre o Brasil e os EUA com novas administrações em Washington e em Brasília.
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