Valor Econômico
08/01/2009
Marcos de Moura e Souza, de São Paulo
O relator da especial da ONU para Direitos Humanos nos territórios palestinos, Richard Falk, acusou ontem o governo de Israel de violar a Convenção de Genebra no conflito em Gaza, mas também culpou o Hamas pela conflito e pela situação de caos vivida pelos palestinos na região.
Israel anunciou ontem que cessará os ataques por algumas horas diariamente para facilitar o fluxo de ajuda humanitária a Gaza. O embaixador do Egito na ONU disse que Israel e o Hamas aceitaram enviar representantes para discutirem uma proposta de trégua feita por Egito e França, cujo conteúdo não foi divulgado. Os EUA anunciaram apoio a esse plano.
Falk - que no mês passado foi impedido de entrar nos territórios palestinos e expulso por Israel - diz que o governo israelense age com força excessiva em Gaza e que o país não mostra "ambição política" de buscar a paz com os palestinos. "Israel usa o argumento do terrorismo para não negociar."
Embora diga que os dois lados têm culpa pelo conflito, que já deixou mais de 700 palestinos mortos e 3 mil feridos (além de quatro israelenses mortos), a responsabilidade maior está sobre ombros de Israel, diz Falk, que passa férias com a mulher no Brasil e esteve ontem em São Paulo para falar com jornalistas, a convite do Núcleo de Estudos da Violência da USP.
Há um ano e meio, desde que o Hamas assumiu o controle total da Faixa de Gaza, Israel mantêm as fronteiras da região bloqueadas, limitando o acesso dos palestinos a gêneros de primeira necessidade. "Da perspectiva do direito internacional, há uma contínua punição coletiva [contra os moradores da Faixa de Gaza], o que é proibido pelo artigo 334 da Convenção de Genebra."
Para Falk, professor emérito de direito internacional da Universidade Princeton, nos EUA, Israel infringe ainda o artigo 27 da mesma convenção, que diz potências ocupantes devem prover condições de vida a territórios ocupados.
Falk, que ocupa a relatoria desde março, disse que os autores dessas infrações deveriam ser responsabilizados - algo que, admite ele, seria difícil, porque Israel não é membro do Tribunal Penal Internacional. O caso exigiria, no extremo, a criação de uma corte especial, como as criadas para a antiga Iugoslávia e para Ruanda.
Questionado se concorda com críticos do governo israelense que comparam Gaza aos antigos guetos judeus, Falk diz que, como relator, prefere não usar esse termo "particularmente inflamador para a sociedade judaica". "Mas é verdade que, quando se prende uma população urbana dentro de um território, isso se transforma em algo que faz as pessoas se lembrarem dos guetos."
Há anos Falk é um crítico das políticas de Israel em relação aos palestinos. Mas, ao falar do conflito, ele acusa também o Hamas e diz que os disparos de foguetes contra cidades israelenses são "ilegais e imorais" por visarem população civil e, do ponto de vista político, acabam fornecendo uma "desculpa" para as ações de Israel.
"Não está claro se o Hamas é responsável por todos foguetes disparados. Há milícias independentes. E, até 27 dezembro [data do início dos bombardeios aéreos à Faixa de Gaza], os foguetes não tinham provocado nenhuma morte em Israel [em 2008]. Enquanto isso, Israel de tempos em tempos assassina líderes políticos dentro de Gaza", diz Falk. "Mas é claro que o Hamas tem alguma responsabilidade."
Falk diz não ter elementos para confirmar a acusação de que o Hamas estaria usando civis como escudos humanos, mas lembra que, numa área tão densamente povoada como a Faixa de Gaza, mesmo que os militantes não estejam se escondendo em um hospital ou numa escola, na rua ao lado haverá sempre população civil.
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