Folha de São Paulo
09/01/2009
Nicholas D. Kristof, do "New York Times"
ARTIGO
Em um momento no qual Israel está bombardeando Gaza para tentar esmagar o Hamas, vale lembrar que o governo israelense ajudou a fomentar o crescimento do grupo.
Quando o Hamas foi fundado, em 1987, a maior preocupação israelense era o Fatah, de Iasser Arafat. Calculando que aqueles muçulmanos fundamentalistas dedicariam seu tempo a orar, Israel permitiu que o Hamas crescesse como contrapeso ao Fatah.
O que estamos vendo no Oriente Médio é a Síndrome do Bumerangue. O terrorismo árabe ajuda a reforçar o apoio aos políticos israelenses de direita, que tomam medidas severas contra os palestinos, os quais por sua vez respondem com mais terrorismo. Os extremistas de lado a lado sustentam-se mutuamente, e os dois lados tornam a vida do oponente a pior possível.
Visitei Gaza na metade do ano passado e encontrei entre os palestinos uma ambivalência que americanos e israelenses não parecem compreender. Muitos moradores de Gaza desprezam o Fatah como corrupto e incompetente e desgostam do excesso de zelo e da repressão do Hamas. Mas quando estão sofrendo e se sentem humilhados, a ideia de que o Hamas está contra-atacando é emocionalmente satisfatória.
É certo que Israel foi alvo de profundas provocações, neste caso. Quando um vizinho está bombardeando seu território, Israel precisa fazer algo.
Mas o direito israelense a fazer alguma coisa não inclui fazer qualquer coisa. Desde que os ataques de artilharia da faixa de Gaza foram iniciados, em 2001, 20 israelenses morreram em explosões de foguetes ou morteiros, segundo grupos israelenses de direitos humanos.
Isso não justifica uma invasão terrestre aberta que causou a morte de mais de 760 pessoas (entre as quais é difícil distinguir militantes e civis).
O que Israel poderia ter feito como resposta razoável? Bombardear os túneis pelos quais armas são contrabandeadas para Gaza seria uma resposta proporcional, caso Israel tivesse se limitado a isso, e o mesmo vale para ataques aéreos contra determinados alvos do Hamas. Uma abordagem ainda melhor teria sido aliviar o cerco a Gaza, e talvez criar um ambiente no qual o Hamas poderia ter aceitado prolongar o cessar-fogo expirado em dezembro. Quase qualquer coisa teria sido melhor do que reagir com violência e gerar mais bumerangues.
"Essa política não está tornando Israel mais forte", aponta Sari Bashi, diretora executiva da Gisha, organização israelense de defesa dos direitos humanos que trabalha em questões relacionadas a Gaza. "O trauma que 1,5 milhão de pessoas vêm sofrendo em Gaza terá efeitos de longo prazo sobre nossa capacidade de conviver."
A estratégia de Israel vem sendo a de causar sofrimento aos cidadãos palestinos comuns na esperança de gerar má vontade para com o Hamas. É por isso que, a partir de 2007, Israel reduziu os embarques de combustível para as empresas de energia e água de Gaza -e hoje, depois dos bombardeios, 800 mil moradores de Gaza estão sem água corrente.
"A política israelense para Gaza é divulgada como uma política de combate ao Hamas, mas na verdade é uma política contrária ao 1,5 milhão de habitantes de Gaza", diz Bashi.
Todos nós sabemos que a solução mais plausível para a confusão no Oriente Médio é a criação de dois Estados. É difícil ver como poderemos chegar lá, de onde estamos, mas um passo seria fortalecer o presidente Mahmoud Abbas e sua Autoridade Nacional Palestina.
Em vez disso, as informações iniciais são de que o ataque a Gaza está concentrando a ira dos árabes em Abbas e vizinhos moderados como a Jordânia, o que solapa o esforço de paz.
Barack Obama disse relativamente pouco sobre Gaza. Inicialmente, dadas as provocações do Hamas, isso era compreensível. Mas à medida que a invasão terrestre aumenta o custo em vidas, ele precisa se unir aos líderes europeus no apelo por um cessar-fogo -e, ao assumir a Presidência, precisa prover a verdadeira liderança de que o mundo precisa. Aaron David Miller, veterano negociador americano de paz, sugere no novo e excelente livro "The Much Too Promised Land" [a terra prometida demais] que os presidentes deveriam oferecer amor a Israel, mas "amor severo". Assim, que Obama encontre sua voz e ofereça amor severo a Israel.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
ARTIGO
Em um momento no qual Israel está bombardeando Gaza para tentar esmagar o Hamas, vale lembrar que o governo israelense ajudou a fomentar o crescimento do grupo.
