sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Momento para se experimentar

Valor Econômico

16/01/2009

Dani Rodrik

A economia mundial entra em 2009 com mais incertezas (e ansiedade) do que em qualquer outro momento da história recente. Embora a crise financeira pareça estar contida nos Estados Unidos e Europa, suas repercussões totais ainda não ficarão claras por algum tempo. Os países avançados estão no pior momento econômico desde a Grande Depressão. Então, qual será a duração e profundidade desta recessão e até que ponto atingirá os países emergentes e em desenvolvimento?

Não temos respostas a essas perguntas, em parte porque as conseqüências dependerão das ações que as autoridades políticas tomarem. As respostas corretas assegurarão que a economia mundial possa começar a recuperar-se no fim de 2009. Por outro lado, escolhas políticas infelizes na melhor hipótese adiarão a recuperação, e na pior causarão danos permanentes. Segue, aqui, uma lista de pontos a serem observados.

Será que a resposta dos EUA será "ousada" o suficiente? Barack Obama prometeu que será, repetindo pelo menos uma parte da famosa conclamação de Franklin D. Roosevelt (FDR) em defesa de uma "experimentação ousada e persistente" no auge da Grande Depressão, em 1932. Obama possui um grupo de economistas de primeiro nível a seu lado, garantia de que não fará nenhuma tolice. As circunstâncias nos EUA, contudo, são excepcionais o suficiente para que ele precise ter assessores dispostos a tentar novas idéias, idéias ainda não comprovadas - em outras palavras, uma experimentação "a la FDR".

Em particular, ele precisará ir além de políticas de estímulo fiscal keynesianas para curar as feridas profundas da confiança econômica, nas quais estão as raízes da atual crise. Até agora, as medidas para revigorar a confiança vêm sendo limitadas aos mercados financeiros, por meio de garantias públicas, apoio à liquidez e injeções de capital.

É improvável, no entanto, que trabalhadores receosos com demissões saiam por aí gastando, independente de quanto dinheiro os estímulos fiscais colocarem em seus bolsos. Da mesma forma que os bancos estão acumulando dinheiro, as pessoas físicas tentarão preservar sua situação, economizando. Portanto, incentivos voltados diretamente a preservar o emprego terão de ser uma parte da solução.

Será que a Europa conseguirá organizar-se para agir com mais eficiência? Este poderia ser o momento da Europa. Afinal, a crise originou-se nos EUA e deixou a política do país focada em seus problemas domésticos, abrindo espaço aos outros para ocupar uma liderança mundial. Em vez disso, a crise revelou as profundas divisões dentro da Europa - em tudo, desde regulamentação financeira até a resposta política necessária.

A Alemanha demora-se em estímulos fiscais, frustrando o que deveria ser a segunda perna de um plano de ações fiscais coordenadas mundialmente. Se a Europa quiser fazer sentir seu peso no cenário mundial, terá de agir com mais unidade de propósitos e arcar com uma maior parte da responsabilidade. Infelizmente, o melhor que se pode esperar neste estágio é que a Europa não atrapalhe o estímulo fiscal mundial, algo que até o FMI, guardião da ortodoxia fiscal, considera absolutamente essencial.

A China conseguirá manter-se coesa? Apesar de uma resposta fraca dos EUA ser o maior risco no lado econômico, o que acontecer na China pode muito bem ter conseqüências mais duradouras e profundas no quadro histórico mais amplo. Como a China é um país de enormes tensões e segmentações escondidas, em tempos econômicos difíceis esses problemas poderiam emergir em conflitos abertos.

Especialistas em China diferem sobre o índice de crescimento econômico necessário para criar emprego para os milhões de chineses que se mudam para áreas urbanas do país a cada ano. É praticamente certo, porém, que a China não atingirá esse nível em 2009. Isto explica o fluxo quase contínuo de medidas emanando de Pequim nestes dias: aumento dos gastos públicos, afrouxo monetário, conversibilidade parcial do yuan para incentivar o comércio com países vizinhos e por aí segue. Será que isto será suficiente para conter a desaceleração em uma economia que ficou fisgada à demanda externa nos últimos anos?

Caso as tensões sociais intensifiquem-se, o governo chinês deverá responder com maior repressão, o que não cairá nada bem para suas relações com o Ocidente e para sua estabilidade política no médio prazo. A experiência mostra que as democracias têm vantagem em relação aos regimes autoritários no que se refere a lidar com as conseqüências posteriores de crises. As democráticas Índia (em 1991) e Coréia do Sul (em 1997/98) conseguiram recuperar suas economias com rapidez , enquanto o Chile de Pinochet (em 1983) e a Indonésia de Suharto (em 1997/1998) afundaram-se cada vez mais na lama.

Regimes autoritários carecem das instituições para administrar conflitos que as democracias proporcionam. As tensões, portanto, transpassam para as ruas e tomam a forma de manifestações e protestos. Não importa como a liderança chinesa responder, as gerações futuras poderão lembrar-se de 2009 mais pelas profundas transformações que provocou na China do que pela crise financeira e econômica mundial.

Haverá cooperação econômica mundial suficiente? Quando as necessidades domésticas tornam-se primordiais, a cooperação econômica mundial sofre. Os custos do protecionismo comercial e financeiro, no entanto, são especialmente altos em momentos assim. A Grande Depressão foi agravada pelas barreiras comerciais que os países impuseram para proteger o emprego doméstico. Da mesma forma, repetir a dose seria uma tentação desta vez. E os bancos - sejam explicitamente estatizados ou não - estarão sob pressão para priorizar os captadores de empréstimos domésticos.

Até agora, o FMI reagiu com vigor recém-descoberto, criando uma linha de crédito de curto prazo, altamente necessária, que até poderá ter de ser ampliada caso a pressão sobre os países emergentes aumente. A Organização Mundial do Comércio (OMC), enquanto isso, desperdiçou um tempo valioso na irrelevante Rodada de doha. Deveria ter focado seus esforços em monitorar e colocar em prática o compromisso do G-20 de não levantar barreiras comerciais.

As autoridades políticas precisam livrar-se das noções predominantes e esquecer dicotomias inúteis como "mercado versus governo" ou "Estado-nação versus globalização". Precisam enfrentar-se com a realidade de que as regulamentações nacionais e os mercados internacionais estão conectados inextrincavelmente - e precisam de - um ao outro. Quanto mais pragmática e criativamente agirem, mais cedo a economia mundial se recuperará.

Dani Rodrik, professor de Economia Política na Escola de Governo John F. Kennedy da Universidade Harvard, é o primeiro ganhador do Prêmio Albert O. Hirschman, do Social Science Research Council.

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