O Estado de São Paulo
16/01/2009
Gilles Lapouge
Gilles Lapouge é correspondente em Paris
O primeiro-ministro israelense, Ehud Olmert, reconheceu: aviões israelenses bombardearam o complexo da Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados Palestinos (UNRWA) em Gaza. O Hospital Al-Quds também foi atingido. Qual a razão desses ataques? Respostai: havia 700 palestinos refugiados no complexo. Era preciso atingi-los. É a lógica. Ataca-se onde os inimigos se encontram.
Alguns objetam, porém, que é igualmente lógico que civis, nas circunstâncias com alguns combatentes entre eles, presos em sua cidade, e correndo como um bando de ratos perseguidos por um caçador, procuram escapar da morte forçando as portas dos lugares pretensamente protegidos pelo direito. O direito? Por duas vezes, nos últimos dias, verificou-se que é uma péssima ideia esconder-se em lugares neutros. É a melhor maneira de atrair o raio. Cerca de 40 mortos numa escola da ONU, na semana passada, deram prova disso.
Mas a verdadeira razão desse ato deve ser procurada em outro lugar. As negociações entre Israel e o Hamas, com intermediação do Egito, haviam progredido de tal forma que, na manhã de ontem, a expectativa era de que as armas parassem de troar em um ou dois dias. Foi, portanto, na véspera desse evento que Israel empreendeu ataques de uma violência sem precedente, incluindo a destruição no complexo da ONU de assistência a uma população que morre de fome quando escapa da morte que vem do céu.
A ideia aponta, portanto, para um quadro duplo. De um lado, a paz é vislumbrada. De outro, a guerra se torna mais desumana. Ora, essas duas faces, longe de se contradizerem, se completam. "No último minuto", disse um diplomata da região, "tenta-se obter progressos no terreno antes de a paz se impor. É a estratégia clássica de Israel". Será o caso admitir que se multiplique o número de mortos para aumentar a chance de viver? Estranha dialética! E se, em vez de preparar a paz, esses excessos dessem uma nova chance à guerra?
Não se trata de fazer um julgamento, favorável ou indignado, sobre a guerra lançada por Israel. As provocações do Hamas, seus bombardeios cínicos das cidades israelenses, eram ignóbeis. No entanto, são muitos os que se escandalizaram com a maneira como essa guerra foi conduzida. A Federação Internacional dos Direitos Humanos pediu ao Conselho de Segurança da ONU que investigue "crimes na Faixa de Gaza que devem ser qualificados como de guerra, se não forem crimes contra a humanidade". As bombas de fósforo Dime (Dense Inert Metal Explosive) são aceitas pelo direito internacional, é verdade, mas são abjetas. A agência Associated Press cita testemunhas que viram os efeitos dessas bombas: "Viu-se a fumaça branca vinda do céu descolar a pele do rosto e dos membros." Eis a questão: para restaurar a paz, seria realmente necessário primeiro bombardear as instalações da ONU, um hospital, e atingir civis com bombas capazes de descolar a pele dos rostos e dos membros?
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