Quando o Hamas foi fundado, em 1987, a maior preocupação israelense era o Fatah, de Iasser Arafat. Calculando que aqueles muçulmanos fundamentalistas dedicariam seu tempo a orar, Israel permitiu que o Hamas crescesse como contrapeso ao Fatah.
O que estamos vendo no Oriente Médio é a Síndrome do Bumerangue. O terrorismo árabe ajuda a reforçar o apoio aos políticos israelenses de direita, que tomam medidas severas contra os palestinos, os quais por sua vez respondem com mais terrorismo. Os extremistas de lado a lado sustentam-se mutuamente, e os dois lados tornam a vida do oponente a pior possível.
Visitei Gaza na metade do ano passado e encontrei entre os palestinos uma ambivalência que americanos e israelenses não parecem compreender. Muitos moradores de Gaza desprezam o Fatah como corrupto e incompetente e desgostam do excesso de zelo e da repressão do Hamas. Mas quando estão sofrendo e se sentem humilhados, a ideia de que o Hamas está contra-atacando é emocionalmente satisfatória.
É certo que Israel foi alvo de profundas provocações, neste caso. Quando um vizinho está bombardeando seu território, Israel precisa fazer algo.
Mas o direito israelense a fazer alguma coisa não inclui fazer qualquer coisa. Desde que os ataques de artilharia da faixa de Gaza foram iniciados, em 2001, 20 israelenses morreram em explosões de foguetes ou morteiros, segundo grupos israelenses de direitos humanos.
Isso não justifica uma invasão terrestre aberta que causou a morte de mais de 760 pessoas (entre as quais é difícil distinguir militantes e civis).
O que Israel poderia ter feito como resposta razoável? Bombardear os túneis pelos quais armas são contrabandeadas para Gaza seria uma resposta proporcional, caso Israel tivesse se limitado a isso, e o mesmo vale para ataques aéreos contra determinados alvos do Hamas. Uma abordagem ainda melhor teria sido aliviar o cerco a Gaza, e talvez criar um ambiente no qual o Hamas poderia ter aceitado prolongar o cessar-fogo expirado em dezembro. Quase qualquer coisa teria sido melhor do que reagir com violência e gerar mais bumerangues.
"Essa política não está tornando Israel mais forte", aponta Sari Bashi, diretora executiva da Gisha, organização israelense de defesa dos direitos humanos que trabalha em questões relacionadas a Gaza. "O trauma que 1,5 milhão de pessoas vêm sofrendo em Gaza terá efeitos de longo prazo sobre nossa capacidade de conviver."
A estratégia de Israel vem sendo a de causar sofrimento aos cidadãos palestinos comuns na esperança de gerar má vontade para com o Hamas. É por isso que, a partir de 2007, Israel reduziu os embarques de combustível para as empresas de energia e água de Gaza -e hoje, depois dos bombardeios, 800 mil moradores de Gaza estão sem água corrente.
"A política israelense para Gaza é divulgada como uma política de combate ao Hamas, mas na verdade é uma política contrária ao 1,5 milhão de habitantes de Gaza", diz Bashi.
Todos nós sabemos que a solução mais plausível para a confusão no Oriente Médio é a criação de dois Estados. É difícil ver como poderemos chegar lá, de onde estamos, mas um passo seria fortalecer o presidente Mahmoud Abbas e sua Autoridade Nacional Palestina.
Em vez disso, as informações iniciais são de que o ataque a Gaza está concentrando a ira dos árabes em Abbas e vizinhos moderados como a Jordânia, o que solapa o esforço de paz.
Barack Obama disse relativamente pouco sobre Gaza. Inicialmente, dadas as provocações do Hamas, isso era compreensível. Mas à medida que a invasão terrestre aumenta o custo em vidas, ele precisa se unir aos líderes europeus no apelo por um cessar-fogo -e, ao assumir a Presidência, precisa prover a verdadeira liderança de que o mundo precisa. Aaron David Miller, veterano negociador americano de paz, sugere no novo e excelente livro "The Much Too Promised Land" [a terra prometida demais] que os presidentes deveriam oferecer amor a Israel, mas "amor severo". Assim, que Obama encontre sua voz e ofereça amor severo a Israel.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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